I - A queda de Angband

E eis que ali estava ele. Outrora o Vala mais poderoso, o ser mais magnífico de Eä, por desejo de independência fora renegado e colocado em condição torpe. Rotulado como um ser maligno, curtira ódio e rancor, terror e fraqueza, e naquele momento não era sequer sombra do que um dia fora.

Os Valar, finalmente, cercaram Angband, e iam pegá-lo novamente. Desta vez, ele tinha certeza de que não haveria perdão, como fora da primeira.

Não podia se esconder. Não podia fazer coisa alguma - apenas esperar. Estava na sua mais funda sala, em uma das masmorras, mas em breve certamente o procurariam ali. Sentou-se no chão e, de forma inesperada até mesmo para si, começou a chorar. Tapou os olhos com as mãos queimadas e enegrecidas, por mais que ninguém fosse ver... pois não havia ninguém presente. Queria, apesar de tudo, parar com aquilo antes de os Valar chegarem... uma vez que prometera, a si próprio, até o fim apresentar dignidade. Mesmo na prisão. Mesmo na morte.

"Morte...", pensou ele, enquanto as lágrimas ainda vertiam. Finalmente seria talvez atingido pela morte, aquilo que os homens mortais tanto temiam, e alguns ansiavam. Agora ele sabia como eles se sentiam no final de suas vidas...

Os homens, ao menos, tinham isto como "dádiva"... e ele, que teria uma talvez bastante ignominiosa e terrível? Talvez a pior de todas dentre toda a história de Arda...

Escutou passos. Ainda não eram os Valar. Era ele, Mairon, a quem os de fora chamavam de Sauron. Ele estava ali também...?

- Meu senhor... o senhor está aqui!

Envergonhado das próprias lágrimas, ele foi até Mairon e o olhou nos olhos. Como se não houvesse uma terrível guerra lá fora, o Maia prestou normalmente a reverência ante seu mestre, e lhe perguntou:

- Há algo que eu possa fazer pelo senhor...?

- Nada.

Esta única palavra, tendo sido dita como foi, demonstrava toda a falta de esperança que o Senhor do Escuro desenvolvera em si.

- Os Valar se aproximam, meu senhor...

- Sim, Mairon. Eles se aproximam, e nós... estamos encurralados, não é mesmo?

Um tênue e irônico sorriso se desenhou nos lábios daquele que um dia fora o mais poderoso dos Ainur. Sauron não sorriu, porém sustentou o olhar em direção a seu senhor.

- Se o consola, eu também serei pego. E provavelmente escravizado ou morto...

- Os Valar não escravizam. Eu já estive cativo em Valinor uma vez... não é do feitio deles.

- Mas matam.

- Provavelmente... e isto, se acontecer, será principalmente porque eu já tive a minha "chance" de reabilitação.

- Eles não me pegaram no primeiro cerco. Agora, é quase certo que peguem...

- Você cuidou de tudo quando eu estive preso... eu lembro!

E uma tênue boa lembrança tomou conta do coração negro de Morgoth... como se ali ainda houvesse capacidade de haver bons sentimentos.

- Eu cuidarei de novo, meu senhor.

- Mas Mairon... eles vão pegá-lo desta vez. Aprenderam a lição. Não podem deixar você solto de novo, dado que foi o comandante de Angband em minha primeira ausência, e não o deixarão reerguer tudo novamente.

- Meu senhor... eu lhe serei leal até o mais amargo fim. Isto eu lhe prometo.

- Receio que ele já está chegando...

- Pode até ser. Porém, o senhor sabe que meu principal atributo não está na força bruta... e sim na astúcia. Eu vencerei os Valar pela astúcia... meu senhor, mesmo quando tudo parecer perdido ou quando eu lhe parecer desleal... mesmo assim eu estarei ao seu lado, e por si trabalharei. Por favor, meu suserano e senhor, guarde estas palavras consigo, e acesse-as em sua memória mesmo nos piores momentos do cativeiro dos Valar. Não resista agora... eu resistirei pelo senhor. Na hora certa.

