A Esposa do Irmão pertence exclusivamente a Audra Adams! Quanto aos personagens, uns pertencem a Audra Adams e outros a J.K. Rowling.


A Esposa do Irmão - Audra Adams

Corriam as primeiras horas de uma tarde fresca de fim de verão, quando a casa surgiu à vista. Lily Evans, olhando pela janela do carro, contemplou-a. Era ainda mais imponente do que ela esperava, uma verdadeira mansão georgiana, vermelha e branca, rodeada por um amplo gramado. E isso, de algum modo, assustou-a.

O motorista viu pelo espelho a perplexidade nos olhos dela e comentou com uma nota de respeito na voz:

— Linda casa.

Lily forçou um sorriso.

— Sim, linda. Demais.

O homem não disse mais nada. Levou o carro até o fim da alameda e abriu-lhe a porta, ajudando-a com a bagagem. Lily desceu e retirou algumas notas do bolso do jeans.

— Obrigada — murmurou, colocando-as na mão dele. Ele tocou a aba do boné com dois dedos.

— Boa sorte, senhora.

A resposta de Lily demorou um instante.

— Estou precisando muito disso.

Quando ele saiu com o carro, ela voltou-se para a entrada, ainda confusa. Se um ano antes alguém lhe houvesse dito que iria viver na casa de James Potter, teria respondido que não podia ser verdade. Mas, então, subitamente, lembrou-se de Jeremy. Ele teria certamente aprovado, dizendo que o irmão era suficientemente rico para fazer tal coisa. Se ao menos tivesse podido compreender...

Um novo começo. Olhou para o céu azul, que parecia oferecer-lhe uma recepção cordial e sentiu-se um pouco mais animada. Mas quando seus olhos subiram pelos degraus de mármore que levavam à porta, soube que não ia ser tão fácil quanto havia pensado. Não estava ainda preparada para enfrentar James.

Quando o vira pela última vez? Não considerando o dia do enterro, que permanecia em sua mente como um borrão, lembrou-se de que a última vez em que haviam estado juntos fora no Natal de cinco anos atrás, quando voara com Jeremy da Califórnia para visitar seus sogros, Sarah e Carlus Potter.

James estava mais amadurecido, mas não perdera nada do encanto da juventude. Sentira uma terrível ansiedade ao vê-lo e não soubera o que dizer. Procurara porém aparentar displicência, para que os outros não vissem o quanto estava nervosa.

Ele olhara-a como se ela fosse uma estranha. Cumprimentara-a polidamente, mas em seu rosto não havia o menor traço de alegria e prazer, deixando bem claro que era assim que devia ser. E assim fora, naquele penoso fim de semana.

Lily fixou um ponto a distância. Quando sua vida começara a mudar? Parecia há tanto tempo... E, de certa forma, era mesmo. Lembrava-se bem de tudo, embora naquela ocasião tivesse apenas doze anos. Seus pais acabavam de mudar-se para uma casa vizinha a dos Potter...

Não demorara muito a tornar-se a grande amiga de Jeremy, um dos filhos do casal. Pelo outro, James, sentira uma empolgação de menininha romântica. Não. Fora mais do que empolgação. Algo que no último ano do curso secundário transformara-se em amor, pleno e florescente. E naquela noite quente de verão, estava tão apaixonada como podia estar uma moça de dezessete anos.

A lembrança daquela noite não a fez mais corar de vergonha, como a fizera por tantos anos. Longe de James, os verões de sua juventude tinham se transformado em coisas do passado. Aprendera a dominar-se, reencontrar-se, reprimir as febres que a consumiam.

Não havia realmente motivo para estar tão nervosa. Mesmo porque James fora sempre um bom amigo. E nada havia acontecido para que deixasse de confiar nele... como amigo. Além do mais, o arranjo era conveniente para ambos. Lily estava fazendo um favor, aceitando a proposta de dirigir sua casa. Em contrapartida, ele estava lhe fazendo outro, dando-lhe casa e trabalho.

Mas era melhor não pensar que havia perdido tudo. Isso a deprimia. Então, reunindo toda a sua coragem, subiu os degraus da entrada e tocou a campainha. Ouviu o som no fundo da casa ecoar no silêncio da tarde.

Esperou calmamente. Ao fim de algum tempo, tornou a tocar. Não houve ainda resposta alguma. Era óbvio que ele não estava em casa. Onde estaria? Lembrava-se muito bem de ter deixado um recado na secretária eletrônica, com a hora e o dia exatos de sua chegada. Consultou o relógio de pulso. Três horas. Estava no horário.

