Título: Para Além da Adolescência

Autoria: FireKai

Aviso: Esta história foi originalmente publicada num dos meus fotologs e as personagens foram criadas por mim

Sumário: Nesta história acompanharemos as vidas de alguns alunos do secundário, bem como alguns adultos, no combate diário entre aulas, empregos, amor, amizade, confusões, relacionamentos e situações caricatas. Quem disse que a vida era monótona, estava enganado.

Para Além da Adolescência

Para já, deixo uma breve apresentação das personagens principais da história, pelo menos no início:

1. Elisa Monteiro, 18 anos, cabelo preto pelos ombros, olhos castanhos

Elisa é trabalhadora estudante. Adora fotografia, é uma jovem simples e gosta de resolver as situações com calma, sendo que não aprova da violência, excepto em casos extremos. Elisa trabalha na Florista Maravilha.

2. Ricardo Esteves, 18 anos, cabelo castanho, curto, olhos verdes

Ricardo é o capitão da equipa de futebol da escola. É um rapaz calmo, mas determinado e algo competitivo. É muito dedicado à mãe e cuida dela, já que é a única familiar que também, para além do pai que já não vê há bastante tempo.

3. Amanda Sobral, 18 anos, cabelo loiro, comprido, olhos azuis

Amanda é uma jovem bastante vaidosa e um pouco preconceituosa. Há algum tempo que está de olho em Ricardo, pois acha-o bonito e popular. O seu sonho é ser uma estilista famosa.

4. Bruno Bruxelas, 19 anos, cabelo preto, curto, olhos cinzentos

Bruno é um rapaz convencido, que acha que sabe mais que os outros e que tem sempre razão. É o melhor amigo de Ricardo e por vezes é irresponsável nas atitudes que toma e também no que diz.

5. Liliana Barreto, 17 anos, cabelo castanho, comprido, olhos castanhos

Liliana é a melhor amiga de Elisa, desde que eram crianças. É uma rapariga tímida, bastante estudiosa e sonhadora. Quer ser actriz, mas acha que o sonho é quase impossível, pois é demasiado tímida para representar à frente de outras pessoas.

6. Leandro Nunes, 18 anos, cabelo loiro, apanhado num pequeno rabo-de-cavalo, olhos verdes

Leandro é um rapaz bastante extrovertido e falador. É gay assumido, descomplexado e costuma dar-se bem com toda a gente, mas quando se zanga, também sabe ser mau para enfrentar as situações. Adora cantar e tem uma voz muito agradável.

7. Ivo Gomes, 19 anos, cabelo preto, olhos castanhos

Ivo é um rapaz atlético, que adora desporto. Normalmente é calmo e tenta passar despercebido, mas detesta injustiças para com os outros. É negro e sente vergonha disso, pela descriminação que sofreu no passado, o que o faz afastar-se das outras pessoas.

8. Regina Cipriano, 19 anos, cabelo ruivo, comprido, olhos castanhos

Regina é uma rapariga muito desinibida. É vaidosa e esforça-se por ser provocante, dar nas vistas e ser o centro das atenções. Regina veste-se sempre de maneira reveladora e quer ser, no futuro, actriz de filmes pornográficos.

9. Margarida Esteves, 42 anos, cabelo castanho, pelos ombros, olhos verdes

Margarida é a mãe de Ricardo. Gosta muito do filho, que é o seu único apoio, já que o seu marido se separou dela e foi para o estrangeiro, não voltando a dar noticias. Margarida faz trabalhos de costura em casa e tem problemas de saúde ao nível do coração, pelo que a medicação é cara e o seu filho Ricardo está sempre preocupado com ela.

10. Américo Europa, 51 anos, cabelo preto, curto, olhos cinzentos

Américo é o director da escola. É uma pessoa autoritária e que gosta que tudo seja feito à sua maneira. Acha que os alunos mais velhos deviam ser mais educados, mas é mais permissivo com os alunos mais novos. É anafado e um pouco gordo.

11. Delfina Barroso, 45 anos, cabelo castanho, pelos ombros, olhos castanhos

Delfina é uma das auxiliares da escola. É uma pessoa bastante coscuvilheira e que presta atenção a tudo. Tem sempre opinião sobre tudo e todos, normalmente uma opinião má, pois costuma ser implicante. Quer subir na vida e ter mais dinheiro.

