Saint Seiya não me pertence. Eu só escrevo para ganhar o meu dia e, eventualmente, o de outras pessoas também.

Dando início às Side Stories de Rigidez, sem respeitar qualquer ordem prévia de aparição de personagens, o primeiro capítulo.

Enjoy your flight!

Laranja e Violeta

O garoto acordou com o farfalhar das asas de algumas aves ao seu lado. Piscando várias vezes, observou-as voar em direção ao sol, que pouco a pouco se escondia nas águas do Egeu. Correu apressado os olhos pela superfície do mar que se estendia diante de si: ainda nenhum sinal da embarcação que aguardava.

Aioros suspirou, cansado. O dia não havia sido nada fácil para ele, com o treino puxado do mestre Shion depois de uma noite mal-dormida. Aiolia tivera outro pesadelo com os pais e passara boa parte da noite chorando e perguntando se eles viriam buscá-los, se eles demoravam porque não os queriam mais... Eram coisas que o jovem grego preferia não pensar. E no entanto, as vagas lembranças do casal que um dia lhes amara desapareciam de sua memória como as espumas que morriam na praia. Dali a alguns dias, Aioros pensou, nem ele e nem o irmão seriam capazes de se recordar do rosto dos pais.

Mestre Shion o enviara naquele dia para receber um novo inquilino do Santuário, que na verdade já estava atrasado. O navio já deveria ter ancorado uma hora antes, mas não havia sinal de sua aproximação até então. "E por que essa demora toda?", Aioros se perguntava resignado, "O mar tá completamente parado hoje, e quase não tem movimento no porto...".

Teria sido muito mais simples se o tal novo inquilino tivesse voado até a capital, mas aparentemente o aeroporto que faria o percurso até lá sofrera problemas internos, forçando os passageiros a se transportarem por meios alternativos pela Europa. Esse inquilino, por exemplo, fora obrigado a embarcar rumo ao porto de Santorini já há alguns dias, ou assim o Mestre Shion lhe contara. Tudo indicava que o problema estava no transporte de Santorini até o Porto de Piraeus, mas ninguém lá parecia saber informar o motivo daquele atraso descabido.

O jovem suspirou uma última vez, decidido a espantar o mau humor que ameaçava estragar aquele belo momento. Não era a toa que caíra no sono: apesar do cansaço, o pôr-do-sol alaranjado, somado ao som do quebrar das ondas e o grasnar das gaivotas na praia erma, não poderia ter um efeito diferente sobre as pessoas, nem mesmo sobre um guerreiro como ele. Além disso, nos últimos dias o clima em Atenas estava ótimo, ameno, sem o calor exagerado que fazia dos treinos no Santuário uma tortura diária.

Aioros bateu a poeira das vestes ao se levantar e logo que ergueu os olhos para o horizonte, seu coração deu um salto, aliviado.

"Finalmente!", ele pensou alegre, "não era possível que demorasse mais!"

Ele aguardou pacientemente a aproximação do pequeno navio, e quando este ancorou, o garoto observou muito interessado a movimentação dos passageiros, muitos deles deveras ansiosos por pisar em terra firme depois do que aparentava ter sido uma viagem estressante. Ele caminhou até o cais de desembarque, procurando distinguir alguém, no meio de toda aquela gente, que correspondesse às descrições feitas pelo Mestre Shion. Não deveria ser difícil encontrar, no meio de tantos turistas orientais, um garotinho pálido de cabelos muito escuros, como na foto que lhe deram.

Depois de vários minutos esperando, parecia que a marcha de turistas que saíam do cais não iria acabar tão cedo. O grego se perguntava se a demora significava que o jovem estrangeiro estava tendo problemas para desembarcar, mas tão logo decidira por ir ao seu encontro, seus olhos recaíram sobre uma pequena figura, que abria caminho com dificuldade entre os muitos outros tripulantes que desembarcavam.

A primeira coisa que notou no jovem foram seus olhos ariscos, cansados. O garoto não era muito mais velho do que Aiolia, mas sozinho no meio daquelas pessoas, parecia pequeno e perdido, como uma criança comum. Ele levantou aqueles olhos tão singulares e procurou por qualquer sinal que lhe indicasse a saída. Diante de tal cena, Aioros teve a sensação de que algo lhe apertava o coração, talvez por isso tivesse se adiantado em direção ao recém chegado, chamando seu nome em voz alta pela primeira vez.

- Shura! – ele acenou, enquanto o menino se aproximava com uma mala, depositando-a no chão em seguida e afastando a franja com as costas da mão. Aioros notou que ele parecia mais cansado, visto assim de perto. Seus olhos tinham um formato exótico, pálpebras marcantes e os cílios inferiores naturalmente delineados, mas àquela hora do dia, o grego não soube identificar com precisão a cor de sua íris.

- Fez boa viagem? – ele lhe sorriu, ao que o garoto Shura acenou positivamente com a cabeça, dobrando as mangas da camiseta escura que usava, sem encarar o seu anfitrião. Aioros se agachou diante do pequeno, apanhando sua mala com um sorriso que era sua característica – Meu nome é Aioros, o Grande Mestre Shion me enviou para buscá-lo.

