Disclaimer: Magic Knight Rayearth é propriedade do grupo CLAMP. Faço este fic sem fins lucrativos, apenas por diversão.

Curtain of Feelings

Capítulo Um: Chuva

Revisado por Pyoko-chan

Estava uma vez mais naquela grande biblioteca. Era um ótimo e tranqüilo lugar para se estar, principalmente quando não havia nada melhor para fazer. Um livro de psicologia aberto em mãos, os pés descansados folgadamente sobre a mesa entre duas enormes prateleiras de livros. Estava sozinho naquela sessão e realmente era bem difícil ver alguma pessoa a mais lendo livros de psicologia numa biblioteca pública. Mas ele nunca reclamara da solidão, embora não tivesse nada contra agradáveis companhias, quem quer que fosse. As pessoas costumavam dizer que ele era muito sociável. Sempre conseguia se dar bem com todas as pessoas que encontrava, mas claro que ninguém conseguia entender porque ele ainda não tinha uma namorada, noiva, esposa ou qualquer um dos derivados. Era verdade que apenas as pessoas mais próximas sabiam o quanto ele era fechado, o quanto guardava segredos e principalmente… o quanto se preocupava com os outros.

Virou a página do livro, sem se importar com a hora. Era normal ficar perdido nos livros por um bom tempo, mas quando chegava em casa, sempre levava bronca de seu pai por não atender ao telefone o dia inteiro. Claro, ele teria que gastar todo o seu tempo livre trabalhando como o pai. E sim, por mais que já tivesse idade o suficiente, não abandonava a casa de seu pai, era praticamente um prisioneiro tanto por não ter a sua mãe, como por terceiros motivos que nunca gostava de lembrar.

Passou a página uma vez mais, mas quando ia começar a ler o próximo capítulo do livro, uma nova presença lhe chamou a atenção. Ergueu a cabeça para encarar um homem alto, de olhos negros e cabelos de mesma cor. A sua roupa lhe dava a aparência de que acabara de sair de um funeral, devia admitir. Uma camisa de mangas cumpridas preta e calça social da mesma cor.

– Sabe me dizer onde é a sessão de Direito? – o homem vestido de preto perguntou-lhe, ignorando completamente a posição desleixada dele na cadeira.

– Ah… duas fileiras pra lá. – respondeu, indicando a sua esquerda, tirando os pés de cima da mesa e sentando-se de maneira correta.

– Obrigado. – ele disse, colocando as mãos nos bolsos e se afastando.

Por alguns segundos, ele seguiu o homem de preto com os olhos. Era um homem estranho, sem expressão no rosto. Não que todas as pessoas precisassem chegar gritando ou sorrindo pra ele, mas simplesmente o achara diferente. Recostou-se na cadeira depois de perdê-lo de vista e mais uma vez abriu o livro, colocando os pés sobre a mesa novamente.

Quando ia recomeçar a ler, sentiu o aparelho celular vibrando no bolso de sua calça. Precisou tirar os pés de cima da mesa novamente para conseguir colocar a mão no bolso e puxar o celular. Fitou o visor, o número era privado, mas já sabia muito bem quem era. Incrível como ele adorava controlar a sua vida. Ignorou o aparelho, colocando-o sobre a mesa e voltou à sua leitura mais uma vez.

Apenas quando tinha terminado de ler mais um capítulo de umas trinta páginas pelo menos, voltou a prestar atenção no aparelho que já devia tocar pela quinta vez seguida. Pegou o celular e esperou-o parar de tocar. Olhou a hora. É já estava mesmo tarde. O relógio no display marcava 20h08min. Para quem estava trancafiado numa biblioteca desde as duas da tarde, já devia ser realmente muito tempo.

Fechou o livro e o colocou de volta ao seu lugar na prateleira. Pôs o celular no bolso e pegou um casaco que estava apoiado na cadeira ao lado. Andou por entre as prateleiras, seguindo até a saída do local. Vestiu o casaco quando ainda estava no meio do corredor. Parou subitamente quando chegou ao lado de fora e viu o estado do tempo… chovia como nunca. Suspirou pesadamente, começando a pensar que precisaria da ajuda do pai para voltar para casa. Poderia voltar andando, pela proximidade, mas ficaria feliz se chegasse vivo em casa com aquela chuva. Colocou as mãos no bolso, já visando pegar o celular, quando finalmente percebeu um detalhe que tinha escapado a seus olhos devido à escuridão da noite. Bem do seu lado esquerdo, aquele mesmo homem que perguntara sobre a sessão de Direito estava parado, olhando o céu como se estivesse apreciando a chuva ou simplesmente esperando-a parar. Não era de se impressionar que tivesse passado despercebido. Com aquela roupa toda negra, deveria se camuflar facilmente no escuro.