12. Francisco Loulé, 27 anos, cabelo loiro, olhos azuis

Francisco é professor de Inglês. Adora dar aulas, pois é essa a sua vocação. Disponibiliza-se para ajudar os alunos em tudo, mas fora da escola é uma pessoa bastante solitária e quase não tem amigos.

13. Linda Costa, 25 anos, cabelo preto, pelos ombros, olhos castanhos

Linda é outra das auxiliares da escola. Ao contrário de Delfina, Linda é bastante simpática com toda a gente e gosta dos alunos. É mãe solteira e adora o filho acima de tudo.

14. Tomás Costa, 6 anos, cabelo preto, olhos castanhos

Tomás é o filho de Linda. É uma criança bastante irrequieta e curiosa. Passa algum tempo na escola onde a mãe trabalha, depois de sair do infantário e os professores costumam achar-lhe graça.

15. Eugénia Lombada, 59 anos, cabelo cinzento, pelos ombros, olhos cinzentos

Eugénia é a patroa de Elisa e dona da Florista Maravilha. Eugénia é uma pessoa bastante mal disposta, que está quase sempre aborrecida com alguma coisa, pois nunca casou e agora sente-se sozinha, pelo que descarrega as suas frustrações nos outros.

E feitas as apresentações, que comece a história!

Capítulo 1: Inicio das Aulas

O toque de entrada, que assinalava o início de mais um ano escolar, ecoou pela escola Santa Marta das Carumas. Os alunos que ainda não tinham chegado à sua sala de aula apressaram o passo. Ricardo e o seu amigo Bruno correram rapidamente em direcção à sua sala de aula. Não queriam chegar atrasados logo no primeiro dia.

Atravessaram o corredor do edifício e viram a porta da sala aberta. Apressaram-se a entrar e a escolherem um lugar para se sentarem. Pouco depois, o professor de inglês, Francisco Loulé, entrou na sala de aula. Pousou a sua pasta em cima da sua mesa e olhou para a turma.

"Bom dia a todos." disse ele.

As conversas que os alunos estavam a ter nesse momento, cessaram. Alguns deram os bons dias ao professor, enquanto outros apenas se remeteram ao silêncio. Elisa, com a sua máquina fotográfica pendurada ao pescoço, estava sentada no fundo da sala, com Liliana a seu lado.

Amanda estava sentada um lugar à frente das duas amigas. Parara de limar as unhas e olhava, sem grande interesse, para o professor. Leandro estava sentado na fila da frente e ao seu lado sentara-se Regina, que trazia roupas muito decotadas.

A maioria dos rapazes não parava de olhar para ela e ela sorria-lhes, encorajando-os. Ivo, que estava na ponta oposta da sala, corou quando Regina lhe piscou o olho. Até o professor se sentiu corar ao olhar para a aluna, mas apressou-se a desviar o olhar para a turma em geral.

O professor apresentou-se à turma, dizendo que seria o professor de inglês e também o director de turma. Depois, pediu aos alunos para se apresentarem um a um.

"Eu chamo-me Elisa Monteiro e tenho 18 anos." apresentou-se Elisa, sorrindo.

"E pelo que vejo, gostas de fotografia." disse o professor, olhando para a máquina fotográfica.

"Sim. Adoro fotografia."

"Podias tirar-nos uma foto todos juntos. Depois ficava para recordação." sugeriu Leandro.

"Parece-me uma óptima ideia. Depois das apresentações, tiramos todos uma fotografia de grupo." disse o professor. "Ok, quem é o próximo a apresentar-se?"

Os alunos foram-se apresentando. Enquanto algumas pessoas se mostravam realmente interessadas em começarem a fixar os nomes dos novos colegas, já que a maioria dos alunos eram desconhecidos uns dos outros, salvo algumas excepções, outros tinham a sua cabeça longe das apresentações.

"Estou mesmo gira. Bem, eu sei que sou boa." pensava Regina. "Imensos rapazes olharam para mim. Hum e ainda não dormi com aquele, nem com aquele... hum, tenho de anotar os nomes deles."

"Os colegas parecem bastante simpáticos. Isso é bom. Pena que quase a totalidade da minha turma do ano passado tenha reprovado. Agora, da turma original só aqui estou eu e o Bruno. Enfim, tudo há-de correr pelo melhor. Espero que a minha mãe esteja bem. Estava pálida esta manhã..." pensava Ricardo.

