Autor: Fla Apocalipse

Título: Monster

Sinopse: "Eu conheci vários monstros em minha vida..."

Shipper: Tom/Ginny

Classificação: NC17/UA

Gênero: Drama

Spoilers: Não

Status: Completa

Idioma: Português


N.A.: Bom, essa fic contem cenas de violência, então cuidado... Ignoro muitas coisas dos livros, inclusive algumas mortes, e acrescento outras, então não me matem... Fic feita em resposta ao Chall de Dor, TG e Ginny Weasley...

Boa Leitura!


Monster

Parte 1

Sparkling angel I believed

you were my saviour in my time of need.

Blinded by faith I couldn't hear

all the whispers, the warnings so clear.

-Você pode acabar com isso, Ginevra. – a voz dele ecoa na minha mente toda vez que ele entra na cela. – Ele matou Potter, e o resto de sua família, por que não se entrega logo?

O loiro ri, como o odeio. Odeio-o mais do que odeio o homem que me prende aqui; aquele monstro. Finjo não escutar o que ele diz e me encolho ainda mais no canto escuro quando ele avança sobre mim. Ele sempre me bate quando não respondo. Aquela faca prateada que carrega na capa de Death Eater corta meu braço mais uma vez.

O que posso fazer em minha defesa? Sem varinha, sem forças e sem esperança de ser resgatada; não ligo para a dor, o que me incomoda é a pele dele contra a minha. Desde a primeira vez que me trouxeram pra cá que ele me toca, me corrompe e me mata um pouco mais.

-Pra ele você não se entrega, mas para mim sim, não é? – ele deita o corpo contra o meu, toca minha pele, e tenho vontade de matá-lo. Ele me conhece: passou quase sete anos estudando comigo, estudando meu jeito, fazendo de tudo para rebaixar a mim e minha família, mas eu nunca deixei, sempre respondi suas ofensas. Agora me encontro deitada contra o chão gelado dessa cela, e o sangue de meu braço pinga lentamente. Eu lembro de minha primeira vez ali, com aquele mesmo mostro sobre mim.

I see the angels,

I'll lead them to your door.

There's no escape now,

no mercy no more.

Eu andava calma, já nem prestava atenção para onde estava indo; minha mente estava vazia, eu precisava tomar uma decisão extremamente importante. Ele estava esperando uma resposta minha, aquele pedido poderia mudar tudo, e eu não deveria tomar tal decisão com minha impulsividade.

Aceitar me casar com Harry poderia ser algo bom para todos, inclusive para mim, mesmo que eu me ache muito nova; não seria errado casar com ele, mas não sei se seria certo tomar tal decisão ainda em tempos de guerra.

Olho pelo jardim, várias árvores altas, com troncos grossos e histórias antigas. olho por cima de meu ombro, o castelo parece vazio. Estamos nos escondendo outra vez pelos antigos castelos da Europa, já não me lembro nem o nome do lugar; Voldemort está ganhando, mas eu não me atrevo a falar isso. Não, acabaria com qualquer esperança que Harry ainda tem, mas não posso deixar de pensar isso; a lista de mortos só cresce cada dia mais. Tonks, Dumbledore, Ron, Minerva e Moody, sem contar os que estão desaparecidos e ninguém tem coragem de dizer a Harry para considerá-los mortos.

Não, ele se agarra a todo e qualquer fio de esperança de achar Hermione, Neville e Remus vivos; eu já os coloco na lista de mortos. Não estou sendo pessimista, apenas realista, afinal sempre considerei isso uma bela qualidade em mim. Enquanto alguns perdem a cabeça, eu sofro e sou racional; nenhum bem me fará chorar pelos cantos e me deixar ser pega e me tornar a próxima vitima. A próxima da lista dos mortos.

Meus cabelos se movem com um vento fraco. Prendo-os fracamente no alto da cabeça, eles estão compridos demais, não vêem corte desde a morte de Ron há dois anos atrás. As mortes transformam as pessoas, e a guerra as enderece. Eu própria me tornei mais firme, mais verdadeira.

Tudo que um dia foi meu se perdeu, minha casa destruída, minha vida apagada; a de todos nós. Olho o vestido que estou usando. Em outras épocas não usaria isso, mas foi o que achei para vestir, um vestido que tenho quase certeza que é da época medieval; totalmente negro, com uma leve renda prata na saia. A barra chega a arrastar-se no chão, não tem mangas, apenas alças que vivem a deslizar pelos meus ombros. Não as levanto mais, assim formam um decote mais bonito. Estou descalça: não gosto de sapatos, e pisar na grama ainda molhada pelo orvalho me traz paz.

