Capítulo 1
Os olhos grandes e expressivos abriam-se levemente, revelando um teto aveludado, branco, com desenhos de vinhas douradas. Cansaço. Uma mão pequena e esguia passava nos olhos do menino, que logo bocejava. Piscou, até acompanhar a luminosidade intensa do quarto, que tinha vista para um grande e variado jardim, completamente lotado, não só de flores e plantas, mas também de animais. Seu próprio bosque. Levantava-se agilmente, como um gato, e vestia as roupas de sempre: Uma calça branca e uma camisa longa, como um vestido vazado em ambos os lados até a cintura, dourado, e levemente transparente. Possuía também uma coleira, prateada, e com uma fivela da mesma cor. Fina e frágil, porém, resistente. O menino sentava-se em uma penteadeira marrom-escuro, talhada com os mesmos desenhos do teto. No espelho desse móvel uma face andrógina era refletida. Cabelos prateados, como platina, iam até os ombros, e no lado direito, uma fina trança escorria até a altura do peito. Os olhos tinham como coloração um azul lindo, como o do céu, que mostrava toda a expressividade da figura. Estranhamente, o garoto parecia muito uma menina. Cintura fina, com os ombros levemente mais largos, a pele alva, e membros esguios. Enfim, a criança calçava sandálias prateadas, aparentando ser do mesmo tecido da camisa, e saía do quarto.
Depois da porta que ocultava o pequeno mundo do menino, um extenso corredor se abria, nele o menino andava, sorrindo gentilmente aos empregados que entravam e saíam dos cômodos que ficavam ao longo do corredor. Andava levemente, sempre cumprimentando todos que via, e sorrindo cada vez mais ao ver uma simples janela que mostrasse o céu, da mesma cor de seus olhos. Ele virava à direita e depois à esquerda, dando de cara com uma porta de salgueiro. Ele entrou no quarto abrindo a porta e fechando-a rapidamente, deixando alguns dos empregados surpresos. Ninguém entrava ali. Lá, uma grande cama se estendia. Não era de casal, era muito maior do que essas que conhecemos hoje em dia, sem falar do curioso formato redondo, com uma racha no final, no formato de meia lua. Na cama alguém repousava. Provavelmente um homem, com uns vinte anos de idade, por sua face jovial. Tinha os cabelos negros e um pouco mais curtos que o do menino. O garoto subia na cama engatinhando, causando pouca diferença nas ondulações do colchão por causa de seu peso. No seu semblante, possuía um sorriso sedutor, sabia o que iria fazer. Aproximava sua face do rosto do maior, olhando fixamente nos olhos fechados do homem.
- Will...
O homem lentamente abriu os olhos castanho-avermelhados, vendo aqueles olhos azuis na sua frente. Sentiu-se tranqüilo. Logo depois, como se lembrasse de algo, perdeu o brilho nos olhos, e então derrubou o menor, fazendo-o cair de costas na cama, e então segurando seus pulsos e ficando por cima dele. O tom da voz era sério e frio, assim como seu semblante inexpressivo:
- Samael, é seu primeiro dia como meu mascote e já quebrou minha ordem. Posso escolher qualquer outro no reino para ser meu. Não entre no meu quarto sem permissão. E não me chame e Will, meu nome é William. - As duas últimas frases tinham um leve tom de fúria, deixando assim, serem claras como ordens.
Os olhos azuis fraquejaram. Já tinha perdido o sorriso que possuíra antes. Samael respirou fundo, tentou achar confiança em algum lugar, mas toda vez que via aqueles olhos vazios, é como se sugassem toda esperança residente nele. Então murmurou:
- Sim, Mestre.
Os dois continuaram naquela posição por muito tempo. William aproximava-se cada vez mais do menino, com o mesmo olhar frio, que Samael tentava, em vão, continuar a encarar. Quando o menino já podia sentir a respiração do maior, virou o rosto.
-Está machucando meu pulso, William.
O homem virou o rosto, levantando-se e soltando os pulsos do menor. Ficou de pé e caminhou um pouco pelo quarto colossal, encarando o sol através da janela, apenas de calça, mostrando uma pele um pouco menos branca que a de Samael. O homem virou-se, e encarando o menino a uma distância grande, falou, com um tom frio, que eliminava qualquer chance de Samael lembrar do ocorrido:
- O que veio fazer aqui, Samael?
