Nota: Essa fic é, na verdade, a primeira versão que eu fiz para Coração de Guerra (que está no meu profile como Projeto Like a Brother My Ass). Está um tanto confusa e eu achei que não ia se adequar direito ao que eu estava pensando pra Coração de Guerra, então descartei e escrevi outras duas versões. Enfim, aí está ela, porque não posso desperdiçar uma fic terminada xD

Disclaimer: Harry Potter não me pertence, unfortunately. E eu não ganho dinheiro algum escrevendo fics. Está feliz agora?


...e não há mais nada

Ele podia ouvir os sussurros vindos da cozinha, quase toda noite. Podia até imaginar a xícara de chá que a mãe estaria segurando firmemente. E eles diziam que ele era perigoso. E houve um ano em que os sussurros aumentaram. Um homem alto de barba longa se juntou a eles. Promessas de uma vida normal.

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E era difícil acreditar nessa palavra quando o mundo de repente era feito de cheiros e som. Quando um porão trancado se tornava o lugar para onde os seus pais o mandavam. Quando ele mordia e se jogava contra a porta e, em algum lugar da sua mente, percebia que eles choravam. Quando ele andava pelo Beco com eles e, mesmo sendo dia e longe da lua cheia, suas mãos eram seguras como se estivessem protegendo... não ele. Mas os outros. Quando ele sabia que não era o único que sentia que todos os olhavam como se soubessem.

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Uma despedida e um trem. A sensação de ser enviado para mais longe do que poderia ir. De estar aliviando-os de um fardo. De ser o fardo. E então um garoto sorridente, de cabelos espetados. Junto dele, outro garoto, que parecia ter um pouco de receio de se apresentar. Dois sobrenomes. O seu no meio para contrabalançar as duas famílias tão diferentes. Um relance de olhares trocados e três sorrisos.

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Uma casa feita para ele. Uma árvore para protegê-lo. Uma desculpa automática para cada mês. Um garoto de olhos miúdos com dificuldades para montar na vassoura; alguém que ele podia ajudar, e não assustar. O garoto de cabelo espetado cada vez mais brilhante. O que não gostava do sobrenome, cada vez mais ofuscante. E ele, cada vez mais sozinho, ainda que ninguém percebesse. O estranho conceito de ter amigos. Simples demais para que ele pudesse entender.

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E ser normal não parecia possível. Não quando continuava trancado, e sabia que isso era extremamente necessário. Não quando sabia que estava se atacando, e percebia que fazia isso por que não havia alguém ali para que pudesse atacar. Não quando precisava continuar mentindo e percebendo o olhar perspicaz por trás dos óculos do garoto brilhante.

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E por um interminável minuto o choque de ser descoberto, e a certeza de que seria rejeitado. E o garoto de olhos acinzentados ofendido por ele ter sequer pensado que fariam isso. E o garoto de olhos miúdos planejando poder ajudar. Idéias mirabolantes sendo postas em prática. Livros mofados e muito medo de que pudesse dar errado. E de repente eles já não eram mais garotos.

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Três animais e um lobo. A constante sensação de estar fazendo algo muito irresponsável, e ao mesmo tempo não querer parar. Porque ele não estava sozinho. Porque ele não mordia ninguém, nem ele mesmo. Porque eles o protegiam. Porque finalmente o importante não era ser normal, e sim conseguir lidar com o ser diferente.

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Coisas estranhas acontecendo. Rumores. De repente o sobrenome vai se tornando mais e mais importante. Garotos seduzidos por um ideal que lhe dava arrepios. No meio disso, uma carta de casa e então a doença da mãe deixa de ser uma desculpa mentirosa. Luto. Uma informação. Um nome. E então agora, entre uma lágrima e outra do pai, ele sabia quem o tinha mordido. E pela primeira vez ele se entendia com o lobo que havia dentro dele, porque pela primeira vez eles tiveram a mesma vontade, o mesmo objetivo, o mesmo olhar, por cinco segundos. E antes que pudesse pensar em qualquer coisa... Luto. Mais uma vez. Não era a última.

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Um braço passado pelas suas costas. Um ombro onde podia descansar a cabeça e chorar. Um par de olhos cinzentos que podia lhe trazer o conforto que não encontrava em lugar nenhum. Um beijo meio sem querer, quase um esbarrar de lábios, em meio ao pensamento de estar sozinho de novo. Ainda não estava.

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Sua vez de passar o braço pelas costas dele. De trazer algum conforto. A notícia do alistamento. Os rumores se tornando fatos concretos. O rapaz aconchegado em seus braços se transformou em cachorro e, por uns instantes, ele achou que fosse para não chorar. E ele tinha raiva, muita raiva. Porque eles não deviam ter nada a ver com isso.

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E eles não eram mais estudantes. De repente, uma guerra. Não sabiam que um dia ainda haveria mais uma. De repente, poder salvar vidas e ver que algumas simplesmente não podiam ser salvas. Que não havia nada de simples nisso. Uma ameaça. Um casamento, apressado como todos os outros. E o homem – que tinha sido um garoto, que podia ser um cachorro – segurava sua mão e sorria. Porque seu amigo estava lá, sorrindo também. Porque ao lado dele a moça de cabelo ruivo praticamente brilhava. E de repente faltava pouco para que o bebê nascesse. Outra ameaça. Um bebê que nascia. Uma certeza. E a raiva que volta. Porque eles, e principalmente aquele bebê, não deviam ter nada a ver com isso.

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E ele não sabia qual fora a última vez que ouvira seu apelido. E no fundo até sabia, mas não queria entender, porque ele não olhava mais nos seus olhos. Ou porque, sem nenhuma palavra ou explicação, ambos entendiam que não conseguiriam mais serem os mesmos. E de repente salvar vidas significava perder a sua. E de repente todos estavam sozinhos.

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E antes que ele pudesse entender porque, nada mais existia. Três mortes, um bebê marcado e um traidor. Um destino que ele nunca desejou para ninguém, e a sensação de ter participado dele. De ter sido também um meio para esse fim. E nada nunca poderia ser pior.

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E era quase uma certeza não poder continuar. Porque não havia um motivo. Estavam todos mortos e não podia fingir que nunca existiram. E o bebê que ele sabia que não poderia ver. O motivo pelo qual tudo tinha acabado. Um traidor, e essa era, por mais que ele não quisesse, a pior parte. Porque quando ele fechava os olhos, ele ainda estava lá.

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E não havia mais nada que ele pudesse fazer. Porque há algum tempo tudo poderia ter sido feito, e não foi. E ele não podia mais ser sequer um fardo, se não havia mais ninguém para carregá-lo. E de repente só havia uma escolha, e ela era cega e tentadora. Era só fechar os olhos e mergulhar. Numa solidão sem fim aparente, na esperança de que ainda pudesse fazer algo. Uma determinação irônica de continuar em algo que não existia mais. De continuar lutando por qualquer coisa, só para ter – e no fundo ele sabia disso – uma boa razão para justificar aquele algo que já não existia mais. Sua vida.


Digam o que acharam, please. :D