Eles haviam se tornado inimigos. Ficavam um à caça do outro. Odiavam-se. Desejavam-se. E sim, estavam dispostos a tudo. Em certa noite, encontraram-se num dos tradicionais bailes de aniversário da rainha da Inglaterra.
Ela trajava um belíssimo vestido azul que emoldurava e comprimia perfeitamente seu colo avantajado, forçando que todas as atenções masculinas (e eventualmente as femininas cheias de ódio) recaíssem sobre ela.
Em sua cintura, trazia sua lâmina de confiança, Valentine. Observava com desprezo ao seu inimigo flertando com todas as donzelas da festa. Poderia acabar facilmente com qualquer uma delas e isso se dava em todos os aspectos.
Ele trajava calças azul-escuras tendendo ao negro. Uma blusa branca com botões e uma gola de babados recoberta por um longo paletó que combinava com as calças. Também trazia sua companheira fiel de batalhas na cintura, Flambert. Devolvia os olhares de desprezo vindos de sua inimiga. E fazia questão de continuar a flertar ainda mais dentro do baile apenas buscando irritá-la. Aparentemente, funcionava bem.
Mas não estava satisfeito, queria atingir o máximo da provocação. Foi até ela e numa reverência cordial disse-lhe:
- Boa noite, Lady Valentine.
Nos olhos da bela inglesa era possível ver o ódio. Era claro como uma manhã de verão. Num outro lugar qualquer teria desembainhado a sua Valentine e atacado a ele mortalmente, no entanto, a Rainha Elisabeth fora sua amiga de infância, e graças a ela, escapou de certos perigos sociais. Portanto, fazer um duelo em pleno salão de baile estava fora de cogitação. Por isso, respondeu então na mesma cordialidade falsa:
- Boa noite, Lord Sorel.
Um satânico meio-sorriso surgiu na face do francês.
- Aceita uma dança, milady?
Isso era demais. Ela teve vontade de torcer-lhe o pescoço. Mas como sempre, sua razão falou mais alto e ela apenas acenou positivamente com a cabeça e teve sua mão direita tomada por ele, que a carregou até o salão.
E então, valsaram.
- Eu o odeio tanto, sabes? - disse a mulher. Então deram uma pirueta.
- Oh... Não precisas mentir. Não reprima teu amor... - disse o nobre num riso. Uma segunda pirueta.
- Fazes isto num lugar onde não posso atacar-te, covarde. Lute comigo como o homem que és! - esbravejou ela, baixo o bastante para ser ouvida apenas por ele.
- Nossa luta já fora marcada. Apenas espere por ela e lutaremos.
- Como posso ter feito um trato com pessoa tão desprezível quanto vós?
- Não crêes em mim, milady? Garanto-lhe que teremos uma luta justa. E quero fazer uma aposta diante disso.
- Aposta? - disse Ivy com uma das sobrancelhas em pé. Apesar de tudo, não conseguia dispensar uma boa aposta.
- Escravidão. - Disse ele.
- Escravidão? - repetiu ela numa indagação. Então um sorriso malévolo semelhante ao dele atravessou-lhe o rosto. - Sabes que se fores meu escravo, humilhar-te-ei de formas inimagináveis...
- Eu imagino... - Mesmo que estivessem numa conversa tão forte, ambos eram excelentes dançarinos e chamaram as atenções todas do baile para si. - No entanto, não fiques acreditando que serei bondoso com você. Divertir-me-ei muito às tuas custas.
- Pois bem. - completou ela - Podes considerar esta aposta aceita.
- Decisão sábia, milady. - Sorriu Raphael. Fazendo sua última reverência à mulher, já que a dança havia acabado.
Ela sorriu falsamente enquanto ele apanhou-lhe a mão e deu-lhe um beijo sobre ela. Afastando-se dela instantes depois. Nos dias em que se seguiram ambos apenas aprontavam-se para a luta que adviria.
- Irei derrotá-lo, Raphael Sorel... - dizia a linda britânica enquanto polia levemente a sua lâmina, Valentine. Poderia ter mandado alguém fazer isso por ela, mas não tinha confiança em ninguém. A espada-chicote era como que sua filha, deixá-la em mãos estranhas era a última coisa que faria em vida. - Primeiro, eu o vencerei, depois o humilharei e por fim, tomarei a tua vida na lâmina de Valentine! - riu satanicamente a filha de Cervantes.
- Ah... Lady Isabella Valentine... - suspirou por um instante o louro francês. - Mal posso esperar para derrotar-te... Tenho planos para ti, milady. - ria o homem enquanto supervisionava um ferreiro de confiança dando alguns reparos em sua Flambert. - Ei infeliz! Aqui tem um defeito! - disse um homem - Como espera que eu lute com uma espada lascada? Faça novamente! E direito dessa vez, se não eu mesmo tratarei de puni-lo com uma espada imperfeita!
- Sim, Lord Sorel. Perdoe-me.
A pequena ruiva Amy, filha adotada de Raphael observava as atitudes estranhas do pai desde que se encontrara com essa Lady Valentine. Estava assustada e sentia-se sozinha, já que desde então, ele mantém-se introspectivo, buscando maneiras de derrotar a nobre inglesa. A única que tem lhe dado atenção é a governanta Marjorie que tem lhe feito companhia nesses dias de distância, brincando e conversando com ela, como seu pai costumava fazer um dia.