No remorse cause I still remember

the smile when you tore me apart.

Paz. Essa palavra é pouco usada nesses tempos, e eu nunca mais me senti em paz total desde meus onze anos; só de lembrar, me arrepio. Aquele monstro usou-me, tentou a todo custo derrotar o homem que hoje me pede em casamento. Em algumas noites, ainda sonho com Voldemort – sim, deixei de temer um nome, para temer a figura em si – sonho que ele se torna mais forte, até que se vira e me encontra, me segue e me possui outra vez; mata-me aos poucos, tirando minha vida e minha alma com as próprias mãos.

Nunca contei esses sonhos para ninguém, apenas repasso-os em minha mente, tentando achar alguma lógica, alguma explicação, mas eu nunca acho, apenas sonho e choro. Hoje meu choro já não é mais de medo e sim de dor, pois esses sonhos parecem cada vez mais reais. Os cortes, as mordidas, os chutes e as maldições. Depois de certa idade, os sonhos começaram a ter cenas que antes não tinham, ele já não mais se satisfazia só com minha alma ou em ferir-me, passou a possuir-me.

Em celas escuras, camas manchadas de sangue, jardins com plantas mortas; forte, rápido, violento. O corpo batendo de encontro contra o meu, sempre apertando minha pele, aprofundando-se em mim com mais vontade, me tornando mulher sem que eu permita. Eu, antes ficava vermelha e acordava suando frio, tremendo de medo, hoje já não me assusto, apenas temo. Harry às vezes acorda comigo, me abraça, dizendo que tudo vai ficar bem, e pergunta o que sonhei; não respondo, apenas o abraço e voltamos a dormir. Quando saímos da escola, aos meus dezesseis anos, dezessete de Harry, voltamos a namorar, mesmo com a relutância dele; faz quase um ano que dormimos na mesma cama.

Ele me respeita, nunca me forçou a nada, e não achei que seria em meio à guerra que deveria ter minha primeira vez; tem momentos em que percebo que Harry perde a cabeça, lembra-me Voldemort. Ele força, mas logo percebe que ainda não estou certa sobre isso e afasta-se. Molly e Arthur não gostam, mas não me impedem.

Já não os chamo de mãe e pai, eles também deixaram de nos chamar de filhos. Meus irmãos me chamam de Ginny, e eu esqueço, por muitas vezes, que eles um dia eram chamados de irmãos. Eu culpo a guerra, nos endurece, nos modifica e amadurece, Arthur diz que eu me tornei mais fria, agressiva; discordo. Sempre fui muito centrada, apenas me tornei mais madura em um espaço curto de tempo, não é fácil perder um irmão e seguira vida como se tivesse perdido um brinquedo no parquinho.

Um estrondo me assusta e olho para o céu, mas está claro, não vejo nuvens de chuva, olho para o castelo e já puxo minha varinha da orelha – mania de Luna – algo me diz que isso não foi um estrondo qualquer. Corro por entre algumas árvores, meus pés escorregando nas folhas, na terra. Não deveria ter andado tanto, poderia ser perigoso ficar aqui sozinha. Um grito, tudo escuro.

Minha cabeça dói, parece que tomei uma pancada na cabeça tão forte que a tirou do lugar, abro meus olhos, puxando ar mais rápido para meus pulmões, está tudo escuro, não consigo ver nada, apenas alguns pontos onde a luz da lua passa por entre as árvores. Ainda estou na floresta.

You took my heart,

deceived me right from the start.

You showed me dreams,

I wished they would turn into real.

Tento ver o castelo, mas não vejo nenhuma luz para me guiar e, tateando o chão a minha volta, não acho minha varinha. Começo a ficar com medo, alguma coisa está errada. Um galho se quebrou perto de mim, à minha direita, e outro à esquerda: tem pessoas me observando, escuto um farfalhar de capas nas folhas secas e meu coração dispara. Death Eaters.

-O que temos aqui? – uma voz pergunta, e eu tremo: fui capturada. Alguém se aproxima. – Lumus!