Não percebeu o simples fato de ter fixado os olhos nele por um tempo realmente longo. A chuva continuava a ficar cada vez mais forte. Só se deu conta do tempo que estava a observá-lo quando ele virou o rosto e lhe encarou com aquela expressão inexpressiva.

– Acho que também está pensando num jeito de voltar. – o homem disse simplesmente.

– Ahn? Ah… é, tem razão. – sorriu vagamente, continuando a encará-lo, mas ele voltou os olhos para a chuva mais uma vez.

– É interessante como ela consegue ser tão bonita e perigosa ao mesmo tempo… – o homem falou novamente, confundindo a cabeça dele.

– O quê? – perguntou, sem entender do que ele falava.

– A chuva. – o outro respondeu, virando o rosto para encará-lo uma vez mais.

– Ah, claro… a chuva. – ele voltou a olhar a água caindo e dessa vez uma luz clareou o céu, sendo seguida por um som estrondoso.

Quase se assustou quando sentiu a vibração do celular em seu bolso novamente. Claro, tinha que ser ele. Seu pai adorava atormentá-lo. Tirou o celular de dentro do bolso, finalmente atendendo.

– Alô? – fez-se de desentendido, mas logo a resposta veio brusca e preocupada.

Eagle, onde estava esse tempo todo que não atendeu ao celular? – uma conhecida voz masculina implicou do outro lado da linha. Como sempre, tão delicado.

– Er… desculpe, pai. – respondeu, passando a mão pelos cabelos branco-prateados e sorrindo como se o pai pudesse ver seu sorriso. – É que o celular estava no silencioso, não percebi.

Não faça isso novamente, sabe que me deixa preocupado. – o homem implicou mais uma vez.

– Claro. Sinto muito. – Eagle respondeu, olhando para os próprios pés.

Já está voltando para casa? – o pai dele perguntou, num tom decididamente mais brando.

– Sim. Falando nisso, será que pode mandar alguém vir me buscar? – pediu, olhando a rua e os carros passando rapidamente. – Está chovendo muito, e não trouxe nada para me proteger da chuva.

Claro, onde está?

– Na biblioteca. – Eagle respondeu rapidamente. – Perto de casa.

Tudo bem, vou mandar o motorista, deve chegar em alguns minutos. – seu pai avisou rapidamente.

– Certo, vou esperar. – e desligou o telefone.

Depois de colocar o aparelho no bolso novamente, virou-se para aquele homem que ficara parado observando a chuva. Estranhou quando percebeu que ele não estava mais lá. Correu a rua ainda chuvosa com os olhos, e não conseguiu encontrá-lo novamente. Deu de ombros, suspirando pesadamente, então, encostou-se na parede da entrada da biblioteca, esperando pelo carro que o pai mandaria. Estava começando a ficar com frio. Fechou o casaco e deixou as mãos dentro dos bolsos. Acabou tossindo algumas poucas vezes seguidas. Aquilo não era um bom sinal.

Quando reergueu a cabeça, foi por conta do som da buzina de um carro elegante parado bem na frente do lugar onde ele estava. Antes que pudesse dar ao menos um passo na direção deste, o motorista já tinha descido com um guarda-chuva aberto, para levá-lo até o carro sem levar um pingo de chuva sequer.

– "Que exagero." – pensou consigo mesmo enquanto o homem o guiava até a porta de trás da limusine. – Obrigado. – agradeceu quando conseguiu entrar no carro e o motorista fechou a porta em seguida.

Não demorou nem cinco minutos inteiros e o carro já estava estacionando na garagem da enorme mansão. Ele desceu do automóvel sem mais demoras e seguiu para dentro de casa. Não se impressionou quando o pai apareceu para recebê-lo assim que alcançou o hall.

– Só você mesmo para desaparecer da empresa em plena terça-feira! – o homem mais velho falou, parecendo exaltado.

