Capítulo Único
Os primeiro raios de sol entraram pelas frestas da cortina laranja e bateram diretamente nos olhos da menina adormecida atrapalhando seu sono, ela resmungou e virou-se na cama tentando voltar a dormir, mas os insistentes raios teimavam em importuná-la. A pequena ruiva poderia simplesmente fechar completamente as cortinas antes de ir dormir, mas sabia que jamais levantaria da cama se não fosse daquela forma.
Lentamente, sentou-se coçando seus grandes olhos verdes, tendo o habitual vislumbre de seu quarto, trocou de roupa e, bocejando desceu as escadas da torre. O familiar aroma de café, leite e pão recém assado invadiu suas narinas e fez seu estômago roncar.
A cozinha era simples, como tudo naquela torre, as mesas e cadeiras eram de madeira e tinham sido renovadas pelo antigo mestre de Kiki, as paredes tinham uma suave cor pêssego, os armários e tom bege estavam dispostos ordenadamente e dentro deles todos os utensílios estavam em uma primorosa organização, o fogão era a lenha e ficava em um canto mais afastado onde a ruivinha estava proibida de ir.
- Bom dia, Mestre Kiki - disse terminando de descer as escadas.
- Bom dia, Raki - o homem respondeu enquanto terminava de pôr a mesa - Dormiu bem?
- Uhum - ela confirmou sentando-se na cadeira de madeira - Sonhei com o Santuário de novo. Não que faça sentido, já que nunca fui pra lá.
O homem ouvia a discípula contar os detalhes sobre o sonho enquanto tomavam café da manhã, para alguém que nunca tinha visto o Santuário, Raki sabia descrevê-lo de forma assustadoramente precisa ao que já foi um dia. Kiki desejava em seu íntimo que a pequena jamais tivesse que ir ao Santuário e o visse na situação lastimável em que se encontrava, por algum motivo o Santuário nunca tinha se recuperado da Guerra Santa e as doze casas, apesar de em pé, estavam arruinadas.
Muitos diziam que tinha a ver com o fato de Athena tê-los abandonado e fugido para uma ilha, e em 13 anos a divindade jamais retornou à Grécia. O centro de treinamento de novos aspirantes foi movido para outro lugar, para uma escola...
Kiki não conseguia se acostumar com aquilo.
Era bom que essa escola fosse muito boa, o jovem cavaleiro de ouro sentia que a desforra de Mars não tardaria e quando chegasse, desencadearia um novo ciclo de batalhas.
Sempre fora assim desde os tempos mitológicos, um Deus puxava outro, todos querendo o controle da Terra.
Muitos perderiam suas vidas nessas batalhas, seu próprio mestre foi condecorado Cavaleiro de Ouro e recebeu a Armadura de Áries com apenas sete anos junto a tudo o que isso implicava, esse era um peso que não queria colocar sobre os ombros da pequena garota.
Olhou para a menina enquanto ela devorava uma fatia de pão com geleia de uva, ela era tão parecia consigo mesmo quando criança, tinha o mesmo entusiasmo, a mesma alegria, a mesma lealdade, a mesma vontade ajudar, a mesma inocência no olhar antes de as guerras virem e levarem tudo...
Até mesmo as madeixas ruivas e os olhos esmeraldinos, apesar de que o cabelo dela era bem mais ruivo do que o seu.
Raki, em outra vida, poderia ter sido sua filha. Nesta, ela tinha um destino cruel e ele não daria continuidade à sua linhagem.
Levou a mão ao bracelete dourado que usara sua vida toda, aquilo era tudo o que tinha de seus antepassados, só os Deuses sabiam desde quando ele estava sendo passado de geração em geração em sua família e agora desapareceria com ele.
- Mestre Kiki, está com dor?
A voz infantil o tirou de seus pensamentos e o fez mirar os grandes orbes verdes da discípula.
- Por que pergunta isso, Raki?
- Porque você está segurando o seu braço há algum tempo... - ela respondeu olhando-o preocupada.
Kiki apenas maneou a cabeça negativamente e deslizou o bracelete para fora de seu braço.
- Raki... Sabe o que é isso? - perguntou estendendo a peça a ela.
- O bracelete da sua família - a pequenina disse voltando ao seu café - O que tem?
- Eu quero que você fique com ele.
A ruivinha afogou-se com o líquido e começou a tossir.
- M-M-Mas Mestre Kiki... Eu... Eu não posso, ele é seu, da sua família - ela disse nos intervalos das tosses.