Uma luz bate em meu rosto, eu o viro e observo de canto de olho quem está próximo de mim, mas está usando um capuz. Vejo mais duas pessoas atrás do que está com a varinha em meu rosto, temo que não sejam só esses três. Será que alguém deu falta de mim no castelo? Será que estão vivos?

-Ora, ora, a traidora do sangue. – aquela voz arrastada revela o dono: Draco Malfoy. – Nós tiramos a sorte grande.

Muitas risadas se juntam a dele, não consigo contar o número de Death Eaters ali. Estou encurralada e sem varinha. Eles conversam mais um pouco, mais algumas varinhas se acendem na minha direção. Tremo, sei que a tortura logo começa. Uma mão segura meu queixo com força e tento me soltar, mas ele me segura outra vez com mais força ainda. Olho em seus olhos. Dolohov.

-A última dos Weasleys, inteira. – a risada dele me assusta; o que ele quer dizer com isso? – Vamos ver o quanto ela agüenta.

A pergunta faz outro homem se abaixar perto de mim, prendendo minhas mãos juntas com um feitiço, ele olha dentro dos meus olhos, e o reconheço de imediato; Lucius Malfoy. Ele levanta-se e me chuta na altura no peito, sinto meu corpo amolecer, a dor é insuportável. Eles riem, gostando de me ver tossindo sangue e buscando ar desesperadamente. Outro chute, dessa vez nas pernas, me faz deitar, minha cabeça bate em uma raiz; uma mão sobe por minhas pernas e me debato o máximo que posso, tentado afastar quem quer que seja.

Ele é mais forte e segura minhas pernas, suas mãos tocam minhas coxas violentamente, aranhando a pele, beliscando com força; um só puxão e minha calcinha é jogada para outro deles pegar. Sinto nojo de todos eles, queria ter minha varinha comigo. Fecho os olhos com força, as mãos do monstro me tocam onde ninguém ousou tocar antes. Não acredito que isso está acontecendo.

Uma luz foca meu rosto, mas não abro os olhos, não quero ver nada e não darei a eles o gosto de me verem chorar.

-Não me diga que o Potty Perfeito não fez o que deveria? – Malfoy diz as palavras alto, e o monstro que me tocava ri também; suas mãos me cobrem com o vestido outra vez.

You broke your promise and made me realise...

It was all just a lie

-Vamos levar um presentinho para o Dark Lord. – aconselha, saindo de minhas pernas. Não quero saber quem é, fecho meus olhos com mais força. Não quero ver, não quero ouvir, não quero viver.

Por um segundo, tudo se tornou silêncio e somente ouço o mar, ondas batendo em rochas, e achei que sonhava. Tudo mera ilusão. A voz de Malfoy chega outra vez a meus ouvidos, meu corpo dói, não consigo respirar normalmente, algumas de minhas costelas foram decididamente quebradas. Algo escorre de meu braço e tenho quase certeza que é meu sangue.

-Nos avise quando terminar. – um deles fala e ouço um barulho metálico alto perto de minha cabeça. Me movi como podia, arranhando minha pele pelo chão de pedra.

Estou em alguma cela, sou prisioneira, eles vão me matar. Olho para os lados só para me certificar de que é Malfoy que está ali, me olhando com um sorriso doentio. Já não sei se temo por minha vida ou não.

-O Mestre poderia se aproveitar de sua condição... – ele se abaixa perto de mim, seu hálito bate contra meu rosto, tento me afastar. -... de virgem; mas isso será um segredo nosso.

Meu maior temor vira realidade, ele me vira para olhá-lo. Um aceno de sua varinha e meu vestido se rasga por completo, deixando partes de minha pele descobertas. Ele me toca. Sinto nojo, quero fugir, ele não pode fazer isso comigo.

-Me solta! – eu grito, ele ri; afasta minhas pernas com as mãos e me toca. Esperneio tentando afastá-lo, mas ele me amarra, as minhas pernas separadas. Quero morrer.

Eu choro porque já não tenho forças para impedir minhas lágrimas de caírem, de riscarem meu rosto. Sinto algo gelado passando levemente por minha barriga. Ele ri ao me cortar. Fecho os olhos, meu choro mais alto, mais sentido. Ele me corta mais uma, duas, três vezes, meu sangue escorre e pinga no chão; dor. Sei que meu choro o diverte, agora cortando meus braços. Cada vez que a lâmina encontra minha pele, ele respira fundo. Esse monstro gosta de sangue.