– Sinto muito, pai. – sorriu, como sempre fazia, e passou a mão pelos cabelos. – É que eu não estava me sentindo muito bem… mas não se preocupe, estou bem.

– Tem certeza? – o senhor perguntou e agora tinha uma expressão preocupada.

– Tenho sim. Já disse, não precisa se preocupar comigo. – Eagle repetiu, sorrindo.

– Bom, só não me faça uma coisa dessas novamente. – o mais velho advertiu, colocando as mãos nos bolsos e virando-se, dando alguns passos. – Sabe que não gosto quando resolve desaparecer e não atender às ligações.

– Claro, pai… claro. – Eagle respondeu de maneira despreocupada. Bom, ele tinha demorado pelo menos umas cinco horas para notar a falta do filho na empresa, não? Mas claro que não falaria algo como aquilo com ele. – E Emeraude? Ela está em casa?

– Sim, já está dormindo. – o senhor respondeu, parecendo não se incomodar muito com a mudança drástica de assunto. – Chegou cansada da aula hoje.

– Claro. – Eagle comentou, sorrindo. – Bom, eu posso me deitar agora?

– Não vai jantar? – o homem mais velho se virou para ele novamente, com uma expressão confusa na face.

– Ah… não estou com fome. – Eagle respondeu, sem deixar o sorriso de lado. – Eu jantei fora, estava dando um tempo nas leituras, estou cheio.

– Certo então. – seu pai concordou finalmente, e quando ele já estava seguindo para subir as escadas até seu quarto, ouviu a voz do outro mais uma vez. – Ah! Mais uma coisa…

– Sim? – perguntou, virando-se para ele.

– Amanhã esteja na empresa, e nada de fugir. – o senhor avisou. – O nosso novo sócio chega amanhã, e quero que ele o conheça logo, já que vai trabalhar com você futuramente.

– Amanhã? – Eagle estranhou, afinal, era bem o meio da semana.

– Sim. Houve alguns problemas com a viagem dele, devia estar aqui na segunda, mas só pôde vir hoje. – o pai dele comentou. – Então, esteja na empresa, entendido?

– Claro, pai. – Eagle concordou e finalmente se viu livre para subir as escadas e seguir até seu quarto.

Se seu pai se preocupasse um pouco mais com ele, o deixaria trancafiado em casa, literalmente, e se possível, numa camisa de força, apenas para se certificar de que ele não fugiria. Mas não fazia diferença, sabia do jeito cuidadoso do pai, embora ele não fosse tão bom em demonstrar a preocupação. Ele tinha seus motivos para ter todo aquele cuidado com o filho… o único filho homem.

Finalmente entrou no quarto e fechou a porta ao passar. Andou até a cama e tirou os sapatos, em seguida, despiu o casaco e a camisa que vestia por baixo. Deitou-se, olhando para o teto. Ainda estava frio, e agora, sem roupas para lhe cobrir o tronco, com certeza ficaria mais frio. Não esperou mais e andou até o banheiro, precisava de um banho demorado e com água bem quente de preferência. Não gostava do frio, costumava ficar doente naquela época do ano e quando nevava então… era sair de casa e pegar um resfriado, andar até a esquina e ir para o hospital com pneumonia.

Não demorou tanto quanto queria no banho, mas logo estava com uma enorme camisa de mangas cumpridas e uma calça de moletom confortável, pronto para cair no sono e dormir até altas horas do dia seguinte ou pelo menos planejava, já que teria que ir para a empresa do pai de um jeito ou de outro.

Mas apenas quando deitou na cama, aquele som conhecido lhe chamou a atenção, as gotas de chuva ainda fustigavam as vidraças da janela fechada do seu quarto. Certamente que não ia cessar tão cedo.

Foram precisos apenas dois minutos olhando para as vidraças para lembrar-se da imagem daquele homem estranho observando a chuva momentos atrás. Ele era realmente estranho, e tinha sumido do nada. Será que estava lendo livros demais e começando a ver coisas que não existiam? Poderia ser esquizofrênico também… quem sabe? Mas não importava se era ou não produto de sua imaginação, não fazia muita diferença mesmo se não fosse vê-lo dali em diante novamente.

