Parte I – Can't take my eyes off of you
Ginny chegou em casa cansada. Abriu a geladeira e pegou uma garrafa de água mineral. "Meu Deus, eu quero uma cerveja e uma pizza" pensou. Ao invés disso pegou uma salada de rabanetes e cenouras com vinagre. Tudo para permanecer saudável. "Quem mandou querer ser modelo?" ralhou consigo mesma "era muito mais fácil ter virado professora ou algo do tipo." Fazer faculdade nos Estados Unidos e ficar bêbada todas as noites com as amigas da fraternidade. Mas não. O seu ego venceu outra vez. Claro que namorar um fotógrafo mundialmente conhecido tinha influenciado um pouco seu julgamento. Falando nele, onde estava Harry? Era quinta feira, o dia em que almoçavam juntos.
Foi então que percebeu o bilhete preso à porta da geladeira com um imã. Essa era a paixão de Harry. Imãs de geladeira. Tinha um para cada país que visitara a trabalho. Ginny não entendia como alguém tão descolado tinha um hábito tão trivial.
Volto só à noite, baby tenho uma sessão de fotos em Camdem Town. Te amo. Ginny riu. Camdem Town era seu bairro favorito de Londres, apesar de ser meio dark. Fora lá que ela tivera seu primeiro encontro com Harry. Foram num bar-karaokê onde Harry cantara sua música favorita para Ginny...
FLASHBACK
- Ele está atrasado – resmungou Ron, seu irmão mais velho e amigo de infância de Harry – eu sugiro que você já vá se acostumando, porque ele está sempre atrasado.
- Cale a boca Ron – respondeu Ginny com um sorriso nos lábios – ele só está três minutos atrasado e você nunca reclama quando é você que vai sair com ele. Só porque sou eu você está encrencando.
- Cuidado maninha – advertiu ele – só porque eu dei a minha permissão a vocês não significa que eu não possa retirá-la.
Ginny riu sarcasticamente: - Sua permissão? Você acha que eu preciso da sua permissão? Eu já tenho dezesseis anos e sei muito bem me cuidar sozinha. Melhor do que você, por sinal.
Ron trincou os dentes diante da alfinetada. Ele havia passado mal da última vez que saíra com Harry e o resto da turma. Muito álcool e pouca comida. A não ser é claro que quatro porções e meia de batatas fritas com molho de churrasco sejam consideradas comida. Vale ressaltar que depois da segunda porção ele já estava tão alterado que mal mastigava. Como Harry constatou no dia seguinte. Ron havia vomitado na parede e desmaiado e o coitado do Harry tivera que limpar a bagunça.
Duas buzinadas do lado de fora. Ginny pegou a bolsa em cima da mesa da cozinha e se dirigiu para a porta.
-Eu vou com você até lá fora. Preciso ter uma conversinha com Harry.
Conversinha essa que durou quinze minutos. Quinze minutos entediantes de ameaças que acabaram com Harry fechando a janela do carro e arrancando os pneus. Fazendo com que Ginny risse e Ron se indignasse.
Chegaram ao bar. Havia uma fila de meia hora, que Harry simplesmente ignorou. Era amigo do dono da casa e, portanto todos os seguranças o conheciam. A promoter os acompanhou até a melhor mesa, logo em frente ao palco. Pediram vinho e alguns pães finos e ficaram conversando, jogando conversa fora. Até que no telão anunciou-se que era a vez de Harry cantar.
Harry olhou para Ginny com uma cara de eu-não-acredito-que-você-fez-isso-comigo e se afundou na cadeira, com o rosto corado. Harry não era, aliás nunca havia sido um exibicionista. As pessoas começaram a gritar seu nome, uma coisa comum nesse bar, quando a pessoa da vez se sentia envergonhada. Ginny olhou para Harry daquele jeito que só ela conseguia. Ele se levantou e tropeçando um pouco, se encaminhou para o palco.
A música começou a tocar e Harry, completamente retesado começou a cantar
"You're just too good to be true.
Can't take my eyes off you.