A pele fria dele está contra a minha e não vou abrir os olhos, mas não consigo evitar minhas lágrimas, ele deita sobre mim, afastando ainda mais minhas pernas; não, ele não pode.

-Por favor, não. – ele ri contra meu pescoço, seus dedos brincando com meu corpo, tocando onde somente eu já toquei.

Sparkling angel, I couldn't see

your dark intentions, your feelings for me

-Chore. – ele diz rindo, o hálito batendo contra mim, a lâmina passa cortando mais uma vez minha pele, dessa vez no ombro; eu choro. Ele lambe meus lábios, morde com força o inferior, mais gosto de sangue em minha boca. Quero morrer.

Ele me invade com força, se empurrando para dentro de mim, enquanto tento expulsá-lo; arde. Dói, e mais lágrimas escorrem por meu rosto, e sinto a língua dele lamber todas; ele se força para dentro outra vez, com força, e me machuca, rindo enquanto choro. Recolhe cada lágrima minha com a ponta da língua; seus gemidos e risos ecoam fundo em minha mente. Tortura.

-Chore e sangre, Ginevra. – ele diz sério, passando a lâmina em meu braço, meu sangue escorre junto com minhas lágrimas. Parece que sou rasgada ao meio cada vez que ele se impulsiona dentro de mim; tenho nojo dele. A língua dele recolhe mais uma lágrima e a lâmina corta minha bochecha na parte direita; grito.

A dor é insuportável, ele me fere e ri, gosta a ponto de chegar ao orgasmo, gemendo fundo e enterrando-se em mim com força; o corte em meu rosto arde e ele não liga de eu ainda estar gritando de dor. Sinto-o soltar todas minhas amarras, saindo de dentro de mim, levantando-se, e ouço o barulho metálico da porta. Ele se foi.

Grito. Grito de dor. Grito de raiva. Me encolho no canto, o vestido negro rasgado, meu rosto escorre lágrimas e sangue; meu interior arde. A pouca luminosidade me deixa ver meu sangue misturado ao que saiu do corpo dele no chão; minhas mãos estão molhadas de lágrimas e sangue. Quero morrer. Meu sangue escorre do meu corpo, mistura-se à água do chão e ao sêmen dele, forma uma poça nojenta. Formas sombrias me encaram daquela poça; um aviso. Um aviso do fim da pequena paz que eu guardava, que cultivava em mim; um aviso de que eu ainda veria muitas poças de sangue misturadas a água naquele chão.

Por que ninguém me salvou de tal ato?

Grito outra vez, o corte no rosto se abre mais cada vez que grito e mais sangue saia; grito outra vez, ouvindo os risos deles do lado de fora da cela. Grito mais uma vez, sentindo meu grito bater nas paredes da cela e me atingirem.

Eu tenho certeza de que essa foi somente a primeira vez, a primeira vez que Malfoy me deixa machucada, escorrendo e morrendo. Quero morrer.

Fallen angel, tell me why?

What is the reason, the thorn in your eye?

Eu sabia que eles não iam me matar, e hoje, pelos riscos que fiz na parede já faz quatro meses que estou aqui. Todo dia uma seção de estupro, minhas lágrimas secaram. Ele se satisfaz e vai embora. Apenas quando quer me ouvir gritar é que vem acompanhando. Esses são os piores dias, e eles usam poucos feitiços. As mãos, pés, dentes, corpos são as armas usadas em mim.

Meus ossos deixaram de reclamar dos chutes e socos, acostumaram-se. Eu já não choro mais, e quando o faço é sozinha e o mais encolhida no canto da cela que consigo, quase me fundindo com a parede. Minha pele branca está quase transparente, estou mais magra; não que isso incomode Malfoy. A única coisa que o incomoda são meus cabelos vermelhos, ele os puxa, arrancando vários fios de uma só vez. Eu me desligo. Desligo-me desse mundo e me transporto para outro, onde Harry está conversando comigo e dizendo que me ama, e que me protegerá para sempre.

Alguém bateu na porta e Malfoy se levantou irritado, odeia ser atrapalhado; a porta de metal bate com força. Sento-me e me arrasto até meu canto, passando a unha nos ferimentos abertos do meu pulso esquerdo; eu mesma deixo esse ferimento aberto. Faz mais ou menos um mês que Dolohov o fez e eu nunca o deixei fechar, o abro cada dia mais com a unha. Sangra, mas não o tanto que deveria.