Bonita e perigosa… – falou de uma maneira quase que inconsciente, enquanto observava a chuva. Em seguida, adormeceu.

Na manhã seguinte, ele conseguiu acordar cedo, de uma maneira impressionante. Não fazia mais tanto frio quanto na noite passada, na verdade, o sol já até brilhava num céu aberto… ou quase. Pelo menos aquilo indicava que possivelmente não ficaria doente.

Tomou banho, trocou de roupa, e finalmente desceu as escadas para acompanhar o pai no café da manhã. Ainda eram oito horas da manhã quando apareceu na sala de jantar e quase conseguiu se assustar ao ver que o pai não estava lá. Arqueou as sobrancelhas antes de seguir até seu lugar na mesa. Será que ele ainda estava dormindo?

Sentou-se e imediatamente uma das empregadas apareceu para lhe servir.

– Posso servir seu café da manhã, Sr. Eagle? Ou vai esperar pela Srtª. Emeraude? – a empregada perguntou, as mãos juntas diante do corpo.

– E meu pai? Ele não desceu para o café da manhã? – ele perguntou, estranhando o fato da jovem não ter tocado no nome de seu pai.

– Ah… o Sr. Rhaels saiu mais cedo. – ela respondeu, no mesmo tom de voz de sempre, indiferente.

– Certo. – respondeu, fitando a toalha de mesa branca. Claro que ele devia ter saído mais cedo, por que não pensar naquilo antes? Afinal, conhecia muito bem o seu pai, ou ele chegava cedo demais, ou estava suficientemente abatido para não conseguir nem levantar da cama, ainda assim, chegaria mesmo que atrasado ao trabalho.

– Er… Sr. Eagle? – a empregada atraiu a atenção dele uma vez mais.

– Ahn? Quê? – ele virou-se para ela, completamente alheio ao que ela estava falando anteriormente.

– Posso servir o café da manhã? – perguntou novamente, mas antes que ele pudesse ao menos abrir a boca para responder, uma nova voz foi ouvida no ambiente e ambos viraram os rostos para encarar a jovem que aparecia no portal de entrada da sala de jantar.

– Bom dia. – uma mulher, de longos cabelos dourados e olhos incrivelmente verdes, apareceu na porta, sorrindo para os presentes na sala.

– Agora pode servir. – Eagle sorriu para a empregada que apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça e saiu na direção da outra porta que dava na cozinha. – Bom dia, minha irmã.

Ela respondeu com um outro sorriso, e então, seguiu para a cadeira bem diante da dele, deixando a cadeira do extremo da mesa vaga, onde seu pai costumava sentar. Ela tinha uma pele clara, e aparentava ser muito frágil… como uma criança. Por mais que fosse irmã consangüínea de Eagle, suas aparências em muito diferiam. Enquanto ela tinha os longos cabelos dourados e olhos verdes, ele tinha cabelos num exótico tom prateado e olhos azulados. Mas mesmo com aparências distintas, as expressões eram, sem dúvida, idênticas, além dos sorrisos e da aparente fragilidade.

– Onde você estava ontem, irmão? – ela perguntou, apoiando os cotovelos na mesa e o queixo nas mãos. – O papai estava realmente preocupado com o seu sumiço. Você não tem jeito mesmo.

– Mesmo? – perguntou, sorrindo, fazendo-se de desentendido. – Bom, ele sabe que eu sempre ando em bibliotecas e ele sempre demora pra perceber alguma coisa.

– Você sabe que ele é ocupado, irmão. – ela continuava com o mesmo sorriso simples, que quase nunca abandonava seu rosto, assim como o do irmão. – Não devia deixá-lo preocupado assim.

– O problema é que ele se preocupa demais. – Eagle disse simplesmente. – E então, como foi a sua aula de música ontem?

– Ontem eu tive aula de dança. – ela corrigiu, rindo do erro dele. Desatento como sempre, ou ao menos, fingindo.

– Ah, claro. Ontem foi terça-feira, eu tinha esquecido. – ele disse, balançando a mão vagamente e recostando-se na cadeira. – E então, como foi a aula?

– Foi muito boa. Não quer tentar algum dia? – ela perguntou, quando avistaram dois empregados entrarem, trazendo a refeição, mas continuaram a conversar, como se aquilo já fosse comum o suficiente e não precisassem se importar.