"Quem me dera ser desinibida como aquela rapariga." pensava Liliana, olhando de relance para Regina. "Quer dizer, também não tão desinibida, mas ela não se deve preocupar com o que os outros pensam. Ah, ser tímida é tão chato, mas não consigo ultrapassar isto..."

"Esta turma parece interessante. Estou a conseguir adaptar-me à cidade. Ter de me mudar por causa do emprego do meu pai e vir para uma nova escola não é fácil." pensava Leandro. "Mas os colegas parecem interessantes. Esta ao meu lado, mais um bocadinho e vinha com o peito à mostra. Até eu que sou gay fiquei a olhar para ela feito parvo."

"O décimo segundo ano não há-de ser fácil." pensava Ivo, um pouco apreensivo. "Espero que tudo corra bem. Tenho de ver se me inscrevo nalgumas actividades. Mas tenho de conseguir estudar bastante e ter boas notas também. Hei-de entrar na universidade. Não é por eu ser negro que hei-de ficar para trás. Nem pensar."

Depois das apresentações terminarem, o professor deu-lhes as fichas da caderneta para preencherem com os seus dados. Quando já todos tinham preenchido, o professor chamou Elisa.

"A tua máquina dá para ser programada, para ficarmos todos na fotografia?" perguntou ele.

"Claro que sim." respondeu Elisa.

Elisa posicionou a máquina fotográfica em cima da mesa do professor e ajustou-a. O professor organizou os outros alunos para se juntarem. A maioria dos rapazes colou-se a Regina, enquanto Liliana tentava não ficar muito próxima de ninguém.

"Ok, temos dez segundos." avisou Elisa.

Elisa correu para junto dos outros e segundos depois, a máquina tirou a fotografia. Era o primeiro dia de aulas, mas para os alunos daquela turma, ainda haveria muita coisa que iria acontecer.

Depois de terem tirado a fotografia, o professor dispensou-os. Os alunos apressaram-se a sair da sala de aula. Amanda aproximou-se de Elisa e Liliana, que vinham a sair juntas.

"Olá. Olha... como é que te chamas? Elvira?" perguntou Amanda.

"Não. Chamo-me Elisa."

"Ah, sim, é parecido. Então, Elisa, achei interessante andares por aqui com a tua máquina fotográfica. Andas sempre com ela?" perguntou Amanda.

"Nem sempre. Hoje é um dia especial, porque é o primeiro dia de aulas. Nos dias normais, não ando sempre com ela, principalmente quando tivermos educação física. Não confio nos cacifos da escola para guardarem lá a minha máquina."

"Estou a ver. Sabes, eu também gosto de fotografia, mas é mais da parte de me fotografarem a mim do que de ser eu a tirar as fotografias." disse Amanda, rindo-se. "Acho que podemos dar-nos bem."

"Espero que sim." disse Elisa.

"E tu, miúda calada, qual é o teu nome?" perguntou Amanda.

"Eu? Ah, chamo-me Liliana."

"E vê-se que não falas muito. Às vezes é bom. Mas as que não falam muito são as piores. Se bem que assim não abrem a boca e é da maneira que não dizem asneira." disse Amanda, rindo-se como se tivesse dito uma piada. "Bem, tenho de ir comer qualquer coisa. Até logo."

Amanda afastou-se, enquanto Elisa não sabia se tinha ou não gostado da abordagem da nova colega e Liliana ponderava se Amanda queria dizer que ela tinha cara de alguém que só dizia disparates.

Enquanto isso, Ricardo e Bruno tinham já saído da sala de aula e caminhavam pelo corredor. Leandro caminhava um pouco à frente deles e ia conversando com uma das novas colegas de turma. Bruno olhou para ele e abanou a cabeça.

"Aquele é mesmo gay." disse ele, olhando para a maneira como Leandro caminhava.

"E se for?" perguntou Ricardo, sem prestar muita atenção.

"Se for? Eh, para mim é-me indiferente. Não é como se eu me sentisse atraído por rapazes ou algo assim. Até nem tenho problema nenhum com os gays. Mas não devemos estar perto deles."

"Porquê? Que eu saiba a orientação sexual não é uma doença contagiosa."

"Não? Andas mal informado. Se tu fores amigo de um gay, ficas gay também. É verdade. São do piorio. Os gays atiram-se a todos os rapazes que virem."