I see the angels,

I'll lead them to your door.

There's no escape now,

no mercy no more.

Ontem os ouvi comemorando mais uma vitória do Mestre deles, ouvi Bellatrix falar que Voldemort ordenava ser chamado de Tom agora que recuperara a força e a forma; não entendi direito. Mas se é verdade o que ela disse, só vejo uma maneira de tal coisa acontecer: as Horcruxes; ele deve ter as recuperado e as juntado. Não sei se tal ritual é possível, mas, para um monstro como ele, não duvido que arranje um jeito. Harry deveria tê-lo matado no ano retrasado e ignorado os ataques a Ron, que acabou morrendo do mesmo jeito, mas não, Harry era muito herói e salvar o amigo era mais urgente que o resto da humanidade.

Escuto passos no corredor, e sei que eles estão vindo para cá; a voz de Malfoy é alta, parece estar feliz por alguma razão. Não quero saber qual a razão de tal felicidade, que não seja meu corpo. E, se for, que ele venha sozinho, termine o que começou e me deixe sangrando. Encosto a testa em meus joelhos, cobrindo minha cabeça com os braços, assim que escuto a porta da cela abrir, passos lentos se aproximam e ele me levanta. Se ele não estivesse me segurando, acho que não estaria de pé, estou fraca, não me lembro quando comi pela última vez.

Levanto minha cabeça afastando os cabelos que caem em meus olhos, encaro o outro homem à minha frente, meu corpo inteiro treme, é ele. Os olhos negros dele me encaram, me deixam paralisada, não é possível que ele esteja de volta.

-Aqui está! – ouço Malfoy falar, mas não é com ele que me preocupo e sim com o homem à minha frente e que me observa atentamente. Dou dois passos para trás, Malfoy ainda segura com força meu braço, alguns dos ferimentos sangram.

-Há quanto tempo, Ginevra... – a voz é a mesma dos meus pesadelos, sete anos de pesadelos, sete anos me convencendo de que ele não voltaria; tudo em vão. Ele está humano novamente, deixou de parecer uma cobra, tem novamente as feições de um homem; porém, ele nunca será um homem, sempre será um monstro.

O babaca do Malfoy me solta e sai da cela. Eu nunca quis que ele ficasse, mas, nesse momento, não desejo outra coisa. Voldemort me olha por inteiro, sem deixar uma emoção transparecer no rosto, apenas me analisa, como se analisasse uma peça de carne antes de comprar. Estou com frio. O que um dia foi meu vestido, hoje cobre somente minhas partes íntimas, e com muito esforço.

Ele se aproxima, eu me encosto na parede, ficando de lado. De todos os monstros, ele é o único a que vou implorar para que não me toque. Olho para o chão, mas posso sentir o calor do corpo dele perto do meu e sua respiração batendo fraca em mim. O ar parece acabar ao meu redor, não quero que ele chegue perto de mim. Não consigo mais me sustentar em minhas pernas, sinto a mão dele espalmada em minhas costas, tudo se torna negro.

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No remorse cause I still remember

the smile when you tore me apart.

Abro meus olhos, mas uma luz muito forte me faz fechá-los outra vez, e espero algum tempo antes de abri-los novamente. Não estou no chão da cela, é em algo mais macio. Abro os olhos e percebo que estou deitada em um colchão, e que a luz que me cegava era o sol. Me viro em todas as direções, estou sonhando. Já tive sonhos assim, sonhos que acordo em um quarto confortável, deitada em uma cama macia e perfumada, o sol brilhando diretamente em mim, o cheiro de comida chegando até meu nariz. Mas sempre que começo a ter esperanças de que não seja outro sonho, acordo com os gritos de um dos Death Eaters, especialmente o Malfoy.

Sento na cama, olhando o quarto. Ele é mais bonito do que o dos outros sonhos: paredes pintadas de vermelho, uma porta bem à frente da cama, uma varanda do meu lado esquerdo, com as cortinas de seda branca balançando com o vento leve, uma mesa perto da varanda me chama a atenção. Pratos com as mais variadas comidas, uma garrafa de vinho e, no centro, uma cesta com morangos vermelhos. Adoraria poder comer aqueles morangos, mesmo que em sonho. Olho a cama, lençóis de seda vermelha, travesseiros fofos e numerosos. A porta se abre devagar e assusto-me. Éele.