– Não, obrigado. – Eagle respondeu, divertido.

– Que pena. – Emeraude lamentou, fazendo um breve aceno com a cabeça para agradecer à empregada por lhe servir a comida.

– Papai vai me prender naquela empresa até não conseguir mais. Você tem sorte de ser mulher, e de ser mais nova. – Eagle fez o mesmo que a irmã e acenou com a cabeça para agradecer por terem lhe servido.

– Meu irmão, ainda acho que devia parar de seguir o papai e ir fazer a sua faculdade de Psicologia em paz. – Emeraude disse, levando a xícara de chá até a boca em seguida.

– Não importa. – Eagle disse distraidamente, enquanto observava a sua comida apenas. – Ele se sente bem assim, não vou estragar isso.

– Mas… Eagle… – o sorriso de Emeraude se desfez, enquanto encarava o irmão com certa melancolia no olhar.

– Não faça essa cara, Emeraude. – ele disse, olhando para ela e sorrindo largamente, mas a jovem sabia que quando ele a chamava pelo nome e naquele tom, era porque não estava satisfeito com a reação dela. – Sabe que não gosto disso. Você me prometeu…

– Sim, desculpe-me. – ela balançou a cabeça levemente e sorriu de volta. – Prometo não falar disso de novo.

– Bem melhor assim. – Eagle respondeu, continuando a sorrir.

– É melhor terminarmos o café da manhã, antes que fique tarde demais. – Emeraude disse, começando a se servir.

– Tem razão. – Eagle concordou, começando a se servir também.

Os dois continuaram a refeição, trocando poucas palavras e conversando sobre qualquer coisa que não fosse por demais relevante, afinal, estavam apenas acordando. Dentro de alguns poucos minutos, os dois finalmente terminaram de comer e permitiram que os empregados retirassem a mesa.

– Vamos indo, ou vai se atrasar para a aula na faculdade. – ele disse, levantando-se e pegando o terno que deixara sobre o encosto da cadeira vizinha.

– Eagle, você esqueceu a gravata. – Emeraude indicou o colarinho da camisa dele, desabotoado e sem nenhuma gravata por cima.

– Ah, claro. A maldita gravata. – ele suspirou desanimado. Odiava ter que usar toda aquela roupa formal, só por ser o sucessor do presidente da empresa. Tinha a ligeira impressão de que se chegasse a ser presidente, iria mudar as normas de vestimenta, se iria… – Eu vou buscar. Você vai indo pro carro.

– Certo. – Emeraude concordou com um aceno de cabeça, seguindo até a porta de saída enquanto Eagle subia as escadas até seu quarto.

Não demorou que ele achasse a gravata no seu guarda-roupa, jogada em algum canto sobre as roupas. Parou na frente do espelho, tentando dar um nó decente nesta, mas era mais que uma verdade universal que ele era terrível quando se tratava de dar nós em gravata. Nunca vira uma peça de roupa mais complicada e incômoda que aquela. Como a irmã mesma dizia, aquele estilo não combinava com ele. Ela era mulher, era melhor acreditar no que ela dizia.

Enquanto ainda tentava dar o nó na maldita gravata, observou o reflexo do relógio de pulso no espelho e percebeu que iriam acabar se atrasando com a demora dele. Ignorou a gravata, pensando em dar um jeito nela no caminho, e saiu do quarto, correndo ao descer as escadas. Ainda bem que seu pai não estava lá para vê-lo descer as escadas daquele jeito, ou acabaria levando uma bronca.

Correu até o carro, pedindo desculpas rapidamente a uma das empregadas que quase atropelara ao passar correndo pelo hall. Desceu as escadas da entrada e finalmente entrou na limusine que já estava estacionada, com a porta aberta e o motorista do lado, apenas esperando-o. Cumprimentou-o rapidamente e entrou, sentando-se no banco ao lado da irmã. O motorista fechou a porta e então, seguiu para o banco da frente do carro, dirigindo até a saída da casa.

Finalmente, ao parar, ele podia tentar terminar o nó da gravata (que na verdade, nem sequer tinha começado), mas parecia ainda mais complicado quando não tinha nenhum lugar para observar seu reflexo. Praguejou mentalmente ao se complicar quando o carro fez uma curva.

