SILENT HILL

Estrada para a Morte

Prólogo – Tinta

Eu sou a vida e a morte. Sou uma gota de água-viva, um redemoinho de cores, o lar das sombras... Ah, como me temo... Eu queria mudar de estado físico e me tornar invisível, queria poder burlar minha própria consciência; que me ilude, que me ilude, que me ilude. Causo espanto e terror. Busco fugir de mim mesma ou não suportarei a carga que concentro. Na verdade, sou uma mentira, um soneto parnasiano. Gostaria de enfrentar meus temores e suportar minhas falhas; ultrapassar os limites da própria compreensão, torná-la razão e então dominá-la! Serei o domador do entendimento da mente que é a principal vilã da minha vida.

Estou há treze dias presa nesse hospital, entediada, vendo o tempo circundar lá fora. Enquanto eu só enxergo branco. Eu que sempre fui tão cinza e sem extremos – sem coragem – sou obrigada a ver tecidos claros e cruzes vermelhas vindo ver se estou bem e me aplicando injeções. Estou em hibernação. Queria ter forças para me levantar dessa maca e forçar meus passos até o caminho tortuoso que me aguarda no extremo do externo. Mas, além de estar fraca, sou um pouco medrosa – não agüento o denso ar do perigoso que cobre minha trilha. Protejo-me com uma carapaça, deixando-me envolver pela segurança do estático. Fico parada. Nada faço para me libertar da ausência de mim mesma.

Quando vim parar nessa clínica achei que logo deixaria esse lugar. Porém me enganei. Tento não lembrar do que aconteceu – minha missão é me guardar para não me destacar na multidão de inocência. Sou uma inocente, não posso perder a dádiva do renascimento; para que haja transformação, deve antes haver uma morte. Por isso eu morri para acordar nova. Contudo essa nova eu só faz escrever. Geralmente são palavras desconexas que representam meu estado mental do momento. Umas raras vezes são poesias que significam tanto para mim que me emocionam, já que nelas está presente o sangue das minhas veias, o âmago das artérias – meu coração em um papel. Tudo é a tinta da minha origem que nem mesmo sei se existe. Sou uma nada, uma inexistente em uma clínica psiquiátrica! Miserável destino. Sinto-me uma pedra, quando na verdade queria ser um cravo forte e opaco. O ferro que me ronda é austero, vem da fábrica de ilusões que age em mim com freqüência. No final de meus devaneios, me pego chorando para acordar desse sonho. Um sonho que não é sonho, mas sim a realidade. Minha rotina é que é feita de sonhos: uma torre de conseqüências, protuberante e torta, construída a partir de um conjunto de imagens e pensamentos. Por que ela não cai?

Incógnita.

Sei que posso ser complexa como um grosso e velho livro de Filosofia, porém estou me doando aos poucos a você, para que me beba em rápidos goles. Depois, quando estiver ponto, te entregarei um prato de comida lotado de informações que me batem repentina e rapidamente, querendo fazer parte do processo de formação de telas sem molduras do meu passado. Não se preocupe, logo me compreenderá; passei por coisas incomuns o suficiente para deixar os homens, comuns demais, aflitos e sinuosos. Sinistros passos de uma cabeça que não segue linha reta. O que sei de mim agora é pouco para te mostrar. Sei que sou jovem, cabelos loiros, olhos claros, expressão antiga... Mas a descrição corporal não me interessa. Tenho ânsia de apresentar os fatos, comentar o inexplicável e ser inversão ao que me transita atualmente. Tudo o que eu digo não é para entender, apenas para sentir! Sinta-se como eu – um fantasma castanho à beira do suicídio.

Algumas horas antes de entrar nessa clínica, me lembro de estar andando por uma larga estrada. De um lado havia uma pedreira, rochas lisas e cinzas estendendo-se até um topo alto. Era um penhasco. Eu vagava cambaleante pela estrada. Só sabia das lágrimas que insistiam em cair e do cheiro de podridão do sofrer. Além de ter conhecimento de que alguém ficara para trás... Quando chego a esse ponto, desabafo para o diário. Os médicos são humanos como eu, não podem me tratar da forma que mereço. Apenas a tinta é capaz de resolver meus cálculos, ultrapassar a linha tênue do meu orgânico e formar as letras. A tinta que se origina na minha medula, passando por meus nervos e fazendo meus ossos estalarem.

Agora que já me acostumei com a atmosfera branca dessa clínica, brinco de estar em um navio que daqui a alguns meses aportará em um porto numa ilha afrodisíaca. Sou infeliz demais. Tenho medo da morte? Sim. Sou covarde. Tenho medo da compreensão?

Incógnita.

Então por que não ser compreendida? Há alguém para me entender? Procuro o prazer do compartilhamento, minha história em pedaços é complicada e indeterminada. Porém firme. Sou forte para escolher caminhos fáceis e decisivos para o fim de minha existência. Eu penso! Como todos os outros. Sendo que eu penso demais... É o que acho... Mas isso não importa agora.

Bem, na verdade, o que importa agora?

Hum... Incógnita. Vamos aos fatos, antes que eu me atropele.