Levanto, ficando o mais afastada dele que posso, agora que já o vi humano novamente, vou voltar a ter pesadelos com ele, não que os pesadelos tivessem cessado algum dia. Aqueles olhos negros me fitam com intensidade, mas ele não deixa expressão alguma passar por aquele rosto. Como um homem pode se tornar tão frio? Tão desumano? Os cabelos curtos dele se mexem brevemente com o vento. Merlin, ele anda na minha direção.

-Bom dia, Ginevra. – a voz é igual aos meus pesadelosQuando começará a tortura? Quando ele atacará meu corpo?

-O que quer de mim? – minha voz está fraca, mesmo em sonho me sinto fraca. Ele pára perto da mesa, olhando-me nos olhos, com aqueles olhos que já me atacaram por tantas vezes, penetrando fundo minha alma, cortando pele e carne. Sua boca forma um meio sorriso, eu tremo, não posso evitar ter medo das torturas que esse sorriso promete.

-Já percebeste que és a única que não aceita a minha vitória? – a voz dele é baixa, mas ouço perfeitamente, ele parece não se importar com meu medo, minha raiva. O vejo pegar um morango da cesta e mordê-lo devagar, e noto que minha barriga queima de fome.

-Não venceu. – afirmo, enquanto ele deixa outro meio sorriso escapar por seus lábios, agora manchados de vermelho por causa da fruta que acabou de comer. Os olhos negros fitam a paisagem lá fora, parece que ele se esquece de mim por alguns segundos.

-Deve estar com fome. – ele me olha outra vez, a mão entregando-me a cesta de morangos; não aceito. Nunca aceitaria nada que viesse desse monstro, nada. Ele coloca a cesta na cama, afastando-se e indo até a porta, as mãos para trás, andando lentamente. Por um segundo não entendo: ele realmente vai embora? Não violaria meu corpo como em todos os meus outros pesadelos? – Ginevra, isso não é um sonho.

You took my heart,

deceived me right from the start.

You showed me dreams,

I wished they would turn into real.

Ele sai, eu ainda fico olhando para onde ele estava; como não é sonho? Tem que ser um sonho, tem que ser. Por que ele iria me tirar da cela e me colocar em um quarto com luxos se sou prisioneira? Não, ele voltaria e eu comprovaria que isso é um pesadelo. Logo vou acordar no chão duro da cela, com o corpo sangrando e dolorido. Porém, ele não volta. Já faz minutos que estou esperando que ele volte, e nada acontece; isso é real? Por que ele me deixaria em um quarto? Por que não me mata?

Um vento morno bate contra meu corpo e me lembro da varanda perto de mim. Temo andar até lá e ver um mundo devastado. Meus passos são vacilantes e quase caio ao chegar à varanda. O chão é gelado, mesmo que o sol esteja batendo fortemente nele, outro vento morno me atinge e vejo o mar logo abaixo. Uma grande praia, com areia clara alguns metros abaixo, não reconheço o local. Alguns pássaros passam voando calmos no céu. Será que não sabem que o mundo está a ruir?

O barulho de ondas batendo em rochas me atraía, e me debruço na grade da varanda, é um alto penhasco onde estou. Morrerei se me jogar? A brisa do mar chega forte em mim, me deixando enjoada. Olho outra vez para o quarto, ainda não acredito que isso não é sonho; por que ele está fazendo isso? Isso seria uma nova tortura? Essa seria minha nova prisão? Minha nova cela?

Sento-me na cama, a brisa do mar parece chegar até o quarto cada vez mais forte, me deixando ainda mais enjoada. Eu deveria comer algo, mas não aceitarei o que ele me oferece, não. Prefiro passar fome, talvez com minha recusa a comida ele me jogue em minha cela outra vez, me deixe em minha prisão. Prefiro estar entre a escuridão e frioa estar nesse conforto. O conforto em algum momento vai cobrar seu preço, e não quero aquelas mãos reais em meu corpo, prefiro a morte.

Me deito, o quarto começa a girar, respiro fundo algumas vezes tentando não desmaiar, tenho medo do que possa me acontecer se não ficar ciente de cada momento naquele quarto; tudo se torna embaçado. Fecho meus olhos, tentando a todo custo me manter consciente, me manter sã, entretanto ouço uma voz chamando meu nome. Abro os olhos, mas não consigo focar em nada do quarto; porém, vejo sombras se movendo envolta da cama. Eles estão aqui.