– Você realmente não é bom nisso! – Emeraude riu da situação dele, fazendo-o virar para ela, ao colocar as mãos sobre seus ombros.

– Bom, você deveria estar feliz por não ter que usar uma dessa todos os dias. – Eagle disse, deixando que as mãos da irmã tentassem terminar o nó de maneira mais ágil.

– Maninho… esqueceu que passei anos ajudando-o a colocar a gravata do uniforme do colégio? – ela comentou, ainda sorridente. – Você não tinha jeito mesmo, como conseguiu não aprender a dar um nó de gravata mesmo estudando tantos anos naquela escola particular.

– Acho que porque você já tinha aprendido. – ele sorriu sem graça, vendo a irmã terminar de fazer um nó perfeito.

– Prontinho. – ela recostou-se no banco mais uma vez, depois de dar os últimos retoques na aparência dele. – Eu já disse que você não combina nessas roupas?

– Não hoje. – ele respondeu, afrouxando um pouco o nó da gravata antes que morresse sufocado.

– Então… você não combina nessas roupas.

– Obrigado por ressaltar. – ele respondeu, fazendo-a rir.

A viagem no carro se seguiu por alguns minutos apenas até que o carro finalmente parou diante de um conhecido lugar, o campus da faculdade em que Emeraude estudava.

– Bom, até mais tarde, irmão. – ela despediu-se dele, segurando os livros.

– Tenha boas aulas. – Eagle desejou, beijando a testa da jovem antes que ela se afastasse para sair do carro, agora que o motorista já tinha aberto a porta.

– Obrigada, e tente não fugir da vista do papai hoje. – Emeraude advertiu, já descendo do carro.

– Não me peça para fazer milagres, irmãzinha. – ele respondeu de forma irônica, ao que ela riu e lhe acenou brevemente antes de desaparecer ao seguir para o prédio da universidade.

A porta do carro se fechou e minutos depois, o motorista já voltava para as movimentadas ruas da avenida para seguir até o seu destino final, a empresa de advocacia do pai de Eagle e Emeraude.

Ele suspirou pesadamente, finalmente descansando a expressão. Sempre sorria na frente de todos, mas quando estava sozinho, não havia necessidade de sorrir para si mesmo. Não tinha motivo algum para sorrir. Apoiou o braço no encosto da porta e ficou a fitar a cidade passando pela janela fechada. Como o vidro era fumê, dava a impressão de que tudo era escuro, de que estava de noite, ou de que o dia seria chuvoso, o que não era uma coisa que gostava muito, embora combinasse com o seu estado de espírito.

Continuou a fitar a paisagem que se movia rapidamente de maneira entediada. Logo reconhecia as ruas por onde o carro passava e atentou para o momento em que o motorista estacionou o carro bem diante da entrada de um enorme arranha-céu no centro da cidade. É… pelo visto não tinha mesmo como fugir do trabalho.

Desceu do carro depois de vestir o terno e achar que morreria sufocado com tanta roupa. Pegou a maleta e passou a mão pelos cabelos… sempre fazia isso. Agradeceu ao motorista educadamente e então, finalmente seguiu para as portas automáticas que se abriram quando se aproximou. Olhou para os lados do enorme hall do térreo. Pessoas andando de um lado para outro, apressadas, conversando com outras pessoas, pedindo informação. Todas elas bem vestidas e com uma aparência bem polida.

Definitivamente odiava aquele tipo de ambiente. Suspirou por um segundo breve e então, andou direto até o elevador. Alguns funcionários o cumprimentaram educadamente quando ele passou, respondeu com seu sorriso mais simples e educado.

Finalmente alcançou as portas do elevador e agradeceu mentalmente por estarem abertas, esperando já para subir. Encostou-se numa das paredes do elevador e ficou apenas esperando que este chegasse ao último andar, onde o pai certamente deveria estar esperando-o. Era bom que o tal do sócio já estivesse lá também, ou acabaria saindo pela tarde sem ao menos esperar. Não tinha muita paciência para ficar dentro daquele lugar por muito tempo. Uma manhã por dia já era o suficiente, iria provavelmente enlouquecer por ter que seguir os negócios do pai, mas, se era isso que ele queria… não tinha muitas saídas disponíveis.