- Vim pedir permissão para ir trabalhar, meu Senhor.
O tom de submissão na voz era evidente. O mais jovem encarava o teto, ainda na mesma posição que havia sido deixado na cama, com os pulsos levemente vermelhos, devido à descomunal força de seu Mestre. Sabia que mentia, na verdade, tinha ido ali cumprimentar o homem que o retirou daquela maldita instituição que estava. Mal sabia ele que aquele lugar podia ser bem pior.
- Você trabalha? – As palavras saíram um pouco arrastadas e separadas, mostrando um pouco da curiosidade do mais velho, mais mesmo assim, mantendo a frieza, demonstrando certa superioridade.
- Sim, William. Trabalho no Museu de História das Batalhas. – O murmúrio saiu um pouco triste, não frio, mas triste. Os sentimentos naquele momento estavam tão difíceis de esconder, embora o menino já conseguisse antes. Talvez fosse aquele homem...
- Nessa idade? – William falava mais consigo mesmo. Não era admissível ter algo que não fosse somente dele. Mas estava curioso, embora não o admitisse para si mesmo. Um lugar tão irônico de se trabalhar quando se faz parte das Batalhas.
-Sim Mestre.
- Sente-se, irei com você.
Os olhos azuis se encontraram com os castanhos. Desafio. Samael suspirou e então, declarou sua derrota, sentou-se na beirada da cama. William queria saber exatamente o que ele fazia no Museu, afinal, Samael agora lhe pertencia. Tinha de domá-lo. Entrou no banheiro da suíte e escovou os dentes, pensando no próximo passo. Enquanto isso, o menor hesitava, e se dono não gostasse do seu novo emprego? E se o ordenasse a demissão? Não tinha escolha, era melhor do que aquela maldita Instituição Governamental. Finalmente, William havia voltado ao quarto, vendo o menino sentado em sua cama, colocava a mão no queixo, agora, com um leve cheiro de loção pós-barba. Realmente tinha escolhido o mais belo. Deixou-se devanear, olhando Samael, até que o menino retribuísse-lhe o olhar. Depois de algum tempo se encarando, Samael sorria, e se levantava, mostrando uma energia estonteante.
- Você vai me atrasar... - Dizia, com um sorriso na face.
- Vamos. – Um tom frio era notado, e, falado no murmúrio que foi, parecia tenebroso. Ele girava o calcanhar e então ficava em direção a porta. Mesmo assim, Samael, hesitante, falou, antes do mais velho abrir a porta.
- Você vai desse jeito?
William olhava o corpo. O tórax bem trabalhado a mostra, usando apenas uma calça larga e negra, como seus cabelos. Não estava acostumado trocar de roupa para ir trabalhar, afinal, trabalhava em casa. Isso iria mudar. Seus pais chegariam a casa daqui a dois dias, e tinha de se portar direito. Ele voltou-se para o menino, que sorria singelamente e teve uma idéia. Ótimo treinamento.
- Escolha minha roupa.
Samael olhou-o, com uma semblante incrédulo. Não sabia que teria de fazer isso. Finalmente notara completamente o corpo do mais velho. O tórax definido, a pele alva, os cabelos negros, os olhos sempre frios e uma força descomunal. Realmente bonito, pensou o menino. William, que não sabia o quê se passava na cabeça do mais novo, apenas olhou-o de lado, torcendo o corpo que estava parado em frente à porta. Ele suspira e diz:
- Obviamente, pelas suas roupas, sabe mais de roupas do que eu. A partir de hoje, entrará no meu quarto, todos os dias, antes de eu acordar, escolherá minha roupa, e a deixará ao lado da minha cama, sempre tendo guardado de cor minha agenda e meu vestuário. Depois, sentar-se-á na beirada oposta da cama e aguardará eu acordar, e isso é sua primeira ordem oficial.
Samael engoliu em seco. Será que o homem estava fazendo aquilo para ensiná-lo a não entrar no seu quarto, porque, se fosse, estaria se contradizendo. Teria sempre de acordar antes dele e escolher as roupas dele? Não importava mais. Andou até o closet da suíte e abriu a porta. Era impossível guardar aquilo na cabeça! O closet era do tamanho do quarto do menino, que era um pouco maior do que o de William, tendo: ternos, sapatos, camisas, calças, casacos, relógios e muitas outros acessórios, que o dono não deveria nem lembrar que existiam. Uma mulher limpava o closet quando Samael abriu-o, e esta, olhou o menino, assustada e disse em um tom de voz um tanto quanto desesperado:
- Perdão Senhor. – Ela abaixava a cabeça e saía um tanto quanto apressada. Samael, por sua vez, entrou no closet em um pulo e a segurou pelo pulso levemente, sinalizando que queria falar com a mesma.