Por um instante, o sorriso vacilou em seu rosto quando, enfim, o pequeno forasteiro desviou os olhos da mala e ergueu-os para ele. "São violetas", Aioros reparou admirado, "um violeta muito escuro..."

- Eu sou Shura – o menino de cabelos negros disse com sotaque, acenando com a cabeça novamente e desviando o olhar – É um prazer...

Aioros piscou várias vezes e sorriu novamente.

- Você quer comer antes de ir ao Santuário? Vai demorar um pouco pra chegar lá, estamos meio longe da cidade... – ele advertiu, levantando-se com a mala na mão.

Aioros o observou morder os lábios enquanto respondia, as mãos fechadas em punhos.

- Não precisa, eu não estou com fome.

Um táxi parou próximo deles e Aioros se riu ao notar o embaraço do pequeno espanhol quando ele sinalizou que entrasse no veículo. Lembrou-se de que não deveria abusar dos gastos, mas não sentia vontade alguma de voltar ao Santuário a pé e tampouco achava que Shura estaria descansado o suficiente para isso. Uma vez dentro do carro, Aioros conversou animadamente com o motorista, dando instruções sobre o endereço de destino, sem notar que Shura os observava curioso.

- Eu já ia me esquecendo – Aioros disse ao voltar sua atenção para o seu acompanhante. Ele remexeu o interior de sua bolsa e puxou de dentro dela um pacote fechado com uma fita branca. Ele a removeu e estendeu o pacote a Shura com um sorriso – Pegue aqui. É melomakárono, você vai gostar.

Shura olhou em seus olhos, sacudindo de leve a cabeça, um tanto apreensivo.

- No lo entiendo – ele disse baixo, e então mordeu os lábios, torcendo as mãos no colo.

Aioros sentiu um calor no peito e sorriu. O garoto deveria estar bastante confuso com todas as mudanças que estavam acontecendo. Também passara por isso antes, mas não precisara sair de seu país para ir a um lugar desconhecido, completamente diferente do que aquele a que estava habituado. Era seu dever ajudar o pequeno espanhol.

- Entende sim – o grego disse gentilmente, colocando uma mão sobre o ombro do menino, que teve um leve sobressalto – Não precisa ficar nervoso. O Mestre disse que você é bastante inteligente, aposto que você se vai se acostumar bem rápido com as coisas aqui na Grécia.

"Ele parece bem tenso", Aioros pensou, ao mesmo tempo em que o menino fitava seu rosto, parecendo um tanto esperançoso. O grego levantou as sobrancelhas ao reparar que, em seguida, Shura colocara a mão no pacote e pegara um dos biscoitos que havia em seu interior.

- Gostou? – Aioros perguntou, mais à vontade, enquanto Shura mastigava com cuidado e acenava com a cabeça. O sorriso do grego se alargou – Então aproveita, porque quando chegarmos no Santuário, o Aiolia vai comer tudo... Eu não te falei do Aiolia, né? O meu irmão mais novo? Vocês têm quase a mesma idade...

Aioros começou a tagarelar sobre o irmão – como, a propósito, sempre tendia a fazer – e não demorou muito até que conseguisse arrancar uma risada do espanhol, que embora tivesse comido pouco dos biscoitos amanteigados que lhe foram oferecidos, sem dúvidas parecia muito mais tranqüilo do que quando haviam se encontrado, há alguns minutos.

Mas o trânsito, ao contrário do que Aioros esperava, estava lento naquela tarde, e o grego interrompeu a ode que fazia ao irmão para olhar pela janela por algum tempo, ligeiramente preocupado.

- Seria bom se não tivesse esse congestionamento todo... – ele finalmente disse – Você vai ter que se apresentar ao Mestre ainda hoje, e isso só depois de subirmos um monte de escadas...

O taxista riu e pelo retrovisor indicou Shura com a cabeça. Surpreso, Aioros constatou que o garoto adormecera, a cabeça contra o vidro da janela do táxi, banhado pela luz alaranjada do entardecer. O grego sorriu e automaticamente estendeu uma mão para afagar os cabelos do menino, mas se conteve no último momento. Estava acostumado a tratar Aiolia daquela forma, porque era seu irmão. Quanto a Shura, o menino poderia se sentir incomodado, poderia acordar – e no momento, parecia que tudo o que ele queria ter feito desde o começo era fechar os olhos e esquecer que estava ali.

- Temos tempo – Aioros disse em tom gentil, fitando Shura por alguns segundos, antes de se virar para frente novamente. Shura parecia ser um bom menino, tal qual Shion e Saga haviam-no descrito. Talvez ele se tornasse um cavaleiro, assim como Aiolia estava destinado a se tornar, assim como ele próprio já se tornara...

O taxista anunciou que chegariam dentro de mais alguns poucos minutos, chamando a atenção de um distraído Aioros, que logo emendou uma nova conversa com o homem. Parecia que o próprio cansaço o havia abandonado desde então.