You'd be like Heaven to touch.
I wanna hold you so much.
At long last love has arrived
And I thank God I'm alive.
You're just too good to be true.
Can't take my eyes off you."
Nesse ponto Harry já estava um pouco mais solto. Essa era, afinal uma de suas músicas favoritas. E ninguém, fora Ginny o conhecia no restaurante
Ginny se descobriu sentada na ponta da cadeira com os olhos brilhando. Deus, como ele era lindo. O brinco na orelha esquerda era um charme. O cabelo desarrumado, um tanto comprido, cobrindo ligeiramente os olhos verde-esmeralda, que tanto a atraíam.
"Pardon the way that I stare.
There's nothing else to compare.
The sight of you leaves me weak.
There are no words left to speak,
But if you feel like I feel,
Please let me know that it's real.
You're just too good to be true.
Can't take my eyes off you."
A música começou a se agitar um pouco. Harry improvisou uma dança que fez a maior parte do público rir. Do público masculino mais precisamente. Todas as mulheres, sem exceção estavam suspirando. Mas aqueles olhos verdes estavam fixos num ponto só. Naquela beleza ruiva que por ele tanto ansiava.
"I love you, baby,
And if it's quite alright,
I need you, baby,
To warm a lonely night.
I love you, baby.
Trust in me when I say:
Oh, pretty baby,
Don't bring me down, I pray.
Oh, pretty baby, now that I found you, stay
And let me love you, baby.
Let me love you."
A música acabou e aplausos surgiram. Harry agradeceu e rapidamente desceu do palco. Sem música ele ainda era o mesmo Harry de sempre. Nunca querendo chamar atenção.
Sentou novamente ao lado de Ginny. Olhou em seus olhos castanho-claros e se sentiu hipnotizado. Quanto ao que ela sentia não é necessário nem comentar. Estava extasiada por aqueles olhos verdes maravilhosos. Ele se aproximou, pegou em sua mão e diminuiu pela metade a distância entre eles. Agora a bola estava no campo dela. Ele tinha se prontificado e cabia a ela então se afastar ou se aproximar. Ginny hesitou. Sempre dizia que mulher que se preze não se entrega sem um pouco de charme. Deitou a cabeça sobre o ombro esquerdo e continuou a encará-lo. Colocou sua outra mão sobre a mão dele e a acariciou.
Só então ela acabou com o espaço que os separava e encostou seus lábios ligeiramente aos dele. Foi um beijo suave no início. Um beijo romântico que se desenvolveu aos poucos em um beijo apaixonado, em que cada um tentava penetrar mais fundo na boca do outro, explorá-la, tentando ao máximo demonstrar o afeto recém-descoberto um pelo outro. E falhando miseravelmente. Demoraria alguns encontros para que se entendessem perfeitamente, nesse quesito. Afinal existia amor à segunda vista. Ou talvez à milésima fosse mais preciso. Conheciam-se há anos e de repente se enxergavam de um modo completamente diferente.
Depois do que pareceu uma eternidade se afastaram e Harry repetiu uma frase da música: "I Love You, baby".
Desde então ele a chamara de baby. Dois anos de namoro e algumas brigas depois, quando ela finalmente completara dezoito anos e saíra da escola, mudara para seu apartamento.
FIM FLASHBACK
Aquela noite parecia tão longe. Apenas três anos haviam se passado, mas de algum modo parecia muito mais tempo. A vida morando com Harry nem sempre era fácil. Em casa ela era a filha mais nova, a única menina depois de seis meninos. Não é necessário mencionar que era completamente mimada pelos pais e pelos irmãos mais velhos. Nunca tinha que cozinhar, lavar a louça ou qualquer coisa do tipo. Tudo isso mudara quando ela passou a viver com Harry. Era necessário pagar o aluguel e nenhum deles recebia um salário fixo. Harry trabalhava de freelancer e não ganhava mais tanto quanto antigamente. Aparentemente o mercado de trabalho estava tão saturado que o preço de Harry era muito caro. Mas o que fazer quando se tem que sustentar uma casa?
