Sentimentos
Cap I: Revisão de conceitos
"Sentimentos são uma merda. Sim eles são.
E foi isso mesmo que você leu.
Eles são uma completa merda, do tipo que te deixam gaguejando e olhando para o nada como se o Natal tivesse chegando com um ano de antecedência, um dia depois do anterior.
É isso que os sentimentos são.
Uma merda".
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Teoricamente nada de ruim acontece nas férias.
São férias, oras.
Você faz o que quer, onde quer, no momento que quer, sem interrupções ou paradas pra discutir com sua mãe sobre o dever de casa que você deveria estar fazendo.
Teoricamente.
Porque se ir para um vilarejo perto de onde Clionda perdeu as meias (as botas ficaram alguns quilômetros antes) não é uma coisa ruim eu preciso rever meu conceito sobre coisas ruins.
Desesperadamente.
E se férias inclui falta de dever de casa eu preciso rever o conceito de férias também.
Desesperadamente. Multiplicado por dois.
O ano escolar já acabou e outro vai começar em três semanas e eu ainda estou enrolando com merda do trabalho sobre Shakespeare. Sobre as falas melosas de Shakespeare. Sobre os irritantes sentimentos escondidos entre "Amo-te Julieta" e "Morte aos Capuleto!" ou coisa que o valha.
E o melhor é que eu vou ter que fazer isso sem a ajuda sagrada da Internet.
Só livros empoeirados pra você Jamie. Só livros empoeirados e fedendo a mofo num lugar que tem uma avenida principal, uma praça, uma sorveteria, umas lojas de coisas imprestáveis e uma pousada com um lago.
Vão ser férias muito ruins. Eu não preciso rever conceitos pra ter certeza disso.
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Porque eu peguei um tema tão ruim? Se eu tivesse pegado "Análise das regras do pólo" eu já teria terminado há séculos. Mas não, "Sonetos de Shakespeare para você, James Potter".
Maldito sorteio idiota.
Agora eu estou em um carro a caminho de Hogsmead (ou "lugar onde Clionda perdeu as meias") com meus pais, para uma divertidíssima temporada de férias em meio aos livros de um cara que morreu a bem mais de trezentos anos.
A estrada é altamente esburacada, não tem sinal de celular, está querendo chover e eu estou enjoado. E para piorar, adivinha? IPod sem bateria.
Está parecendo que revisão de conceitos no fim não vai ser tão ruim assim... Afinal, férias mais poemas mais biblioteca não é igual à diversão.
McGonagal disse que os sentimentos inclusos nos sonetos variam pouco, passando por temas como amor, beleza e morte.
Coisas de corações fracos.
Sentimentos idiotas. Até mais que esse trabalho em si.
Disse que a "beleza do soneto está nas múltiplas interpretações".
Não pergunte como eu lembro disso. Eu nunca presto atenção nas aulas, porque eu sou inteligente ao natural; mas de algum jeito isso me perfurou a alma.
Pronto. Comecei a ficar sentimental. Daqui a pouco eu vou jogar sementes de flores pela janela para transformar o lamaçal pelo qual estamos passando num campo cheio de roseiras e essa breguices todas.
A única interpretação que eu gostaria de fazer é de como eu fico com meus novos calções de banho e quantas garotas se apaixonariam por mim quando eu mergulhasse naquele lago gelado.
- Você está calado Jimmy. - mamãe falou após passarmos por um grande buraco. –
Não queria vir, eu sei, mas tente curtir a paisagem. Olhe as cores do céu, as plantas, aprecie o som dos pássaros. Pode ajudar no seu trabalho.
- Vai demorar? – falei em resposta ao discurso naturalista dela.
Ela meneou a cabeça e eu suspirei de alivio.
Nada pior que muitas horas num carro apreciando a paisagem bucólica. As árvores estão excessivamente verdes com o sol de agosto e não se vê ninguém andando pela estrada, só umas casinhas parcialmente destruídas pelo tempo.
Shakespeare não falava de casinhas destruídas, falava? Então por que eu tenho que ir para um lugar que só vão ter casinhas destruídas?
Hogsmead é mais velha que o aniversario de morte dele e eu não duvido que algum dos poemas que ele escreveu tenha sido inspirado por aquele lugar...
A paisagem mudou rapidamente, saindo da estrada de lama e entrando numa via asfaltada e íngreme, tão íngreme que parecia que o carro viraria a qualquer momento.
Do topo do morro dava pra ver a cidade e ela não era como eu imaginava mesmo.
Depois de uns cinco anos evitando a todo custo viajar para o fim do mundo ele acabou se desenvolvendo tanto que... Bem, talvez tivesse duas avenidas agora. Ou três. Mais que isso talvez.
Eu consegui ver a pousada antes de começarmos a descer rumo à ex-cidadezinha. Isso normalmente me deixaria feliz. O fato de não ser mais uma cidade pequena, eu quero dizer. Mas eu só consigo sentir uma decepção por saber que eu posso perder alguma coisa divertida enquanto fico na biblioteca, que com certeza ainda não tem computador.
A cidade cresceu, eu sei. Mas não exageremos.
