Versailles não me pertence. As histórias são apenas divertimento. E as personagens seguem os perfis da série e não sendo exatamente fiéis aos documentos históricos.


Chegara da frente de combate. Havia recebido uma carta inesperada do Chevalier de Lorraine dizendo que a esposa havia tido um incidente de risco. Aquilo o deixou em alerta. Ordinariamente era ela quem lhe escrevia. A correspondência do Chevalier era menos numerosa e de estilo bem objetivo.

Aliás, as cartas da Princesa Palatina revelaram a Philippe mais uma qualidade que ele sequer suspeitara na mulher: escrevia de maneira saborosa, extremamente divertida. Ela sentia prazer em escrever e, apesar de jovem, estava se tornando boa nisso. As cartas dela tinham sido mais do que um alento no front, tinham sido um prazer inesperado. Ela contava o cotidiano da corte, com irreverência mesclada à uma fina ironia, deixando o espírito de Monsieur mais leve. Outra coisa divertida é que ela não poupava nem a si mesma, registrando incidentes divertidos ou até mesmo ridículos que ela mesma protagonizara devido à sua inexperiência na corte francesa. As cartas de Liselotte faziam com que ele ficasse à noite rindo sozinho, relembrando o que ela havia narrado com bom humor e ligeireza. Para sua sorte ela era um espírito prático, pouco propenso à melancolia.

O Chevalier viera esperá-lo na entrada do palácio, muito elegante num traje cor de vinho, acompanhado por Bontemps, o valete do rei. Aquela associação era um tanto inusitada. Mas, de qualquer forma o que mais importava era ver o rosto amado depois de uma longa ausência. Voltar para o Chevalier era talvez a melhor parte de voltar para casa. Mas lembrou-se dos seus deveres. Ele tinha muitos agora.

-O que houve com a minha esposa?-perguntou, assim que apeou do cavalo.

O Chevalier parecia meio paralisado. Não parecia seguro do que falar. Então, foi Bontemps quem respondeu, com a sua costumeira urbanidade. Tinha veneração por Louis, e parte dessa afeição se estendia a Philippe.

-Sua Alteza andou indisposta, mas agora está bem, Monsieur. O rei acionou seu médico particular e ela está sendo supervisionada diariamente. No momento, está tudo sob controle.

-E o meu filho?-Philippe não sabia a razão, mas tinha a certeza íntima de que aquele bebê seria um menino.

Bontemps olhou para o Chevalier, que pareceu despertar do torpor.

-Estável. -disse o Chevalier de Lorraine.

-Vamos logo vê-la...

-O rei espera Vossa Alteza, assim que for possível.

Philippe não disse nada. Ele e o Chevalier seguiram direto para os aposentos de Madame.


Ela estava deitada na cama. Usava uma camisola enfeitada com fitas azuis. O azul era sua cor favorita. Estava lendo um livro quando eles chegaram. Ela pousou-o no colo. Philippe sorriu interiormente, a obra era Gargantua, de Rabelais. Devia ser uma provação para uma criatura tão dinâmica ficar largada numa cama fazendo repouso obrigatório. Philippe sentou-se na beira da cama, pegou sua mãozinha e beijou-a quase cerimoniosamente. Ela estava sorridente e bem disposta como ele a deixara, mas ventre redondo já estava bastante grande. Ele também sorriu, buscando ser gentil e compreensivo como alguém no estado dela merecia. Ao contrário de Henriette, Liselotte fazia com que ele se sentisse sempre alguém melhor.

-Como está, minha cara?

Se ela estivera aflita ou desanimada, sua postura não deixava transparecer. O Chevalier de Lorraine estava de pé, aos pés do leito, abraçado a uma das colunas de sustentação do dossel. Se estava enciumado, disfarçou bem.

-Estou bastante bem, Philippe, não sei por que esse drama todo. Foi só uma indisposição. -ela disse isso e olhou de relance para o Chevalier de Lorraine, que continuou calado.

Philippe olhou de um para o outro. Percebeu que durante a sua ausência eles haviam desenvolvido um certo grau de cumplicidade e que estavam lhe escondendo algo. Mas não quis questioná-la para evitar qualquer emoção.

-O bebê está bem?

O olhar de Liselotte se iluminou.

-Sim, está. Ele se mexe o tempo todo. Promete ser um grande chutador.

Philippe achou coincidência Liselotte se referir ao bebê no masculino. Parece que ela também acreditava que seria um garoto.

-É verdade. O doutor falou que a criança chuta muito. -falou o Chevalier. Era a primeira vez que ele sorria. Philippe estava quase assombrado.

Pôs-se de pé e beijou-lhe a raiz dos cabelos.

-Vou tomar um banho e depois falar com meu irmão. Mais tarde conversaremos com calma, e aí poderá me contar tudo.

Saiu do apartamento da esposa satisfeito consigo mesmo, pois havia se comportado bem. Ela era o tipo de pessoa que sabia extrair o melhor das pessoas.


Entraram no quarto de Philppe. Abraçaram-se com força. Sentiam muita falta um do outro. A presença de Philippe era uma realidade, após tanto tempo. Trocaram um longo beijo.

-Estava morto de saudades...

-Eu também, Mignonette...

Seguiram para o quarto de banho. Philipe começou a se despir.

-O que vocês estão me escondendo?-tentou parecer casual.

O Chevalier olhou-o com uma expressão melancólica. Mas guardar segredos não era mesmo seu forte.

-Sua esposa sentiu tonturas e depois teve um sangramento forte. Achamos que ela iria perder a criança. Mas o rei tomou as providências necessárias. Disponibilizou todos os recursos para que ela ficasse bem.

-E por que você está com essa cara?

-Bom, apesar de ser uma situação difícil para mim, eu tentei cuidar da sua esposa da melhor forma possível, como você me pediu, mas o rei ...bem, é difícil de explicar...

-Não sei se estou entendendo...

-Acho que para ele é meio indecente, ou talvez pouco compreensível, você ir para a guerra e confiar a sua esposa grávida ao seu amante.

Philippe ficou nu e entrou na banheira. A sensação era ótima. O Chevalier encheu uma taça de vinho e entregou a ele. Ele sorveu um gole lento, desses que permitem saborear o bouquet.

-Há muito deixei de me importar com o que o meu irmão pensa. De qualquer forma, agradeço. Sei que não deve ter sido fácil para você cuidar dela.

O Chevalier estava perto da porta. Apoiou-se no batente e disse com aquela sua maneira inesperada de ser.

-Não, por estranho que pareça, foi até prazeroso. Ela me permitiu... participar. Posso ter minhas restrições a Madame, mas ela é leal. Joga limpo e nunca tenta me excluir da sua vida, muito pelo contrário.

Saiu em seguida, deixando Philippe surpreso. Era a primeira vez na vida em que concebia um projeto envolvendo pessoas e ele parecia não desandar logo de início.