Alguns minutos de pessoas entrando e saindo do elevador, e finalmente este alcançou o último andar. As portas se abriram e ele saiu, num ambiente bem menos movimentado, na verdade, nada movimentado. Tinham muitas salas ao longo do corredor, tinha uma recepção com uma jovem para atender os que chegassem ali, mas havia poucas pessoas. Aquilo era o lado bom, o risco de colidir com alguém era sempre menor. O lado ruim era que o prédio era infestado de condicionadores de ar e como havia menos pessoas ali, o frio era maior. Pela primeira vez naquela manhã, agradeceu pela quantidade de roupas que usava… realmente não gostava do frio.

Cumprimentou a secretária ao passar direto pelo balcão da recepção e seguiu ao longo do corredor, entrando numa das portas a sua esquerda, bem perto do final do corredor.

Fechou a porta assim que passou, e seus olhos pousaram sobre a única pessoa que estava na sala, sentada na única poltrona atrás de um enorme gabinete. O homem de cabelos negros assanhados e olhos claros ergueu os olhos para encará-lo, ainda parado ao lado da porta.

– Bom dia, Geo. – sorriu ao cumprimentá-lo.

– Que história é essa de bom dia? – o outro levantou-se da cadeira, levando consigo alguns papéis que estivera observando antes de Eagle entrar na sala.

– Bom… é o que as pessoas costumam falar como cumprimento pela manhã. – Eagle respondeu simplesmente, como um fato óbvio demais para precisar ser comentado.

– Você sabe o que eu tive que passar ontem a tarde toda, depois que seu pai descobriu que você tinha sumido da empresa de novo? – Geo reclamou, aproximando-se de Eagle. – Você devia parar de fazer essas coisas!

– Sinto muito. – ele continuou sorrindo, tentando parecer sem graça diante da situação, mas na verdade, o que ele mais achava daquilo era graça.

– Não diga "sinto muito" com esse sorriso na cara! – Geo irritou-se mais ainda, cruzando os braços diante do corpo.

– Er… me desculpe? – repetiu, com o mesmo sorriso no rosto.

– Aff… desisto. – Geo rendeu-se, suspirando pesadamente. – Pelos deuses, não faça isso de novo, sempre sobra pra mim. Daqui a pouco eu vou passar para o cargo de babá.

– Eu só precisava relaxar um pouco. Sabe que me sinto sufocado nesse lugar. – Eagle respondeu, dando de ombros.

– É… sei. – Geo comentou, num tom mais calmo. – Aqui. – estendeu os papéis que tinha em mãos. – Seu pai queria que desse uma olhada nesses processos. Eu revisei alguns deles pra você, mas já que chegou, pode fazer o resto.

– Ah, obrigado, Geo. – ele agradeceu, recolhendo os papéis que o outro lhe estendia. – O que eu faria sem você?

– Com certeza, seria despedido. – Geo disse, já seguindo na direção da porta.

– Claro, claro. – Eagle assentiu, sorrindo mais largamente e andando até o gabinete.

Geo saiu da sala, fechando a porta mais uma vez.

Sentou-se na confortável poltrona de couro e começou a folhear os documentos que Geo tinha lhe entregado, mas nem começou a lê-los e Geo entrava na sala novamente, atraindo sua atenção.

– Ahn? – foi a única coisa que saiu da garganta de Eagle ao ver o amigo parado na porta da sala.

– O que você ainda está fazendo aí? – Geo perguntou, sem ao menos fechar a porta ao entrar.

– Ahn? – dessa vez ele ficou confuso. – Mas você disse que era pra eu ver os processos…

– Sim, é pra você ver os processos, mas não agora. Precisa primeiro ir à sala do seu pai, sabe que tem que ir lá toda vez que chega. – Geo comentou, parecendo impaciente. – Sabe que ele tem que ver que você chegou inteiro aqui.

– Ah, claro. Tinha até esquecido disso. – Eagle disse, jogando os papéis em cima da mesa e levantando-se. Por sorte não tirara a gravata ou ao menos o terno, continuando bem apresentado para o pai não reclamar da sua aparência.

– Que mania essa que você tem de esquecer os compromissos. – Geo comentou rapidamente, quando eles já tinham saído da sala.

– É… acho que não é de família. – Eagle respondeu, olhando para frente, bem para o lugar onde ficava a porta do escritório de seu pai, no final do corredor.

– Exceto se você for adotado. – Geo constatou.