Ginny ganhava ainda menos que Harry. No auge de seus dezenove anos era bonita, com um corpo bem desenvolvido, não como aquelas modelos anoréxicas. Modelos estas que ganhavam mais dinheiro que ela por sinal. Nem todos consideravam anorexia uma doença. Para muitos estilistas, quanto mais magra a modelo, melhor. Ginny se escandalizava com tal "padrão de beleza". Pessoalmente ela tinha aflição daquelas pernas que pareciam que iam quebrar e aquelas cinturas sem molejo nenhum. Harry concordava com ela, mas admitia que noventa por cento das modelos que fotografava eram raquíticas.
Naturalmente a falta de dinheiro sobrando causava certas brigas e discussões entre o casal, como, por exemplo, à mania de Harry de sair todo final de semana. Muita saliva foi gasta em várias discussões, tendo em vista sempre esse mesmo assunto, e nenhuma atitude foi tomada por nenhum dos lados. Harry não parava de sair e Ginny se resignava e só reclamava de novo quando as contas estavam para vencer.
Apesar de tudo não se poderia dizer que eles não eram felizes. O relacionamento deles corria, bem, não às mil maravilhas, mas com certeza às 999 maravilhas. Ginny estava refletindo sobre tudo isso, comendo sua salada de rabanetes e cenouras, completamente sem gosto por sinal, quando seu celular tocou. Era Hermione, sua agente e namorada de Ron.
Ginny atendeu ao telefone: - Alô Hermione?
- Ginny graças a Deus você está aí – respondeu a outra, afobada do outro lado da linha – eu consegui uma entrevista ótima na Dolce!
- Na Dolce & Gabbana? – perguntou Ginny, empolgando-se
- Que outra Dolce interessaria uma modelo, ruivinha? – brincou a agente. Ela sempre chamava Ginny de "ruivinha". Ela, Ron e Harry tinham estado juntos desde a pré-escola. Somente no ano anterior ela e Ron admitiram os sentimentos um pelo outro, que todos, menos eles mesmos, já sabiam existir – Sim na Dolce & Gabbana. O problema é que a entrevista começa em meia hora na loja deles na Old Bond Street.
- Esqueça então – disse Ginny desanimada – eu demoro dez minutos só para chegar até a estação depois são seis estações e mais uma baldeação até Green Park e mais dez minutos correndo. Harry está com o carro em Camdem Town e eu nunca vou chegar a tempo se for de metrô.
- Deixa de ser boba Ginny – respondeu a outra tentando tranqüilizá-la. Eu estou de carro e em cinco minutos estou na porta da sua casa.
- Já te disse que você é um anjo? – perguntou Ginny carinhosamente.
- Já, mas eu adoro ouvir, então pode falar quando você quiser! Se arruma, coloca algum colar da Dolce e pelo amor de Deus, nada de Prada ou Gucci hein?
- Eu não tenho nada da Prada nem da Gucci. Essas coisas custam dinheiro sabia? Muito dinheiro por sinal.
- Mas da Dolce você tem que eu sei. No aniversário da sua mãe mês passado você estava usando.
- Presente do Harry, em seus tempos de vacas gordas. Vou me arrumar – e desligou o telefone.
Saiu correndo para o quarto para colocar uma roupa mais apresentável. Estivera a manhã toda andando em Chinatown, procurando por um quimono chinês. Um dos fetiches de Harry. Ela queria surpreendê-lo na semana seguinte, aniversário de três anos de namoro. Como Chinatown não era um bairro muito chique estava de jeans, com uma blusinha azul básica e o cabelo preso num rabo de cavalo. Seu típico visual quando não estava trabalhando. Arrancou a blusa e o sutiã, e depois tirou a calça ficando só de calcinha. Não havia tempo para tomar banho, então só o desodorante deveria servir. Abriu a gaveta e pegou seu "sutiã de trabalho" como Harry chamava. Era de um tecido especial que não marcava a roupa, porém muito caro e assim só para o trabalho. Depois abriu o armário e olhou para suas roupas.
