Nome do autor: Kaline Bogard
Título: A vida segue
Sinopse: A vida tinha um novo significado agora. Mas tudo o que ele desejava era que nada tivesse mudado.
Gênero: drama
Classificação: - K
Status: completa
Formato: oneshot
Observação: Spoiler 6

A vida segue

Kaline Bogard

Ele não sabia que lugar era aquele. Não conhecia metade dos bruxos e bruxas que transitavam de um lado para outro. Todos apressados, todos cumprindo ordens, todos Comensais da Morte.

Contentou-se em continuar sentado no canto do pátio, molhado de chuva, abraçando as próprias pernas e completamente ignorado pelos demais, sentindo-se invisível. Mas tudo bem, queria poder ficar invisível naquele momento.

Falhara. Falhara numa missão extremamente simples: matar Dumbledore. Tão simples... tão complicado.

Tirar a vida de uma pessoa não era algo simples. Não por ser covarde, medroso. Mas pelas implicações daquele ato, acertar alguém, qualquer um, com a Maldição de Morte, jogar essa pessoa no grande e eterno nada. O nada da morte. Acabar com todos os seus sonhos, seus anseios, suas preocupações, sua consciência. Acabar com a vida...

Não podia. Nunca poderia.

E agora tinha que arcar com as consequências.

Uma carruagem veio rapidamente do céu. Pela primeira vez ele viu: não mais um veículo mágico que se movia sozinho, mas que era movido por Trestálios.

Trestálios.

As criaturas mágicas que só podem ser vistas por pessoas que tiveram algum contato com a morte. Eram totalmente diferentes do que imaginara: garanhões do porte de Hypogryfos, com pernas fortes e musculosas, assim como as ancas. Todo o corpo era cadavérico, como se estivessem mortas há muito tempo e toda a carne secasse sobre o esqueleto, dando uma impressão de putrefação. Olhos vazados fixaram-se sobre ele, e por um breve instante se viu fitando de volta o profundo e infinito vazio através das orbitas escurecidas. A criatura relinchou, ou emitiu um som semelhante a isso, e exibiu dentes ossados e pontudos, capazes de dilacerar qualquer coisa que lhe caísse ao alcance.

Tentou se lembrar de mais coisas a respeito desses animais. Lembrava-se das aulas de TDCM que sua domesticação datava da época dos fundadores de Hogwarts. Eles se alimentavam de carne em decomposição e causaram muita confusão, pois apenas algumas pessoas podiam vê-los, enquanto outros não podiam. Levara um tempo significativo até descobrir qual o fator que permitia vê-los.

A experiencia com a morte.

E agora também podia enxergá-los.

A carruagem estacionou e o Trestálio aquietou-se no pátio, apesar de ainda lançar miradas em sua direção.

Afastou os pensamentos didáticos da mente. Não estava mais no colégio, reunir informações sobre aquelas bestas encantadas não lhe traria pontos extra para Slytherin. Talvez nunca mais trouxesse. Já não era mais um aluno pondo a lição em prática. Era um homem, pondo a própria vida em teste.

E diante dessa constatação não pôde achá-los mais assustadores. Antes tinha medo do que encararia, medo do desconhecido. Agora podia olhar para as criaturas assombradas, perceber a beleza trágica que os cercava. A mesma tragédia da morte, de não poder voltar a trás e não ter uma nova chance.

Dumbledore estava morto. O pensamento era assustador.

A porta da carruagem abriu-se e Snape desceu. Pela sua expressão as notícias não eram nada boas.

Nada boas.

Desviou os olhos do antigo mestre de Poções e DCAT e os voltou para a imagem desoladora que era aquele Trestálio parado no pátio; visível, provavelmente, para todos os Comensais que transitavam indiferentes ao garoto encolhido e molhado no canto escuro. O garoto que apenas o cavalo da morte parecia notar, mirando-o de volta com os olhos vazados.

Draco finalmente podia vê-lo, e tudo o que desejava era não ser capaz de fazê-lo.

Mas agora era tarde demais.

Fim