Fecho os olhos e os abro outra vez, conseguindo ver perfeitamente dessa vez. Sento-me e fico fitando a pessoa ao meu lado: Ron. Meu irmão me olha com raiva, seu rosto sério como nunca vi antes; como ele pode estar ali? Vejo Molly ao lado dele, também me olhando séria. Arthur, Fred, George, Bill, Charles, todos estão me olhando dessa maneira. Aos poucos, se aproximam da camasuas roupas sujas de terra e sangue. É um pesadelo, eu só posso estar tendo outro pesadelo.

You broke your promise and made me realise...

It was all just a lie!

-Você nos matou, Ginevra. – Fred diz, nenhum risco de sua voz divertida aparece; aquele não pode ser meu irmão. Aquele não é meu irmão.

-Não, Fred. Não fui eu! – respondo, e eles começam a rir, um riso macabro. Vejo Ron colocar as mãos no rosto, para logo depois tirá-las e vejo que saem grossas lágrimas de sangue de seus olhos, riscando todo seu rosto claro; o que está acontecendo?

-Você é culpada, Ginevra. – ele diz, aproximando-se ainda mais, subindo na cama, sentando-se ao meu lado. Vejo todos eles subirem na cama, todos eles estão chorando sangue. Merlin, o que é isso?

-Não, Ron. Não é minha culpa! – eu digo fugindo das mãos de Bill que tentam segurar minhas pernas. Todos avançam sobre meu corpo, cada um segurando uma parte de mim, deitando-me na cama, prendendo-me ao colchão.

Olho para Arthur, que está segurando um de meus braços, e seus olhos derramam grossas lágrimas de sangue, mas algo mais acontece, um corte extenso começa a se abrir em sua garganta. Eu grito, mas não consigo ouvir minha própria voz.

O sangue começa a escorrer pelo corpo dele e me atinge, manchando minha pele e os lençóis já vermelhos, e eu começo a chorar. O que está acontecendo com ele? Olho para Molly segurando meu outro braço. Ela tem vários cortes no rosto, dos quais sai muito sangue. Outro grito meu que não faz som algum. Fred e George me seguram pelas pernas, seus corpos com cortes fundos, capazes de deixar os ossos expostos, o sangue me mancha. Bill está segurando minha cintura presa ao colchão, não consigo olhá-lo diretamente, ele tem um ferimento no rosto, seu nariz já não mais existe.

Procuro o rosto de Ron e o vejo segurando uma pequena faca, um brilho estranho em seus olhos; grito, mas não ouço minha voz outra vez. Merlin, o que está acontecendo? A lâmina da faca que Ron segura é fria e fere um de meus braços. Ele sorri ao me cortar, e meus gritos sem voz parecem diverti-lo. Corta meu outro braço, barriga, pernas. Meus sentidos começam a falhar, sinto a faca subindo por minha coxa, cortando a pele, o sangue escorre e atinge o lençol inteiramente banhado de sangue. Choro. Fecho meus olhos e choro somente esperando que o pior aconteça.

-Ela está com febre. – ouço a voz de alguém. Abro os olhos ainda tremendo, chorando, e não vejo Ron, ninguém mais parece estar me segurando. Alguém pousa a mão em minha testa, eu tento fugir do toque. Sinto minha respiração acelerar. – O que fará?

É a última coisa que escuto.

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This world may have failed you,

it doesn't give you reason why.

You could have chosen a different path in life.

Meu corpo dói. Tento me mexer, mas todo meu corpo reclama, parece que estou acorrentada. Abro os olhos, o barulho do mar batendo contra as rochas chega até meus ouvidos, sinto suor escorrer de minha testa. Sento-me na cama, olhando para os lados, vejo a lua no céu negro lá fora, a brisa do mar parece ainda mais forte. Olho pelo quarto, somente uma vela está iluminando o cômodo. Ao lado dela está Voldemort, sentado em uma cadeira, me olhando, seus olhos iluminados pela chama parecem ainda mais negros. Sua pele clara se torna pálida, sua boca mais vermelha. O que ele quer de mim? Ele está usando um casaco negro, uma calça e sapatos da mesma cor, seu cabelo parece não ter um fio fora do lugar, se eu não o conhecesse poderia dizer que era um homem elegante e gentil.