Ricardo parou de andar, olhando para o amigo, surpreendido.

"Desculpa? Eu não estou a acreditar no que estou a ouvir, Bruno." disse Ricardo, abanando a cabeça. "Desde quando é que ser amigo de um gay te faz gay também?"

"Ora, foi o que ouvi. E deve ser verdade."

"Isso é completamente estúpido. Então e se fores amigo de um chinês, ficas chinês ou de olhos em bico? Ou se fores amigo de um negro, a tua cor de pele escurece? Ah, já agora, temos de ter cuidado se formos amigos de velhotes. Podemos ficar com os cabelos brancos ou caírem-nos os dentes." disse Ricardo, de forma sarcástica.

Bruno hesitou por um segundo e depois pareceu ficar um pouco embaraçado com a estupidez que tinha dito.

"E os gays e as lésbicas não se atiram a toda a gente. Olha lá, tu atiras-te a todas as raparigas que vês?"

"Não. Claro que não."

"Então porque é que alguém com uma orientação sexual diferente ia fazer isso? Têm sentimentos como qualquer pessoa e querem encontrar alguém que seja compatível com eles. Tal como eu quero encontrar uma rapariga que seja compatível comigo."

"Ok, já percebi. Pronto, já não falo mais no assunto. Vamos lá fora. Quero ir fumar um cigarro."

"Isso só te faz mal." disse Ricardo, abanando a cabeça. "Andas a estragar a tua saúde."

"Está bem, mãezinha." disse Bruno, não prestando qualquer atenção e tirando de seguida um maço de cigarros do bolso. "Eu penso na minha saúde mais tarde."

Ricardo abanou a cabeça e seguiu o amigo até à rua. Enquanto isso, Ivo sentara-se a um canto, sozinho, como era costume seu. Por seu lado, Regina ainda não tinha passado da porta da sala. Vários rapazes rodeavam-na, falando com ela, enquanto ela pegara num bloco de notas e escrevia nomes e números de telefone.

"Disseste que te chamas Rogério? Está bem, marcamos um encontro para sexta-feira à noite. Olha lá, os teus pais vão estar em casa nessa noite?"

"Não. Eles trabalham de noite. Só chegam de madrugada." respondeu Rogério.

Regina sorriu abertamente e um dos rapazes quase desmaiou de emoção.

"Óptimo. Isto para nós estarmos mais à vontade, é claro. E tu, Élvio, marcamos então para quarta-feira? Maravilha."

Regina recolheu todos os nomes e números e conseguiu livrar-se dos rapazes.

"Pronto, já tenho imensos números e nomes. Assim é que é." pensou Regina, satisfeita. "Não me escapam. Ah, tenho de me lembrar de comprar mais caixas de preservativos. Tenho de estar sempre prevenida. Ah, com este treino todo, hei-de ser a melhor actriz porno de sempre!"

As aulas continuaram, mas terminaram rapidamente pois ainda era o primeiro dia e os professores apenas faziam as apresentações e os preenchimentos de fichas, antes de dispensarem os alunos.

Quem não estava nada contente com a confusão trazida pelo início de mais um ano escolar era Delfina Barroso, uma das auxiliares, que andava nesse momento a varrer o chão.

"Ainda agora chegaram e já estão a sujar. Andam a mandar papeis para o chão. Badalhocos, é o que eu digo. Badalhocos! Deviam era ser todos presos e condenados a trabalhos forçados, para aprenderem a não serem porcos." resmungava Delfina.

A sua colega, Linda, estava bastante mais calma que Delfina e estava a ajudá-la a varrer o corredor.

"Trabalhos forçados? Isso é um pouco exagerado." disse Linda.

"Uma ova! Ah, seu eu mandasse nesta escola, muita coisa ia mudar. Primeiro, usavam todos fardas. Estes jovens agora vestem-se todos mal. Uns andam com as calças tão em baixo que quase parece que as calças lhes vão cair e depois vêem-se as cuecas e os boxers. Que pouca vergonha! E as raparigas, com mini saias e tops justos. Algumas têm decotes tão grandes que parecem do tamanho do buraco do Ozono." resmungou Delfina.

Linda encolheu os ombros. Não valia a pena tentar dizer nada a Delfina, pois ela só ouvia a suas próprias opiniões.