Um som de arrombamento de portas e portões foi ouvido. Morgoth podia sentir... dessa vez, eram os Valar chegando.

De forma quase instintiva, ele abraçou o corpo de Mairon, segurando em seus braços. Seu tenente gemeu de dor, pois mesmo enfraquecido seu senhor conseguia apertar bem forte.

- Mairon... isto vai me parecer vergonhoso aqui, no final de tudo, mas... eu estou com medo.

- Se me permite a ousadia, senhor... é porque o senhor colocou muito de seu próprio poder no corpo físico.

- Pode ser... eu falhei, não é mesmo?

- De certa forma, não. Pois eu aprendi uma lição muito grande disto, e com certeza ela nos será útil no futuro.

- Que futuro, Mairon...? Nós vamos morrer...!

- Lembre-se das minhas palavras, senhor... eu vencerei aos Valar pela astúcia. E lhe serei leal mesmo quando parecer desleal. Guarde-as, ó senhor.

Morgoth, que era muito mais passional que Sauron, apertou-o com ainda mais força contra si, e lhe disse afinal:

- Mairon, obrigado pelos serviços até agora... você foi esplêndido... se você fosse o senhor em meu lugar, com toda a certeza o fim não seria esse.

- Não diga uma coisa destas, ó senhor...! Que eu consigo não me posso comparar. Mesmo assim agradeço-lhe a consideração. Agora... está na hora de nos separarmos.

- Não... fique aqui comigo, ao menos até o final.

- Senhor... por favor, me escute...

- Não. Mairon...! Você para mim é quase como um filho...!

Os olhos de Morgoth voltaram a lacrimejar, por mais que ele tentasse segurar. Sauron quase sentiu piedade daquele senhor que um dia tanto adorara, nos dias da juventude sua e do mundo, e que agora decaíra tanto. Mesmo assim, num último esforço, ele saiu dos braços do Senhor do Escuro e se mantivera longe dele.

- Mairon...!

De uma única vez, vários Maiar e Valar invadiram a masmorra. E lá encontraram os dois piores inimigos de Arda, juntos afinal.

Manwë, em toda sua majestade, tomou a Angainor e a mostrou a Morgoth, o qual se encontrava impotente, encolhido de medo.

- Lembra dela, ó Morgoth Bauglir?

Era a corrente que o contivera por três eras. O esgar de terror era claro em seu rosto.

- Manwë...! Você... seria capaz de tamanha crueldade?

- Quem é você para falar em crueldade?!

E num brilho de poder intenso, numa força que, àquele instante, era muitas vezes maior que a do outro, Manwë o atou firmemente com a corrente forjada por Aulë. Morgoth, em desespero, urrou de dor e sofrimento.

Sauron foi tomado por inúmeros Maiar, bem como alguns Valar, como Eonwë. Ao contrário de seu senhor, ele não demonstrava sentimento algum; deixava-se prender sem resistência, também.

Sem mais palavras, Manwë ordenou que ambos fôssem levados de lá, para o supremo julgamento em Valinor.

- Vamos! Levem-nos! Mantenhamos ambos presos em salas diferentes, para que não confabulem um com o outro!

E rápido como chegaram, todos os Valar e Maiar auxiliares partiram, levando os senhores de Angband consigo, sem encontrar mais a resistência de quem quer que fosse: todas as criaturas de Angband remanescentes haviam fugido, ou se escondido em terror. Ninguém, àquela hora, estava do lado do Senhor do Escuro.

Ninguém, além da astúcia de Sauron, o qual, silencioso e aparentemente entregue e submisso aos Valar, maquinava planos em sua mente experimentada nas artimanhas da malícia e do embuste.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

Aí gente... se eu errei muito aí, me perdoem tá? Rsrsrs! Faz muito tempo que li o Silmarillion pela última vez. Mas esse tema, bem como a inteligência do Sauron pra fazer "coisas" (rs) me chamou a atenção e eu comecei esse plot.

Beijos a todos e todas!