Pensou em voltar mais tarde, mas ao olhar para a mala, soube que não havia outro lugar para onde ir. Essa era a fria e dura realidade. Tudo o que possuía eram algumas roupas e uns poucos livros. Do dinheiro que economizara com tanto sacrifício ao longo dos anos restava bem pouco. Jeremy gastara a maior parte. Em que, não sabia dizer. Depois houvera o enterro.

Outras lembranças começaram a aflorar de repente, confusas e dolorosas. A polícia... O corpo de Jeremy numa maca coberta com um lençol... O segredo que ocultara da família dele... Um pesadelo. Ah, se não tivesse chovido aquela noite... Se não tivessem discutido...

"Chega!", ordenou a si mesma. Tudo isso era passado. Tinha que aceitar os fatos e procurar levar uma vida normal. Ali em Nova Jersey, na casa de James. "Não posso mais agir como uma criança", refletiu, enquanto levava a mão à maçaneta. Para sua surpresa, a porta abriu-se.

No fresco vestíbulo, a luz dourada da tarde filtrava-se através de uma clarabóia, indo refletir-se nos pingentes do candelabro de cristal. Sorriu sem querer. Podia não ser tão mal, afinal. Deu alguns passos e olhou em torno. A casa de James.

Sua sogra dissera que havia ali mais espaço do que ele precisava e não exagerara. No hall podia-se dar um baile. O living situava-se à direita, a sala de jantar à esquerda, ambos enormes e finamente atapetados. Tudo perfeito, exceto por um detalhe. As peças estavam vazias. Não havia um só móvel, uma cadeira sequer.

Era estranho, James tinha meios para decorar a casa. Por que não o fizera ainda? Lily depositou a mala no chão de mármore do vestíbulo e seguiu ao longo do corredor até a ampla cozinha. Estava perfeitamente equipada. Tudo brilhava, imaculado... E não utilizado.

"Uma maneira bem estranha de viver", pensou. A casa lembrava-lhe uma tela em branco à espera do pincel do artista. Talvez sua sogra tivesse razão. James não precisava de ninguém. Nem mesmo de uma esposa. Mas isso não parecia ser suficiente para explicar algo assim.

A luz do sol seguiu-a, enquanto subia os degraus que conduziam ao andar superior. Quatro portas abriam-se para o vestíbulo, duas de cada lado da escada. Virou-se para a esquerda e experimentou a maçaneta da primeira, um quarto, também vazio. Abriu a porta ao lado. Esse, ao menos, estava mobiliado. E com muito bom gosto.

Ia voltar-se, quando ouviu o zumbido de um barbeador elétrico. Avançou e, pela porta entreaberta do banheiro, viu-o de pé diante do espelho, uma toalha amarrada na cintura, o corpo úmido do chuveiro. Um corpo à altura de sua inteligência, forte, sadio e cheio de vida.

Lily recuou um pouco e pôs-se a observá-lo, enquanto ele terminava de se barbear, encontrando um prazer quase sensual naquilo. Fazia anos que não o via de torso nu e estava impressionada. Um homem. Um homem de verdade.

James ficou com a mão parada no ar, diante do que lhe pareceu um leve ruído atrás da porta entreaberta. E então viu-a pelo espelho, da posição em que estava. A cor escuro dos cabelos contrastando com a tez clara, os profundos olhos castanhos, as salientes maçãs do rosto, a boca suave e o queixo firmemente arredondado. Voltou-se e contemplou-a em silêncio. Lily olhava-o com olhos brilhantes e um sorriso dançando nos lábios.

— Oi, James. É bom tornar a vê-lo! — A voz dela continha um calor sincero mas comedido.

— Lily? Não posso acreditar. Você... ― Ela o interrompeu, rindo.

— Não vá dizer que cresci. Se eu ouvir isso, começarei a dar gritos!

Ele riu com ela e confessou, meio embaraçado.

— Você está muito diferente. Quase não a reconheci.

— Eu também não o reconheci, de modo que estamos empatados.

James tornou a sorrir.

— Estou feliz que tenha vindo, Lily. Fez boa viagem?

— Muito boa.

— Você só me encontrou em casa porque acabo de chegar de uma viagem de fim de semana.

— Não estava me esperando? — estranhou Lily.

— Não nesta segunda-feira. Pensei que você viesse na próxima semana.

— Deixei um recado na secretária eletrônica, confirmando a data e a hora de minha chegada.

— Não o recebi.

— Algum defeito no aparelho?

— Não. O aparelho está perfeito. — James passou por ela e encaminhou-se para o quarto. — Não quer me esperar lá embaixo?

— Mas James, eu ainda...