"E os professores? Alguns andam aí todos barbudos. Parecem os homens das cavernas. Cuidem-se, ora bolas! No meu tempo é que se queriam os homens feios e a cheirar a cavalo. Agora não. Ainda bem! E as professoras, todas emproadas, nos seus fatos de bom corte. Devem pensar que são rainhas! Devem achar que estão muito acima de nós. Ai se fosse eu a mandar nisto!"

Delfina continuou a falar durante bastante tempo, até mesmo depois de Linda se fartar e ir fazer outra coisa, mas Delfina não precisava que ninguém a ouvisse, porque até gostava do som da sua própria voz.

Quando as aulas terminaram, os alunos começaram a sair.

"Eu vou ter de ir trabalhar." disse Elisa, à sua amiga Liliana. "Vemo-nos amanhã."

"Ah, então tu estudas e trabalhas?" perguntou Amanda, surgindo por detrás de Elisa.

"Sim. Trabalho numa florista. Gosto de ter o meu dinheiro." respondeu Elisa. "Para depois poder comprar as minhas coisas. Como foi o caso da minha máquina fotográfica."

"Estou a ver. Eu não sou muito amante de trabalhar, sou sincera. Mas quero ser estilista. Desenhar roupas, fazer desfiles de moda, isso sim, é um espectáculo."

"Sim, mas deve ser complicado. Bem, tenho mesmo de ir. Até amanhã."

Elisa foi-se embora. Amanda lançou um olhar a Liliana, mas decidindo que não valia a pena perder tempo a falar com ela, apressou-se a seguir o seu caminho. Liliana caminhou calmamente pelo corredor e a sua atenção foi dirigida de seguida a Ivo, que caminhava lentamente também. Ia sozinho como ela.

"Não sou a única que vou aqui sozinha." pensou ela. "Mas ele é da minha turma e não falou quase nada durante as aulas. Esteve sempre a um canto, sozinho. Como é que ele se chama? Igor? Não... ah, Ivo! Sim, é isso. Deve ser tímido, como eu."

Ricardo e Bruno saíram do edifício principal, onde se localizavam as salas de aula e dirigiram-se ao ginásio.

"Vamos ver se lá está o professor Martim." disse Bruno. "Se calhar pode nem lá estar hoje."

"Se não estiver, falamos com ele amanhã. Mas tenho de ver como é que fica a situação da equipa de futebol. Eu era o capitão e quero saber se continuo a ser e como é que vai ser a equipa este ano. Esse tipo de coisas. Tem de se começar a organizar tudo desde o princípio."

Quando chegaram ao ginásio, um auxiliar informou-os que o professor Martim Bastos não estava ali e só viria no dia seguinte. Ricardo acabou por se despedir de Bruno e dirigiu-se a casa. Ricardo vivia numa pequena casa branca na periferia da cidade. Ao entrar em casa, ouviu de imediato o som da máquina de costura e dirigiu-se à sala.

A sua mãe, Margarida, estava lá a coser umas calças de um cliente. Ao ver o filho entrar, sorriu-lhe, parou de trabalhar e foi dar-lhe um beijo.

"Correu bem o primeiro dia de aulas?" perguntou ela.

"Foi normal. E tu, não te sentiste mal durante o dia?"

"Senti-me um pouco zonza de manhã, mas passou. Tenho estado a trabalhar. Vieram cá pôr-me algumas roupas para coser e emendar. Temos de aproveitar, porque assim sempre é mais algum dinheiro que entra."

"Mas não te deves esforçar muito, mãe. Sabes que te faz mal. Eu devia arranjar um part-time para..."

"Não! Tu és jovem. Tens de estudar e divertires-te agora. Ainda não está na altura de te preocupares com trabalho." disse Margarida, firmemente. "Quero que aproveites a tua adolescência, filho. E eu estou bem, não te preocupes. Conseguimos sobreviver com o que eu ganho, por isso está descansado."

Longe dali, Liliana saiu da escola e decidiu ir beber um sumo ao café, antes de ir para casa. Entrou no café que se localizava logo à frente da escola. Pediu um sumo de laranja e quando a empregada lho trouxe, viu que Leandro, que estava sentado sozinho numa mesa, lhe estava a acenar. Hesitou, mas acabou por se aproximar lentamente. Normalmente ficava sempre nervosa quando estava muito perto de rapazes.