Então finalmente chega o dia do duelo. Para evitar maiores complicações, decidiram que lutariam num campo neutro. Uma arena escondida que se localizava numa caverna secreta no mar que separava a França da Inglaterra. Comumente chamada de "Arena Ilusória" pelos mais entendidos no assunto. Cada qual chegou ao destino apenas acompanhado de sua lâmina. Ivy tratara de vir vestida em sua roupa roxa com detalhes pretos. Com o cabelo prateado caindo-lhe sobre a face e uma capa recobrindo sua beleza até que entrasse no campo de batalha.
Já Raphael viera com uma blusa negra semi-aberta. Uma calça branca que delineava suas coxas musculosas e botas de cano curto numa cor de café. Em sua cintura, trazia uma faixa rósea e um cinturão transpassava-lhe o peito. Deixou também que seus cabelos louros, dividindo-os ao meio, livrando-se dos cremes que costumava usar para mantê-los acertados. Também trazia uma capa, mas isso era só para realçar sua figura heróica. Então os dois finalmente adentraram a arena que, por decreto deles, estava completamente vazia.
- Eu brincarei com você por pouco tempo... - disse a bela inglesa testando levemente a capacidade de sua espada-chicote.
Quase rindo dessa frase, o belo louro francês atirou sua capa longe e disse numa reverência digna do cavalheiro que era:
- Bem vinda! Vamos celebrar a sua queda... - posicionou-se para a luta. - Primeiro as damas, é claro. - continuou numa leve provocação.
Com os olhos cheios de ódio, a mulher desferiu-lhe um golpe horizontal em direção à ele, que naturalmente, desviou, contra-atacando com um golpe vertical de baixo para cima. Com isso, cruzaram espadas e seus golpes foram fortes o bastante para enviar ambos à distância.
Ivy levantou depressa a sua Valentine e a tornou um chicote, balançando-a de forma a apanhar o francês e trazê-lo para próximo de si. Ele se aproveitou do momento para desferir-lhe outro golpe. Para azar dele, ela desviou desse ataque à tempo, ecoando um de seus gritos de batalha. A mulher de cabelos platinados levantou a perna direita acima da cabeça numa pirueta, sendo rodeada por sua espada-chicote que se movia como uma fita de ginástica rítmica. O homem assumiu uma posição defensiva, evitando-se que a arma de sua adversária o tocasse. Assim que ela terminou seu balé mortal ficou vulnerável a um ataque direto e Raphael não podia perder tal oportunidade. Desferiu-lhe um novo golpe de baixo para cima, que fez com que caísse. Do outro lado dele num movimento conhecido como "Cauda do Wyvern".
- Sentiu isso? - perguntou o homem com um sorriso macabro estampado em sua face.
Levantando-se mais nervosa que nunca, a britânica apenas respondeu em seu tom mais imperial:
- Silêncio! - disse enviando-lhe as partes separadas de sua Valentine. Não foi possível para ele deter todos os pedaços, por isso, um deles cortou-lhe o cinturão peitoral e parte da blusa.
Isso provocou a ira do nobre que deu um passo para trás tomando um impulso para dar um golpe mais poderoso. Ivy poderia ter desviado, mas uma sensação estranha a distraiu. Sentiu a presença de alguém por perto e acabou sendo golpeada na barriga pelo lado deslaminado de Flambert.
Olhou para seu inimigo como se não entendesse.
Com muita naturalidade, ele apenas sorriu e disse-lhe:
- Prepare-se para sua escravidão... - E posicionou-se, mas observando bem, notou que a inglesa sumira. Foi então que sentiu um golpe que o fez cair ao chão, de quatro, como um mero gatinho indefeso. Sentiu então a lâmina fria de Valentine ao redor de seu pescoço.
-Peguei você! - disse ela num meio sorriso. - Não mandou que eu me preparasse para minha escravidão? Loucura sua, já que é você que está em minhas mãos. - Puxou-o o suficiente até que se ajoelhasse.
- É... Uma bela teoria... - disse o sufocado Raphael que largou sua Flambert durante um instante e levantou ambas as mãos.
A britânica não entendeu o porquê daquele gesto. Ficando pensativa por um instante.
O nobre aproveitou-se dessa distração da mulher de cabelos platinados e apertou-lhe ambos os seios, deixando-a atordoada e nervosa demais para reagir.
Com isso, Valentine o soltou no chão e num rolamento, pôde recuperar sua lâmina, dando um golpe certeiro na mão de Ivy, desarmando-a de uma vez. O choque fora tanto, que ela nem pode escapar quando Raphael deu-lhe uma rasteira e apontou Flambert em direção à sua jugular.
- Xeque-mate, milady. - sorriu o homem.
A condessa olhou para os olhos do homem e fechou os dela própria.
- Vá em frente, mate-me! - disse ela ainda de olhos fechados.
- Matá-la? - perguntou ele. - Apesar de não ser uma má idéia, já que isso livrar-me-ia de você, não haverá nenhuma graça. Afinal, ainda não me pagaste a aposta. Um mês de escravidão...
- Havia esquecido-me vagamente disso... - disse pondo uma das mãos no rosto. Poucos instantes depois, ela levanta-se do chão. - Bem, irei à minha casa, buscar minhas roupas e logo voltarei, para começar meu martírio.
- Nada disso! Irás comigo hoje. Agora. Prepare-se! - disse o francês num tom de comando.
- Pretendes manter-me nua em tua casa? - disse ela num deboche.
Ele a fitou de baixo para cima por um instante.
- Não seria má idéia... Verei o que faço com você. Para o navio que nos levará ao nosso destino! - e saiu caminhando, sendo seguido de perto, pela mulher resmungante, que em pensamentos, ofendia-o de maneiras absurdas. No entanto, não permitiu em nenhum momento que suas palavras atravessassem seus lábios vermelhos. Sua educação não permitiria...