Ficou um momento tentando decidir o que usar. Nunca era uma coisa fácil, mas por ser uma entrevista de trabalho teria de ser um pouco mais chique que o usual, diminuindo muito sua escolha. Vestido preto com o cabelo armado e os brincos cumpridos, combinando com o colar ou regata branca com uma saia verde e um cinto dourado? Decidiu-se pela regata, menos formal mas ainda assim bonito. Demorou um pouco até escolher qual cinto colocar Foi então para o banheiro, penteou os cabelos, colocou um pouco de creme para pentear, de modo que eles ficaram mais cheios e brilhantes e passou uma maquiagem leve. Pegou o colar em sua gaveta e decidiu não usar brincos. O cabelo os cobriria de qualquer jeito. Pegou uma bolsa um pouco mais chique, colocou sua carteira e subiu nas suas sandálias favoritas.
Terminada a produção, que fora extremamente rápida tendo em vista que era Ginny quem estava se arrumando, ela abriu a porta e chamou o elevador. Quando chegou ao térreo viu o carro de Hermione lá fora. Cumprimentou um homem que passou por ela e saiu.
- Eu disse cinco minutos e não quinze – ralhou Hermione – agora eu vou ter que correr para você chegar a tempo e você sabe que eu odeio correr.
- Como você quer que eu me arrume em cinco minutos para uma entrevista de trabalho? Quinze minutos foi um recorde ainda por cima. Agora pisa no acelerador que não é todo dia que se consegue uma entrevista na Dolce.
- E você acha que eu não sei? Agora algumas recomendações. O povo na Dolce costuma ser sempre muito simpático e solícito, mas o estilista que está recrutando no momento é um tanto, como posso dizer? Intragável! Essa é a palavra. Draco Malfoy, o estilista mais exigente de Londres.
- Malfoy – indagou a ruiva – de onde eu já ouvi este nome?
- Ele é bem famoso Ginny – respondeu Hermione – internacionalmente falando. O Harry já trabalhou com ele algumas vezes.
- Isso. Lembrei agora. O Ron me falou que eles não se deram muito bem.
- Isso é um eufemismo dos grandes minha querida. Harry odeia Malfoy. E esse sentimento é completamente recíproco.
- Algum motivo em especial? É bom saber se devo falar que ele é meu namorado ou não.
- Eu não esconderia, não vai ser bom para você se ele descobrir. Mas também não alardeie. Caso ele não pergunte, não fale nada. E sim, há um motivo especial. Draco freqüentou a nossa escola. E Harry roubou a sua namorada no dia da formatura.
- Harry fez isso? Não me parece do seu feitio.
- Pois é, ruivinha, mas foi o que ele fez. Draco não o perdoa até hoje. Mas também não vale dizer que ele foi só vítima. Draco fez com que Harry quase fosse expulso da escola.
- Como? – perguntou Ginny, curiosa. Adorava saber da vida escolar de Harry. Ele mesmo não gostava muito de falar no assunto.
- Te conto outro dia, querida. Estamos aqui – ela estacionou o carro na garagem em frente à loja e Ginny saltou.
- Você não vem? – perguntou ela vendo que a outra não saía do carro.
-Tenho um encontro com o seu irmão. Ele disse que era importante. Boa sorte e me liga quando terminar que eu venho te buscar.
- Não precisa, daqui eu pego um metrô para Camdem Town e faço uma visita surpresa ao Harry!
- Como quiser – disse Hermione, dando ré com o carro e seguindo a rua, deixando Ginny sozinha em frente à loja.
"Ok Ginny" o pensou consigo mesma "você consegue fazer isso". Ela tinha alguns problemas de nervosismo antes de entrevistas. Já deveria estar acostumada, mas quem disse que ela estava?
Respirou fundo, levantou a cabeça, empinou o nariz como Harry havia lhe ensinado para causar mais impacto, e adentrou a loja.
"Avassaladora" pensou, e abriu um sorriso.