- Preciso da relação de todas as roupas que existem aqui até depois do almoço. E a partir de hoje, quero que você limpe isso antes de eu acordar, se isso não for um incômodo. – A voz dele saia doce e gentil, e combinados com o sorriso dele, fez a mulher sentir-se nova, acenando positivamente com a cabeça, e saindo pela conexão dos empregados. William, que estava espiando da porta, estava impressionado. Mal dera a ordem, e o menino já assimilara a ordem e começara a cumpri-la. Não podia se sair pior. Quando a mulher começava a sair, o moreno sentou-se na cama e deitou-se, colocando as mãos atrás da cabeça, e encarando o teto avermelhado.
- Quantos anos você tem, Mestre?
- Como?
O menino estava na porta do closet, com as mãos para trás, e com um sorriso muito grande. William coçava a cabeça um pouco e se levantava, encarando, com os olhos frios de sempre, o menor.
- É que eu preciso saber como vou te vestir, e sua idade iria me ajudar.
- Dezenove, e você, Mascote? – A voz saíra arrastada, demonstrando quase que nenhum interesse na vida de Samael.
- Eu tenho Quatorze, meu Senhor. Permite-me comentar algo? – O menino virava-se, encarando o closet, e já pensando nas roupas possíveis.
- Comente. – William reparava na silhueta do menor. Ele parece uma menina! Pensou o mestre, que logo voltava a se deitar com os braços atrás da cabeça novamente, pensando no que o garoto iria dizer.
- Você parece ter vinte e cinco... - O garoto entrava e pegava uma camisa social de mangas compridas, com pequenas listras verticais negras. Ele colocava a blusa na cama e voltava ao armário, encarando as roupas novamente.
- Por quê?
A voz do mestre saía seca e fria, e, até o momento em que Samael colocava a roupa ao seu lado, mantinha o olhar no teto. Ele sentava-se cansado e olhava novamente a silhueta do menino. Tinha que parar de fazer aquilo. Pegou a blusa e a abotoou com um cansaço inexplicável e então passava a olhar o menino correr novamente até o closet e voltar com uma calça negra e uma calça da mesma cor, as colocando na cama colossal, sem ao menos encará-lo.
- Suas roupas são todas sociais, em tons mortos. E seu corpo não parece ser de um jovem, apesar de não ser tão definido...
O mestre encarava-o, e então olhava a calça negra. Ele retirava a calça, enquanto Samael, escorado a porta já fechada do closet, colocava a delicada mão esquerda, tampando a visão do homem e corando um pouco. William acenava negativamente com a cabeça, como se não acreditasse no que o menino fazia e vestia a roupa escolhida pelo menino.
- Antes de tomarmos o café, venha cá...
O moreno batia ao seu lado da cama, para que o menor se sentasse, o que fez imediatamente. O mais velho abria o criado-mudo ao lado da cama, também de salgueiro, e então pegava uma caixa negra. Ele virava ela e abria no seu colo, mostrando à Samael uma quantidade imensa de fitas, correntes e barbantes, todos prateados, assim como a coleira.
- Escolha a corrente da coleira.
Depois de certo tempo encarando todas as corrente, escolheu um barbante grosso, que aparentava ser feito de prata pura, apontando para ele. William jogava os cabelos do menor para trás sem nenhuma cerimônia, assustando Samael um pouco, e então prendia o barbante à coleira, segurando-o firmemente. Logo, os dois desciam, e se sentavam em uma mesa gigantesca de mogno, onde aparentava ser a Sala de Jantar daquela enorme mansão. William se sentou na cabeceira enquanto Samael se sentava à direita do moreno, que ainda segurava a coleira.
- Lembre-se. Sempre sentará a minha direita, em qualquer mesa.
Os criados serviram o café da manhã. Samael aparentava comer só frutas, enquanto o maior comia uma quantidade imensa de carboidratos, bacon, ovos e tudo que tinha direito.
Leiam o segundo capítulo para a explicação da história. Tudo ficará mais claro.