Mas o conheço, conheço o monstro por trás dessa mascara humana. Por que ele volta a estar em sua forma humana, afinal? Não entendo por que ele não se manteve na forma de cobra, na verdadeira forma de monstro que deve ter. Por que tenta parecer algo que não é?

-Está com febre. – a voz dele parece vir de todas as direções do quarto, me encolho na cama, abraçando os joelhos. – Deveria comer, está fraca.

Monstro. Voldemort é um monstro, desprovido de emoções, de sentimentos, de vida. Eu deveria me jogar daquela varanda, terminar com isso, impedir que ele continue a me atormentar. Ele continua sentado, fitando-me.

-Me mate logo. – digo olhando-o naqueles olhos negros; sinto-me caindo em um abismo. Um abismo fundo e sem fim, frio. Frio como ele é, como seu coração é. Ele se levanta e pega a cesta de morangos na mesa, vem sentar-se ao meu lado na cama, mas eu me afasto, não quero que ele me toque. Não o quero perto de mim.

-Te matar? – ele pega um dos morangos e morde. – Se quisesse fazer isso, já estaria morta, Ginevra.

Ele me olha, uma de suas mãos oferecendo um morango. Não aceito e afasto sua mão de mim, sentindo o calor de sua pele. O toque e a recusa o fazem fechar o rosto ainda mais, tornando-o sério. Os olhos negros me analisando, parecem atravessar de minha carne, parecem ver minha alma.

-Mandarei que tragam um vestido para você. – ele se levanta e começa a andar na direção da porta, mas, antes de abrir a porta, se vira na minha direção, com as mãos nas costas e fala baixo. – Você deve comer, ou a febre não cessará. Nem os pesadelos.

Ele sai, deixando-me com meus pensamentos. Tinha razão sobre a febre, eu conseguia sentir meu corpo quente, o suor escorrendo de minha testa, meus cabelos molhados. Olho a cesta de morangos, minha barriga arde. Estou com fome, parece que sinto minha barriga colada em minhas costas. Quando foi a última vez que comi? Não lembro e não resisto mais. Puxo a cesta para perto de mim e como os morangos, sem me importar em mastigá-los direito. Minha barriga parece arder ainda mais conforme sabe que será alimentada, me sinto um animal.

Poucos minutos depois e minha cesta de morangos está vazia, mas minha fome não passou. A mesa já não tem mais comida e acho que terei que esperá-lo voltar e ver a cesta vazia, talvez pensando em me alimentar outra vez. Olho para a varanda, a brisa do mar é quente, mesmo que eu possa um vento frio começar a tomar seu lugar no quarto. Fecho as portas da varanda e olho pelo quarto, tudo parece me vigiar, como pessoas transformadas em mobília. Me deito na cama mais uma vez, agora é esperar por ele. E pelas coisas que ele fará comigo.

The smile when you tore me apart.

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Música: Within Temptation – Angels

Tradução: Anjo cintilante eu acredito

Você é meu salvador quando eu preciso

Cegada pela fé eu não pude ouvir

Todos os sussurros, os avisos tão claros

Eu vejo os anjos

Eu os levarei até sua porta

Não existe escapatória agora

Sem piedade, não mais

Sem remorso porque eu ainda me lembro

Do sorriso quando você me despedaçou

Você pegou meu coração

Me enganou desde o começo

Me mostrou sonhos

Eu gostaria que eles se tornassem realidade

Você quebrou sua promessa e me fez perceber...

Que tudo era uma mentira!

Anjo cintilante, eu não pude ver

Suas intenções sombrias, seus sentimentos por mim

Anjo caído, diga-me porque?

Qual é a razão, da aflição em seus olhos?

Eu vejo os anjos

Eu os levarei até sua porta

Não existe escapatória agora

Sem piedade, não mais

Sem remorso porque eu ainda me lembro

Do sorriso quando você me despedaçou

Você pegou meu coração

Me enganou desde o começo

Me mostrou sonhos

Eu gostaria que eles se tornassem realidade

Você quebrou sua promessa e me fez perceber...

Que tudo era uma mentira!

O mundo pode ter falhado com você

Mas não lhe deu razão

Você poderia ter escolhido um caminho diferente na vida

Do sorriso quando você me despedaçou.


continua...

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