"Olá. Desculpa estar a acenar-te, mas reconheci-te como sendo da minha turma. És do 12ª D, não és?" perguntou Leandro.

"Ah, sim. Sou."

"Eu chamo-me Leandro. E não prestei atenção ao teu nome na aula. Desculpa."

"Ah, chamo-me Liliana."

"Liliana é um nome bonito. Posso chamar-te Lili?"

"Lili? Er... acho que sim." respondeu Liliana, hesitante, pois nunca ninguém a tratava por Lili.

"Queres sentar-te aqui comigo? Não nos conhecemos, mas pareces simpática."

Liliana acabou por acenar afirmativamente e sentou-se. Bebeu um gole do seu sumo e olhou para Leandro, que lhe sorria.

"Estás muito nervosa. Eu não mordo." disse ele.

"Desculpa, é que eu sou tímida por natureza. Principalmente com rapazes." admitiu Liliana.

"Ah, estou a perceber. Mas não tens de estar assim comigo. Não vou tentar beijar-te, seduzir-te ou o que quer que seja. Achei apenas que podíamos ser amigos." disse Leandro. "Não tenho amigos na escola, porque me mudei para a cidade há pouco tempo e não conheço praticamente ninguém. Vim para cá porque o meu pai arranjou emprego aqui."

"Estou a perceber. Pareces simpático também, mas não sei se eu seria grande amiga. Sou demasiado desinteressante e tímida."

"Não te subestimes. Pareces ser interessante, mas não te soltas muito. Por isso, cá estou eu para te fazer falar e te divertir." disse Leandro. "E mais vale uma pessoa ser tímida do que convencida. Então, do que é que gostas?"

"Eu? Hum... de ler. E gostava de ser actriz, mas nunca vai acontecer."

"Por seres tímida? Isso é uma estupidez. Ouvi dizer que a escola tem um núcleo de teatro amador. Estás lá inscrita?"

Liliana abanou rapidamente a cabeça, em sinal negativo.

"Porque não?"

"Porque já disse que sou tímida. Só de pensar que depois tinha de actuar à frente de imensa gente, dá-me arrepios."

"Estou a ver. Mas não podes largar assim o teu sonho, se realmente gostavas de ser actriz. Proponho que nos inscrevamos os dois no clube de teatro. Há-de ser divertido. Aceitas?"

Liliana hesitou. Já tinha visto algumas peças representadas pelo clube de teatro e tinha gostado muito, mas daí a ser ela a pisar o palco, era algo bastante diferente. Leandro não esperou que ela respondesse.

"Aceito o teu silêncio como um sim. Vamos divertir-nos, podes seguir com o teu sonho e pode ser que alguma peça tenha algo musical. Eu quero seguir a área da música."

Enquanto isso, Elisa tinha chegado à florista onde trabalhava e apressara-se a colocar um avental verde, que era parte essencial da farda. A sua patroa, Eugénia, aproximou-se.

"Hoje chegaste mesmo em cima da hora." disse ela, olhando para Elisa. "O que se passou?"

"Começaram as aulas." respondeu Elisa. "E a meio do caminho encontrei um amigo que não via há algum tempo e fiquei a conversar. Mas não cheguei atrasada."

Eugénia suspirou. Bem que lhe apetecia ralhar um pouco com alguém, mas como Elisa não tinha efectivamente chegado atrasada, não tinha desculpa nenhuma para ralhar com ela.

"Vai ajudar a Maria Papoila a fazer aqueles arranjos para a dona Florência. Agora anda toda contente com o marido. Dantes davam-se mal, mas resolveram as coisas e até andam a passear por todo o lado. E eu aqui encalhada! Raios partam!" exclamou Eugénia.

Elisa, conhecendo o temperamento da patroa, apressou-se a ir para ao pé da colega Maria Papoila, uma mulher de quarenta anos e cabelo castanho e começaram a fazer os arranjos. Eugénia foi ter com elas pouco depois.

"E já me esquecia, precisamos de um ramo de rosas e gerberas para o senhor Tiago, que vai levar as flores à mãe, a dona Virginia Meireles, aquela maluca que foi presa por ser uma assassina em série. Eu não lhe levava flores nenhumas, se estivesse no lugar dele, mas enfim... ao trabalho, molengas!"