Ele não lhe deu atenção. Com um rápido girar de calcanhares, afastou-se e foi até o gaveteiro pegar as roupas para trocar.

Lily dominou a irritação, dizendo a si mesma que tinha de ser paciente. Sabia que era tão difícil para ele comunicar-se com ela, quanto para ela comunicar-se com ele. Ficou imóvel um momento. Depois dirigiu-se rapidamente para a porta. Não virou a cabeça, mas sabia que ele a seguia com o olhar.

James acompanhou os movimentos dela, até vê-la desaparecer no vestíbulo. Então, incapaz de qualquer iniciativa, deixou-se cair sentado na beirada da cama com a toalha ainda enrolada na cintura. Lily tinha mudado muito desde que a vira pela última vez. Lembrava-se dela como uma adolescente sonhadora e essa impressão permanecera em sua mente até poucos instantes atrás. Quando fora que ela crescera?

Quase não a havia reconhecido. Os longos cabelos que lhe caiam pelos ombros eram mais sedosos, os olhos mais brilhantes. A delgada mocinha de anos atrás desabrochara e transformara-se numa mulher bela, graciosa e atraente. A mulher que ele sempre imaginara que Lily se tornaria. Não sabia se estava pronto para lidar com ela.

Então lembrou-se daquele Natal na casa de seus pais. Fora constrangedor. Embora estivesse sempre em contato com seu irmão, via-o muito pouco. Conhecia os motivos de Jeremy para esse afastamento. Haviam começado no último ano da escola secundária, quando ganhara uma bolsa de estudos para o curso superior e Jeremy fora reprovado. Seu irmão, esperava, não conhecia os seus motivos. E, agora, ele se fora...

Não podia pensar no acidente sem envergonhar-se. Sentia-se culpado por não tê-lo evitado de algum modo. O que era uma loucura, naturalmente. Encontrava-se a três mil milhas de distância, quando o desastre acontecera. Mas a sensação de culpa persistia, apesar de todos os seus esforços para livrar-se dela. Era uma extensão da culpa que sentia em relação a Lily pelo que ela tivera de suportar ao casar-se com Jeremy.

Deixara os anos passarem sem que tivesse feito coisa alguma. Más tinha certeza de que podia fazê-lo agora, estimulando-a a viver sua vida, a ser feliz e vencer. Tinha que fazê-lo. Pela memória de seu irmão, por si mesmo... e por ela.

Encontrou-a na cozinha, devorando um pedaço de queijo.

— Espero que não se importe. Estou faminta — ela disse.

— Fique à vontade, mas não há muito o que comer por aqui. A geladeira está vazia. Conto com você para reabastecê-la e governar a casa.

Lily sorriu.

— Não há muito o que governar. Também a casa está vazia. Por que não a mobília ?

— Ainda não arranjei tempo. Minha agenda está lotada.

— Você podia contratar um decorador de interiores.

— Tentei, mas não deu certo.

— Não conseguiu o que queria?

Ele a encarou por um momento e respondeu:

— Vamos dizer que eu estava mais interessado em que ela se mudasse para cá, do que com a decoração da casa.

— Ela? Ela, quem?

— O nome não importa. Acabou.

Por um momento, houve silêncio absoluto. Lily notou-lhe a expressão contrariada e desculpou-se.

— Oh, James! Sinto muito. Não queria me intrometer em seus assuntos pessoais. Isso não vai acontecer novamente.

— Não há problema — ele disse com voz incolor.

— Não devia ter feito tantas perguntas — ela insistiu, angustiada. — Não tinha esse direito.

—Tem todo o direito, Lily. Ao menos enquanto estiver aqui. — Seus olhos se encontraram. — Compreendeu? ― Lily fez que sim. — E você? Está realmente bem? Já faz um ano, mas sei que o acidente a arrasou.

— Agora estou bem.

James sentiu um nó na garganta. Alguma coisa na sua voz, na sua solidão, tocou-lhe o coração.

— Conseguiram apanhar o sujeito?

— Que sujeito?

— O motorista embriagado, causador do acidente. ― Uma sombra velou os olhos de Lily.

— Não. Nunca o apanharam.

— Senti muito não ter voltado à Califórnia, depois do enterro. Prometi que iria, mas...

— Não se preocupe comigo, James. Sei que você é um homem muito ocupado.

— É... muito ocupado. — Ele suspirou. — O importante é que você esteja bem.

—Eu estou muito bem. Mas ainda não estou acreditando.

— Acreditando em quê?

— Que estou aqui.

— Não é tão difícil assim de acreditar.

