Doía. A dor que sentia não se limitava apenas a interna, a mesma alastrava-se por cada pedaço vivo do seu corpo. Sua profecia havia se concretizado, enfim. Nunca fora tão sozinha na vida. Essa solidão doentia era o que a mantinha naquele estado. Ela mesma se sentia no fundo do poço, nem conseguia dormir direito. Passava noites e noites acordada, as olheiras já tomavam conta de seu rosto alvo. Foi em uma de suas madrugadas em claro que pensou, então. Por que não? Não haveria ninguém para lhe julgar, além de sua própria consciência. A qual, a propósito, também não se importava mais.

Sentia-se a deriva e necessitava de um escape. Algo que lhe confortasse. Por que não, afinal? Era madrugada, não teria ninguém nem para lhe impedir. Ela sabia onde se situava o local. Decidiu que iria.

Ao chegar na porta do local recém abandonado, hesitou por um momento. Viu-se julgando a si mesma, mas lembrou de que nada podia ser pior do que a dor que sentia, a qual latejava violentamente dentro de si, todos os dias. Buscava apenas um consolo, afinal, diabos, aquilo era pecado? Inspirou ar suficiente para encher seus pulmões e arrombar a porta.

Aquele local, em primeira impressão, lhe soava tão familiar que a embriagava fortemente. Era verdade, então, quando diziam que a casa é o reflexo do dono. Sentia que ali era uma parte, uma continuação dele, por mais que, agora, carregasse um leve cheiro de mofo. Mas isso pouco importava. Seguiu para o cômodo que mais lhe interessava. No qual, observou curiosamente um porta-retrato deitado em cima de um criado mudo. Sua curiosidade natural já teria levado-a até ali para ver do que se tratava, mas algo gritava muito alto dentro de si, e dizia que aquilo só pioraria sua situação. Por fim, ignorou sua constatação e seguiu para o armário do cômodo. Abriu as portas como se temesse algo, mas logo observou duas ou três mudas de roupa ali, apenas. Apanhou uma das camisas como se fosse o tecido mais raro e caro do mundo. Na verdade, ela sempre tratara as coisas que eram relacionadas a ele daquela forma.

Era aquilo. Aquele singelo pedaço de tecido que já havia feito parte dele, que tinha seu cheiro, que trazia saudade. Fora até lá, de madrugada, arrombando a porta, apenas para deleitar-se de uma pequena fatia daquele que sempre amou. Foi na certeza de que aquilo, realmente, iria confortá-la, e confortou. Confortou-se como se sentisse sua presença novamente. Como se ele tivesse dito "sim" a proposta que ela lhe fez. Como se eles vivessem juntos e fossem felizes hoje. Amaria aquela peça de roupa do mesmo jeito que o amava. Abraçaria-o como nunca pudera fazer com ele. Com uma peça de roupa, apenas. Nada mais era preciso.

A solidão não julgava seus devaneios. Aliás, a solidão não julgava nada, não tinha direito de fazê-lo.

Nada mais importava. O amor não correspondido. O abandono. Nem a solidão. Aquele singelo pedaço de tecido surtia mais efeito que qualquer conselho, por mais bem intencionado que fosse, que recebera até o momento presente. Aquele singelo pedaço de tecido, agora, era a única coisa que tinha para se agarrar. Nem na esperança, na valentia e na força, apenas nele.


N/A: Desculpem-me pela ausência. Estava atolada com a documentação do TCC do meu técnico. Durante tal, me surgiu essa ideia, que me consumiu quase que como um parto, pois ela não queria sair! Mas acabou saindo, e está aí. :3