No dia seguinte, quando Elisa chegou à sala de aula, encontrou Liliana e Leandro a conversar. Liliana apresentou-o e ele falou-lhe do clube de teatro.

"Conseguiste convencer a Liliana a participar no clube de teatro? Deve ser milagre! Eu há imenso tempo que tento fazer isso e nunca a consigo convencer." disse Elisa.

"Pois, mas tu não vais comigo e ele vai." disse Liliana. "Sinto-me pelo menos um bocadinho nervosa se lá estiver alguém que eu conheça."

"Percebo, Liliana. Mas vai correr tudo bem. E quando estrearem uma peça, eu vou lá estar para vos ver." disse Elisa, sorrindo.

As aulas começaram e nesse dia, com as apresentações terminadas, os alunos tiveram de prestar atenção às aulas. Ou pelo menos, alguns prestaram atenção. Regina ia tomando notas, enquanto os rapazes ao pé de si estavam mais interessados em tentar olhar-lhe para o decote ou as pernas.

Bruno ia olhando para fora de janela, para o relógio e ocasionalmente passava o olhar pelos restantes alunos, achando-os bastante enfadonhos. Pousou o seu olhar em Amanda, que quando viu que ele estava a olhar para ela, lhe lançou um olhar de desprezo. Bruno achou-a parva e de seguida, Leandro olhou para trás e os dois cruzaram olhares. Bruno apressou-se a virar a cara.

Elisa tinha deixado a máquina fotográfica em casa nesse dia, pois iam tirar aula de educação física e como era uma aula de uma hora e meia, estava já a prevenir-se de que não seria só apresentação.

Quando chegou a altura da aula de educação física, todos se dirigiram ao ginásio. O professor Martim Bastos recebeu-os, fizeram a apresentação e depois preencheram as fichas da caderneta.

"Como temos ainda tempo, espero que tenham trazido os vossos equipamentos, porque vamos fazer algum exercício físico básico." disse ele.

"Eu não trouxe nada. Pensei que fossemos só fazer a apresentação." disse Amanda.

"Quem não trouxe, pede à auxiliar do ginásio para arranjar uns calções ou calças de desporto. Mas lembrem-se que eu aprecio muito a responsabilidade e não gosto que se tentem esquivar às minhas aulas, esquecendo-se do vosso próprio equipamento." disse o professor. "Podem ir mudar de roupa. E você, menina Regina, espero que tenha roupas decentes para praticar desporto. Não quero nada decotado na minha aula. Quero os alunos concentrados no exercício físico que fazemos aqui e não noutras coisas."

Regina encolheu os ombros e a turma separou-se, indo as raparigas para um balneário e os rapazes para outro. Quando chegaram ao seu balneário, os rapazes começaram a mudar de roupa para t-shirts confortáveis para a prática de desporto e alguns vestiram calções. Bruno olhou, desagradado, para Leandro.

"Então Bruno, despacha-te, senão ainda levas uma reprimenda do professor." disse Ricardo, que estava a vestir uns calções azuis. "Já sabes que ele é exigente."

"Eu não me vou despir e vestir à frente dele." disse Bruno, olhando para Leandro.

Bruno não fez qualquer menção de falar mais baixo, pelo que todos os outros rapazes o ouviram. Ivo franziu o sobrolho, sem perceber, mas manteve-se calado. Por seu lado, Leandro deu um passo na direcção de Bruno.

"Desculpa lá, mas há algum problema?" perguntou ele.

"Sim, há. Tu. És gay, vê-se bem. E estás aqui à espera de nos ver nus. Eu sei bem que é assim. Nem sequer vou tomar banho aqui nos balneários. De certeza que nos vais ficar a espiar, seu tarado." disse Bruno, encarando Leandro.

Alguns dos outros alunos ficaram silenciosos, outros expressaram alguma concordância com o que Bruno estava a dizer.

"Sim, sou gay e daí? Achas que sou menos que tu? Que valho menos? Pois estás enganado. E não sou nenhum tarado. Nem sequer estava a olhar para ti, nem para nenhum de vocês, ouviram? És apenas um estúpido preconceituoso."

"Não quero ter-te por perto, a expiar-me. Dizes que não estavas a olhar, mas eu sei lá se isso era verdade ou não."

"Sabes uma coisa? O problema não sou eu. És tu. Tu é que não me pareces muito seguro da tua própria sexualidade, senão não fazias tanto alarido, nem a minha presença te incomodava. O mesmo se aplica a todos os que tenham a mesma ideia que ele."