- Mas quem seriam estes além de você? - O cavaleiro sorriu terno. - Vou te ensinar algo, Raki, algo que nem mesmo os Cavaleiros de Ouro sabem fazer... Bom, a não ser eu, claro. Pegue o bracelete. - ele viu a menina tomar a peça nas mãos, ainda que hesitantemente, manuseando-o com cuidado, como se temesse que fosse quebrar. - Você consegue me dizer do que é feito?
- Orichalco e pó de estrelas - a resposta veio quase que imediatamente, a garota era boa em identificar materiais, muito melhor do que o próprio Kiki fora naquela idade - O mesmo material das armaduras dos cavaleiros.
- Perfeito, Raki. Agora eu preciso que se concentre, quando você queima o seu cosmo você visualiza o seu mini universo interior expandir-se para fora do seu corpo, preciso que faça o mesmo com o bracelete, lembre-se que assim como as armaduras, ele está vivo, chegue ao núcleo dele, abra-o para você e me diga o que sente. Demore o tempo que precisar.
O ruivo acomodou-se mais confortavelmente e serviu-se de uma nova xícara de café.
Kiki podia não dar continuidade à sua linhagem, mas ele deixaria um legado. Todo seu conhecimento, bem como o de cada antecessor seu estavam dispostos na impetuosa garotinha que certa vez apareceu toda molhada na porta de sua torre numa noite chuvosa, suplicando para ser treinada. Raki era o seu legado vivo, e de certa forma ela era sua filha, não havia outra pessoa no mundo que merecesse mais aquele bracelete.
- Mestre Kiki, eu acho... Eu acho que encontrei alguma coisa - a voz infantil tirou o homem de seus pensamentos - Tem alguns cosmos, acho que eles querem dizer algo, mas eu não consigo entendê-los.
- Isso mesmo, Raki, são cosmos - ele respondeu satisfeito - Um dia você vai conseguir entender, não se preocupe, mas sabe por quê eles estão aí? - o ruivo fez uma pausa para ver a pupila negar - Como eu disse, assim como as armaduras, o bracelete está vivo, ele tem a memória de seus usuários, cada um representado por uma fagulha de seu cosmo.
- O seu está aqui também... Eu senti - a menina disse hesitante - Vai ficar aqui para sempre?
- Enquanto existir uma única lasca desse bracelete, Raki, o meu cosmo estará aí. Você vai ficar com ele?
Como resposta, a menina apenas deslizou a peça por seu braço esquerdo, exatamente como tinha visto Kiki usá-lo tantas vezes; a manga de sua camiseta cobria seu braço inteiro, mas o significado daquilo que importava, e ela estava com medo.
- Mestre Kiki... Isso não significa que você pretende morrer, não é? - a pequena sentia as lágrimas começarem embaçar a sua visão, por mais que lutasse contra elas.
O ruivo levantou-se da cadeira e deu a volta ao redor da mesa, parando bem ao lado da pupila, ajoelhou-se ao seu lado para que ficasse na altura dela e estendeu seus braços, para os quais ela foi sem pensar duas vezes. As lágrimas silenciosas da futura amazona molhavam a camisa do ariano, mas ele estava mais preocupado em acalmá-la, uma mão a amparava, mantendo-a no lugar, enquanto a outra afagava as melenas da cor de vinho tinto.
- O destino de todos os cavaleiros é morrer em batalha, você sabe disso, Raki, mas você também sabe que não vou sacrificar a minha vida a toa, eu tenho motivos para viver e um deles é fazer de você a melhor Amazona de Áries que o mundo já viu. - sua voz soava calma, constante.
- Eu... nunca vou ser... melhor do que você, mestre - ele disse entre fungadas.
- Oh... Você será. - ele olhou para cima como se estivesse tendo uma visão - Eu sei que você será.
- FIM -
N/A: Bom pessoas, é isso, eu sei que a fic é bem simplesinha e tal e eu nem sei se alguém já escreveu uma fic com esse tema (se já escreveram, me desculpe, eu não li), mas depois de ver uma imagem na facebook esses dias e outra imagem da Raki vestindo a Armadura de Áries eu tive essa ideia e não resisti em escrever (afinal é uma oneshot inofensiva hehehe).
Bom, se gostaram deixem reviews ou pelo menos sinalizem colocando a fic na lista de alert (não vai ter mais caps mesmo então ta de boa) pra eu saber.
Beijinhos da Sel!
