Resumo: Cada uma das diferentes gradações que pode ter uma cor entre o seu claro e o escuro, e, figuradamente, cada uma das diferentes fases ou aspectos de alguma coisa, por ténue que seja a diferença entre eles. Assim éramos Scorpius e Eu.
PRÓLOGO
A casa, eu desenhei-a tantas vezes que deveria ter um álbum apenas dela. De todos os ângulos, cores e personagens possíveis. A cada desenho, uma sensação específica que marcara minha infância. Havia uma em particular que era minha preferida, deveras simples, um ângulo frontal, o verde dos arbustos ressaltados, o vermelho das flores contrastando fortemente com o tom quase pastel do resto do cenário. Eu particularmente havia dedicado a maior parte do tempo no desenho da velha cerejeira que havia próximo à escadaria principal. Era frondosa, seus ramos estendiam-se em direção às janelas panorâmicas do segundo andar, iam de encontro a pedra talhada que revestia toda a residência, suas flores quase sempre faziam um tapete vermelho no chão fofo, cobrindo a grama bem cuidada durante o outono. E naquele desenho em específico era outono.
Não qualquer outono. Mas um onde a bonita casa da subida da ladeira havia ganhado novos donos. Eu nunca vi os antigos, eles sequer vieram morar ali, mas sempre deixaram o local em boas condições, e então depois de sabe-se lá quanto tempo, ela seria habitada. Aquilo me causou certo ciúme, afinal, eu adorava aquela casa. Ela fazia parte da minha rotina, apenas admirar, desenhar. Com o tempo, havia adquirido um sentimento de posse sobre o local, mesmo que meu conhecimento se limitasse ao muro de pedra, recoberto pela hera, o qual eu me sentava para ter uma perspectiva melhor durante meus desenhos. Era um domingo nublado, eu lembro. Os caminhões de mudança haviam estacionado fazendo um solavanco que pode ser escutado rua abaixo.
- Lily? É sua vez. – James dissera, chamando minha atenção.
Estávamos brincando nos jardins, eu tinha 09 anos na época.
- Eu... Não quero mais. – Disse subitamente, decidida a ver quem eram os novos donos. – Preciso fazer uma coisa.
- Ah espere aí, você não vai realmente subir a rua pra ver a mudança da casa 58. – Albus dissera, talvez lendo o óbvio na minha face. Meus dois irmãos reviraram os olhos, não conseguiam compreender minha fixação pelo local.
- Claro que não. Vou brincar com Gertrudes. – Declarei mentirosamente. Gertrudes Belfourt era minha amiga de bairro. Ela morava na rua transversal a nossa, mais movimentada, e por ambas sermos bruxas, havíamos nos unido em uma aliança contra crianças implicantes, mas isso durou até Hogwarts.
- Aham, acreditamos. – James suspirara, apoiando-se num pé só. – Vamos, Albus, vamos entrar por que ela não vai fazer nada mesmo.
- Não demore, Lily. Mamãe disse que tio Rony e tia Hermione vão almoçar aqui hoje. – Albus avisara, seguindo com James para dentro de casa.
Eu apenas dei ombros, escalando o portão de ferro de casa e caindo na calçada, usando as mãos como apoio; em seguida, apenas limpei o sujo nas calças e sai correndo, ladeira acima. Os carregadores sequer notaram minha presença, mesmo que eu tecnicamente estivesse no meio do caminho deles. Crispei os lábios e rodeei um dos caminhões indo até a hera do muro e escalando-a de forma a ficar sentada no topo, avistando tudo. A primeira coisa que me chamou atenção foi o casal. Eles eram bonitos.
Altos, loiros e nobres. A mulher tinha a cintura enlaçada pelos braços do homem, e eles sorriam um para o outro enquanto acompanhavam a transladação dos móveis para dentro da casa. Ele tinha uma expressão austera, porém relaxada, enquanto ela parecia querer explodir de felicidade. Certo, talvez eles fossem felizes ali, assim como meus pais eram na nossa casa.
- Hei você!
O chamado ríspido fez-me desequilibrar e pender para um lado do muro. Soltei um grito sufocado, enquanto de alguma forma meus pés enrolavam-se na hera, e eu permanecia segura por isso. Meu olhar bateu diretamente na ponta de uns sapatos pretos lustrosos, juro que pude ver meu reflexo neles de tão bem cuidados. E eu estendi os braços, usando o muro como apoio e erguendo meu tronco de forma a fitar o propenso causador de uma morte. Era o homem.
Numa versão da idade de Albus, com um olhar desconfiado e uma carranca mal-humorada. Os cabelos claríssimos estavam repuxados para trás, talvez com gel, e a roupa parecia que o menino iria para um daqueles jantares formais os quais meus pais gostam de nos torturar nos levando.
- Ai, você quer me matar do coração? – Perguntei levianamente, não iria sair por baixo, mesmo que eu estivesse errada no momento. Se ele não aparentasse tão esnobe, quem sabe eu também pudesse ser menos petulante. – Não sabe falar normal?
Os olhos dele haviam se estreitado de uma forma que eu achei engraçada, acentuando o queixo pontudo, e a expressão mal-humorada.
- O que você está fazendo no muro da minha casa? – Ele demandou, e eu pude sentir a possessão gotejar da boca dele, quando dissera o pronome possessivo de primeira pessoa do singular, é. Indignei-me, ora bolas, ele mal havia chegado e já tomava tudo para si, aquela casa era minha também. Eu havia velado por ela tantos anos, desenhado-a, adorado todo e cada ponto de sua arquitetura que me fosse visível do muro. E ele simplesmente vinha e me tratava como uma desconhecida? Pois bem, eu não era desconhecida na casa número 58!
- Eu não sabia que era sua casa. Aliás, até hoje essa casa nunca foi sua. – Disse, finalmente tomando impulso e voltando a me equilibrar no alto do monumento de tijolo. Esperando que ele se sentisse intimidado por eu olhá-lo de forma superior. – E eu conheço-a há mais tempo que você, se quer saber.
- Pois não importa. Meus pais compraram-na, não os seus, então ela é minha, e não sua. – Ele retrucou, estufando o peito.
Cerrei os olhos, ele tinha razão. Dando de ombros saltei ao lado dele, novamente limpando o sujo nas calças, e elas estavam realmente ficando pretas nas coxas. Ergui-me percebendo que tínhamos quase a mesma altura, e sorri debochada.
- Ok então. Quem vai dormir com fantasmas será você, e não eu. – Disse, virando-me e caminhando para longe do garoto, esperando que a sementinha plantada germinasse, e ele realmente ficasse com medo. Não me chamou de volta, quando estava quase perto de casa, vi que ele continuava olhando, talvez vigiando para que eu não desse uma de espertinha e subisse o muro novamente, o que me deu ganas de fazer.
N/A: Comentários? *-*