Leandro virou costas e saiu do balneário, pois já tinha o equipamento vestido. Bruno ficou primeiro pálido e depois vermelho de fúria.

"Como é que ele se atreve?" perguntou ele, furioso.

"A culpa foi toda tua." disse Ricardo, abanando a cabeça. "Foste parvo e ele deu-te a resposta que merecias."

"Com esses preconceitos todos, não chegas a lado nenhum." disse Ivo, saindo de seguida do balneário.

A discussão estava longe de o envolver de qualquer maneira, pois era-lhe indiferente se Leandro era gay ou não, mas sendo Bruno preconceituoso, Ivo preocupava-se pois, mais tarde ou mais cedo, Bruno poderia insultá-lo por causa da cor da sua pele.

"Agora, despacha-te para irmos para a aula." disse Ricardo. "E pensa duas vezes antes de abrires a boca, Bruno."

"Devias estar do meu lado! Eu é que sou teu amigo e não aquele estúpido."

"Eu estou do lado da razão. Sou teu amigo, mas não é por isso que deixo de ver o que está certo ou errado." disse Ricardo.

Ricardo saiu do balneário e Bruno mudou de roupa rapidamente.

"Aquele estúpido ainda vai pagar por isto!" pensou ele. "Respondeu-me mal e ainda pôs os outros do lado dele! Argh! Não, isto não fica assim, garanto."

Enquanto no balneário dos rapazes se dava a discussão entre Leandro e Bruno, no balneário das raparigas, iniciava-se também uma discussão, entre Amanda e Regina. Regina, enquanto vestia um top menos revelador do que o habitual, disse a todas as outras raparigas que era a mais bonita de todas elas. Amanda não gostou.

"Desculpa? Mais bonita uma ova!" exclamou ela, encarando Regina. "Tu andas é com tudo à mostra. Assim qualquer uma pode ser popular, até a mosca morta da Liliana."

Liliana bufou, aborrecida. Já se estava a cansar da maneira como Amanda se referia a ela, como se não tivesse qualquer tipo de importância ou personalidade.

"Isso é inveja, querida." disse Regina. "Tu podes pensar que és bonita e não és feia de todo, verdade seja dita, mas eu sou mais bonita."

"Sabes o que é que és? És uma desavergonhada! Andas aí com essas roupas nojentas, a mostrar as pernas, o peito e tudo mais. Entretanto ainda apareces aqui nua."

"Não sejas idiota. Eu gosto de chamar a atenção, é verdade. E o que é bonito, é para se ver. Eu tenho de atrair a atenção dos rapazes. No futuro, vou precisar disso para a minha profissão."

"Ah, então peço desculpa. Vestes-te assim para a tua profissão." disse Amanda, de modo sarcástico. "Lamento. Não sabia. Podias ter-me dito que querias ser prostituta, que eu assim tinha entendido logo."

Regina bufou de raiva e no momento seguinte, atirou-se a Amanda. Amanda gritou, sendo lançada ao chão. Regina começou a puxar-lhe os cabelos, enquanto Amanda gritava e tentava esbofeteá-la. Algumas das outras raparigas, incluindo Elisa, tentaram afastá-las.

"Força Regina. Dá-lhe." murmurou Liliana, quase sorrindo.

As raparigas conseguiram tirar Regina de cima de Amanda, que se afastou.

"Sua selvagem!" gritou Amanda.

"Se voltas a insultar-me, levas algumas estaladas até aprenderes a estar de boca fechada. Eu faço o que quiser da minha vida e não, não vou ser nenhuma prostituta. Mas se fosse, não tinhas nada a ver com isso."

Regina saiu do balneário, seguida por algumas das colegas, incluindo Liliana. Elisa aproximou-se de Amanda.

"Tu estás bem?"

"Sim, estou. Mas aquela estúpida e selvagem arrancou-me alguns cabelos. Agora tenho de ir outra vez à cabeleireira." queixou-se Amanda. "Mas eu não disse nada que as outras pessoas não estivessem já a pensar."

"É melhor irmos para a aula." disse Elisa. "Anda."

E assim termina o primeiro capítulo. As personagens estão apresentadas, as confusões já começaram e muito mais está para vir. Até ao próximo capítulo.