O carro parou cerca de dois minutos depois em frente a uma pousada bonita, com umas flores que fazem minha mãe suspirar.
- Leve suas coisas pra cima, Jamie. E depois pode ir para a biblioteca fazer esse trabalho. – papai falou entregando-me a mochila cheia de coisas que eu não vou poder usar nessas férias.
Eu tinha um plano. Era ligar para o Sirius e dizer que eu daria dez euros para que ele fizesse meu trabalho.
Ele riu de mim quando eu liguei.
E cobrou cem, porque poemas são chatos.
Com a minha recusa só me restou fazer o trabalho. Passar o dia na biblioteca que deve ter uma bibliotecária velha e ranzinza como a Madame Pince em Hogwarts. Do tipo que vai me dar um livro em latin, bem complicado só para me ver pelas costas.
- Saco. – falei baixo e peguei as chaves que mamãe estendia para mim.
Subi a escada em silencio, tentando me desligar do som irritante das cigarras que cantavam até que a falta de fôlego as matasse. Ridículo. Elas estavam dando a vida só para que soubéssemos que, sim, faria sol, exatamente como a previsão do tempo dissera mais cedo na televisão.
Será que isso daria um poema shakespeariano? Morrer por amor a passar informações para pessoas que não estão nem ai? Cigarras são tão idiotas quanto os sentimentos.
Larguei a mochila de qualquer jeito em cima da cama e tirei os tênis, substituindo-o por havaianas confortáveis. Levantei e olhei ao redor e pude perceber que era o mesmo quarto das ultimas vezes.
Das ultimas dezoito vezes, se não me engano muito.
Meneei a cabeça e abri a mochila, tirando dela várias folhas de papel, algumas canetas, algum dinheiro para um sorvete depois de enrolar na biblioteca e uma pequena mochila para colocar tudo isso dentro.
Sai do quarto sem olhar para trás e quase bati nos meus pais quando virei a esquina do corredor apertado.
Entreguei-lhes a chave e, depois de ouvir a lista de recomendações que as mães amam fazer quando vamos ficar a alguns metros de distância delas por alguns minutos, desci as escadas.
Da pousada até a biblioteca eram no máximo alguns minutos de caminhada; primeira descendo e depois plano em linha reta pela avenida que já foi única.
A cidade estava vazia e as casas estavam com as janelas abertas, como se pedissem para que o vento quase inexistente entrasse por elas. O sol refletia no asfalto novo, produzindo ilusões de ótica fascinantes; como se o chão estivesse molhado e dançando em frente aos meus olhos.
Quase passei direto pela biblioteca por causa da minha distração.
As portas duplas estavam abertas após a comprida escada de pedra polida, acabando com a minha esperança de não poder fazer o trabalho durante as férias e ser mandado de volta para casa como "castigo".
Entrei arrastando os pés, o desanimo me consumindo por completo, e passei pela roleta com um clic irritante.
Estava arejada e vazia até demais. O silencio machucava meus ouvidos acostumados com a musica alta que eu deveria estar ouvindo se tivesse pego um tema mais fácil.
Dirigi-me para o balcão de informações e percebi que ele também estava vazio. Cheio de livros empilhados, porem vazio, como se alguém tivesse parado enquanto estava etiquetando-os para alguém.
Fiquei olhando a esmo por pouco tempo e decidi procurar a bibliotecária de vez, afinal quanto mais rápido começo, mais rápido termino e me livro do trabalho.
Empurrei os livros para o lado e me debrucei no balcão no exato instante que uma garota ruiva levantava do outro lado.
Gritei com o susto e ela fez o mesmo, dando vários passos para trás até bater no grande armário de arquivos, enquanto eu quase me matava caindo em cima de uma cadeira com espaldar pequeno. Uma morte digna de um idiota, pode falar.
- Quem é você? – ela perguntou tirando o cabelo do rosto e esfregando as costas com a mão em seguida.
Mas eu não consegui responder.
Não consegui responder porque eu estava olhando para ela como se nunca tivesse visto um espécime do sexo feminino antes.
Como se ela tivesse acabado de me dizer que o Natal tinha chegado, um dia depois do anterior.
Merda!
Ene/A: Hey everybody! Bem, essa fic já esta no meu pc esperando pra ser postada a uns seis meses. Ela esta completa e betada, então não vão ter que esperar tanto tempo assim pra lê-la toda. Ela foi escrita para o Décimo Challenge James/Lily e ganhou o terceiro lugar. Sim, eu estou ficando em ganhar bronzes... Anyway, eu acho que essa fic está entre as coisas mais maduras e pensadas que eu já escrevi. Ela tem sonetos, e todos estão explicados e utilizados pra deixar a fic mais leve. Eu espero receber pelo menos os reviews dos que me tem na lista de alerta de autor, porque eu sei que vocês lêem, mas não consigo entender porque não deixam uma review sequer (existem casos a parte, mas que não comenta sabe). É legal receber as criticas e comentarios de vocês. Ajuda a crescer como escritora /cofatéparececof/. Espero MESMO que comentem. O próximo capitulo só com dez reviews, se vocês acham que eu mereço...
BjOx