— Nunca fui antes a lugar nenhum sozinha. E aqui estou eu agora, depois de voar pelo país inteiro.

— Está arrependida?

— Não, James. Agradecida. Por tudo.

— Você não tem de que agradecer. Entendido? ― Lily riu.

— Sim, senhor!

James fitou-a, pensativo, por um momento. Parecia que ia dizer mais alguma coisa, mas acabou limitando-se a perguntar:

— Gosta de espaguete?

— Adoro!

— Ótimo. Isso eu sei fazer — ele anunciou, enquanto punha a água para ferver.

— Posso ajudar em alguma coisa?

— Não quer abrir o vinho que está no armário? Há um saca rolhas na gaveta da pia.

— Isso é tudo? Mais nada?

— Isso é tudo, por enquanto. — Ele sorriu por cima do ombro. — Mas não se preocupe. Amanhã terá muito o que fazer.

— É para isso que estou aqui, não é?

Trocaram algumas palavras, enquanto James cozinhava, sobre a viagem e os pais dele. Quando sentaram-se à mesa, Lily descobriu que ele havia realmente se esmerado para ela. O espaguete estava delicioso.

— Você é um homem de muitos talentos — disse-lhe, numa tentativa de quebrar o gelo.

"É natural", pensou James, compreendendo a intenção dela. Fazia tempo que não mantinham algum tipo de relacionamento. De muitas maneiras, Lily era ainda uma estranha para ele e tinha certeza de que ela sentia o mesmo em relação a ele. Nunca mais houvera entre eles a comunicação que houvera naquela noite de verão de tantos anos atrás, quando se haviam dito tudo o que tinha algum significado para ambos.

— Acho que você ainda não me conhece — disse-lhe, dando forma a seus pensamentos. — Nem eu a você.

Lily o encarou e ele julgou ver passar por seus olhos uma sombra de tristeza.

— Acho que não, James. Não me lembro a última vez que tivemos uma conversa séria — ela disse. Mas não era verdade. Lembrava-se, sim. Lembrava-se também da dor que sentira quando ele a havia deixado.

James ficou um momento em silêncio. Então, propôs:

— Vamos fazer um trato. Se um de nós tiver alguma pergunta a fazer, que a faça sem constrangimento.

— Não estou me sentindo constrangida, James.

— Está, sim. E eu também. Vamos tentar. Vamos fazer um esforço para nos conhecermos melhor. Que lhe parece?

Lily sentiu o coração bater forte, totalmente descontrolado. Não queria fazer trato algum. "Não faça perguntas que eu não lhe direi mentiras", quis dizer. Mas disse apenas:

— Por mim, tudo bem.

— Ótimo!

Arrumaram a cozinha rapidamente. Depois apanharam seus copos de vinho e foram até a varanda para admirar o pôr-do-sol. A vista das montanhas Watchung era deslumbrante.

— Tinha quase esquecido dessa beleza tranqüila das montanhas — suspirou Lily.

James virou-se para ela.

— As montanhas do oeste são também deslumbrantes, envoltas naquela névoa azul.

— Não é a mesma coisa.

— Por que não?

— Não sei. Acho que não me sentia em casa na Califórnia.

— Por que ficou, então?

— Jeremy não queria sair de lá. Não era apenas o dinheiro, mas uma porção de outras coisas. Ele gostava daquele tipo de vida.

James não tinha resposta para isso. Aproximou-se dela, mas ela não se voltou, embora ele estivesse tão próximo, que ela podia sentir sua respiração de encontro ao pescoço.

Por um infindável momento, Lily pensou que ele fosse tocá-la. Mas isso era algo que James nunca fazia. Em todos aqueles anos, podia contar nos dedos de uma única mão as vezes em que haviam tido um contato físico casual. Era como se, por algum motivo, ele tivesse receio de tocá-la.

Lentamente, virou-se para ele. Por um momento, teve a sensação de encontrar em seu rosto a mesma indefinível ansiedade que ela própria estava experimentando. "Ah, se fosse possível...", pensou. Mas durou só alguns segundos. De repente, como se um muro invisível se erguesse entre eles, já não conseguia mais decifrar sua expressão.

James ocultou o brilho de seus olhos sob as pálpebras semicerradas e disse brandamente:

— Sugiro que vá a meu quarto e tire um cochilo antes do jantar. A mudança de horário é sempre cansativa.

— Não estou me sentindo cansada.

— Mas vai sentir-se. O cansaço geralmente aparece na hora do jantar. Vamos jantar às oito, se você concordar.

— Por mim, está ótimo.

Ele ergueu o copo e tocou o dela, num brinde.

— Então bem-vinda ao lar, Lily.