O Caçador de Cores

§§Dedicado, com carinho e uma dedicação palpável, a minha adorável cunhada Bellinha§§

Como o tolo caçador de pipas, aquele que sabe que nunca as encontrará, porque não sabe voar, eu estou a procurar cores, aquelas que sei que não poderei olhar.

Não me venha com aquele vermelho rebuscado. O sangue pode respingar pela nossa pia de porcelana.

Eu ainda não o enxergo.

Não me dê um lilás delicado. A flor pode brotar e perecer no mesmo dia.

Eu ainda não o enxergo.

Não me exponha aos seus amarelos canários. Os pássaros podem cantar aquela fúnebre canção.

E eu ainda não enxergo.

O que eu busco, o que o cinza não me deixa ver, é o teu azul.

Não jogue na minha cara, luz maldita, a incapacidade de meu cinza. O meu cinza que não é prateado, como meus cabelos. O meu cinza tímido, quase inexistente, que não chega aos pés do azul que seus olhos jorram sobre os meus.

Precisei perder minhas cores para que você ganhasse as suas vitórias.

Conte suas histórias desgraçadas para ouvidos que as querem ouvir. Eu não quero sua voz. Eu não sou surdo.

Converse sobre suas malditas malandragens para bocas que estiverem dispostas a responder. Eu não quero ouvir minha voz. Eu não sou mudo.

E ofereça aos privilegiados suas cores invejosas. Eu as quero. Quero-as mais do que tudo. Por incrível que pareça, não sou cego.

E a sinuosa venda azul encobre meus ouvidos, cerra meus lábios, corrói meus olhos. Sua sutil provocação. Meus defeitos, seus triunfos.

Minhas frustrações. Suas cores.

Seja o que você for, não é musa, não é deusa, não é bela, não está aqui, nunca esteve.

Você é apenas uma ladra de cores.

Como se seus lábios fossem pincéis, eles drenaram de mim aquelas que agora eu caço.

E você ri, gaivota. Ri de uma alegria furtada.

"Trouxe-lhe um presente".

Olho-te, esquecendo-me. E aquela venda tenta-me novamente. Prende pensamentos. Não ouse furtá-los também.

"É outro pássaro".

Você põe na minha frente. Ele tenta fugir, você o engaiola. Nos seus olhos, não há dó da criatura sem liberdade. Nos meus, não a cor da criatura acorrentada.

"Que cor ele é?".

"Interessa? Você nunca a verá".

"Posso caçar".

"Cace, o faça, ó bravo caçador", você aproxima o rosto cinza. "Porém, quando as nuvens tornassem-se cinzas, você...", ria, ria, faça troça dos meus tesouros roubados. "As nuvens são sempre cinzas para você, não são?".

"Isto lhe diverte".

"Não comove".

"Entretanto diverte?".

"Privilegiada sou. Se não me divertisse, nada teria nada fazer com você".

"Roubou-me as cores. Simplesmente parta".

"E quem as trará, se eu partir?".

"Isto hei de descobrir".

"Não é corajoso para caçar".

"Não é covarde para partir".

"Então decido ficar".

"Então continuo a caçar".

Continuaremos a trocar palavras até que minha noite cinza ordene minha retirada. Quando a manhã chegar, você trará-me outro pássaro. Canário, sabiá, talvez um dia até um falcão. Os colocará em gaiolas, sorrirá, quase inocente, por privar-me da loucura das cores, enxergá-las, ter o controle sobre o nada que tenho.

"Você já as viu, porque as quer ainda?".

"Não as vi em você".

"O azul dos meus olhos?".

"E o vermelho de sua boca".

"O roxo dela".

"É fria".

"Por isso é roxa".

"Temos pássaros roxos".

"Prefiro tua boca".

"Porque a beija?".

"Porque é livre".

"Posso libertar o pássaro".

"Meu não será mais".

"E quem disse que a boca é tua?".

"Se não fosse minha, você não iria ficar".

O daltônico do meu cinza cansou-se da frieza do seu azul.

"Então trar-te-ei uma borboleta, assim, poderei ir".

"Traga-me uma mariposa".

"É feia, não virá".

"É cinza, apaixonar-se-á por meus olhos, virá".

"Então sou mariposa".

"Mariposa azul".

"Quero ser uma gaivota".

"Gaivota azul".

"Não finja que sabe o que é o azul".

"Não finjo, eu sinto".

"Sente o azul?".

"Sinto seus olhos".

"E o que eles dizem?".

"Que ladrões e caçadores, cafajestes e vagabundos, mimados e egocêntricos, só tem uma única finalidade".

"E qual seria esta?".

"Ter para perder. Segurar para sofrer. Ver para esquecer".

"Crer para pintar".

"Pintar para amar".

Ela sorri, a ladra sumiu de seus olhos. Aproxima-me, abraça-me, diz que ama-me. Esquece o pássaro.

O meu cinza esquece o azul.

Até amanhã, meu deus.

Até amanhã, quando eu precisar caçar.

E ela novamente, precisar roubar.

FIM


n.n

Antes de qualquer dúvida, porque eu sei que existem muitas, vou explicar primeiramente, caso alguém não tenha entendido, o que o meu personagem masculino é:

Inuyasha (sim, sim, era ele! >. ) sofre de uma doença conhecida chamada daltonismo. Apesar de perceber a variação de tonalidades, a cor que predomina é basicamente cinza. Não que eu tenha feito pesquisas sobre o assunto, mas algumas pessoas que sofrem desta doença tem uma aptidão incrível em seus outros sentidos, como olfato e audição. Então, creio que o nosso hanyou tinha percepções avançadas, mas sua maior frustração o consumia. Não ver os olhos de Kagome (Sim, sim, era ela! XD), o deixava maluco.

Agora, por falar em loucura, Kagome tornou-se, nessa minha obra, uma sádica. Ela quer ter o controle absoluto da relação. E para tê-lo, ela usa o ponto fraco de seu amante, o daltonismo. Chantageando-o com cores que ele não pode ver, pássaros exuberantemente coloridos e todo o tipo de frustração revertida, ela o tem.

Quando ele diz "Ladra de Cores", não quer dizer que ela tenha lhe causado a doença, como deve ter passado por algumas mentes insanas de meus leitores (XD). Ela simplesmente o lembra da doença e lembra que aquela é uma impotência. Inuyasha não nasceu daltônico. Pode ver, por um determinado tempo, cores, até que esta doença o acometeu. Razão está do verso: "Você já as viu, porque as quer ainda?".

"O Caçador de Pipas" é um romance maravilhoso de um escritor Khaled Hosseini. A história do livro nada tem a ver com a minha. Na realidade, relata a amizade entre dois jovens afegãos em tempos de guerra. Eu citei, no primeiro verso, "Como o tolo caçador de pipas", porque dá uma impressão de leveza a história. Um homem não pode caçar pipas, no sentido da palavra. Tão pouco cores... Mas isto é um romance, então... XD

Agora, minha dedicatória: Bellinha, querida, quando eu decidi fazer esta história para você, procurei encaixar a loucura pela qual sou apaixonada e uma certa doçura. Pássaros são doces, olhos azuis também. Espero que tenha lhe agradado, pois eu adorei escrever. n.n

E a um outro ser denominado Daslee, eu já aviso desde já que tenho minha vingança planejada, e ela envolve mímicos, bailarinas e... loucura, é lógico! XD

Obrigada, minna! n.n

Kisu! o.o