– Quem sabe. – Eagle respondeu, confundindo a cabeça do amigo. – Não importa.

– Você é maluco. – Geo riu com o comentário dele e parou de andar, virando-se para uma das salas do corredor. – Eu vou ficando por aqui. Até mais. E vê se não se perde.

– Vou tentar. – Eagle acenou brevemente enquanto continuava a andar até a última sala no final do corredor.

Assim que chegou à porta, bateu de leve algumas vezes, esperando a resposta com a permissão de que poderia entrar. Bom, esta não demorou a vir.

Pode entrar. – a conhecida voz soou do outro lado da porta.

– Com licença. – ele entrou, fechando a porta atrás de si.

– Ah, finalmente chegou. – Rhaels ergueu a cabeça dos papéis para poder encarar o filho ao reconhecer a sua voz.

– Bom dia. – Eagle cumprimentou educadamente, sorrindo para o pai.

– Geo já lhe entregou os processos que eu tinha lhe deixado ontem? – ele fez toda a questão de destacar a última palavra.

– Ah, já sim. Eu estava começando a analisá-los quando ele me lembrou de vir aqui. – Eagle respondeu, sorridente.

– Bom. Então, já sabe que não quero que suma hoje, não é? – Rhaels voltou a olhar para os papéis em mãos, parecendo não dar tanta importância quanto era preciso ao assunto com o filho.

– Claro, pai. – Eagle respondeu, contendo a vontade de soltar um pesado suspiro. – Prometo que não deixarei a empresa hoje.

– Melhor assim. – Rhaels voltou os olhos para o filho primogênito por uns segundos apenas, até se concentrar (ou fingir se concentrar) de novo nos papéis em mãos.

– Aliás… o tal sócio que queria que eu conhecesse já está na empresa? – Eagle perguntou, antes de se virar para sair da sala.

– Não. – Rhaels respondeu e Eagle arqueou as sobrancelhas de imediato. – Ele vai chegar pela tarde. Por isso, seria bom que conseguisse ficar mais que meio-período aqui.

– Ah, claro. – Eagle respondeu, com uma voz baixa. – Então, eu vou voltar pra minha sala, vou terminar de ver aqueles processos.

– Certo, pode ir. – Rhaels concordou e nem sequer ergueu o rosto para ver o filho se retirando da sala, na verdade, os ergueu apenas quando o jovem de cabelos claros já tinha saído.

Bom, era bem verdade que ele costumava se preocupar demais com Eagle, mas principalmente quando estavam fora da empresa. Naquele lugar, Eagle era nada mais que um funcionário. Certo que era o funcionário aspirante ao cargo de presidente da empresa, o que o deixava numa linha de fogo ainda mais perigosa. Afinal, como futuro presidente, devia seguir as regras à risca – o que ele não costumava fazer nem em sonhos.

No momento, o que mais o incomodava era o fato de que ele, o futuro presidente da empresa, tinha que acordar praticamente de madrugada para ir até lá conhecer o tal sócio que devia ter chegado na segunda-feira. Mas o mais curioso era que nem o sócio tinha chegado, ou seja: o que diabos ele estava fazendo lá? Esse tal sócio não parecia tão mais pontual que ele. Era bom que fosse realmente um grave problema para fazê-lo atrasar-se daquele modo, e para que Eagle saísse tão cedo de casa por nada. Agora seria obrigado a ficar analisando quinhentos processos terrivelmente cansativos apenas para passar o tempo.

Quando entrou na sua sala e fechou a porta, fitou demoradamente os processos que estavam sobre a mesa. Como era chato ter que fazer aquilo todos os dias. Poderia muito bem estar aproveitando o tempo que tinha para fazer a sua faculdade de psicologia. Mas não tinha mais volta, o seu pai queria um sucessor, e assim o teria. Era o que ele tinha escolhido de qualquer modo, ou seja, ele teria que se acostumar rápido com aquela idéia.

Sentou-se na mesma cadeira que estava antes e voltou a folhear todas as páginas que lhe foram entregues por Geo. Analisando uma por uma, revisando, aprendendo. A única vantagem de trabalhar naquela empresa de advocacia era que gostava de ler. Caso contrário, não teria suportado por tanto tempo.

Pare de pensar nisso, Eagle. – comentou consigo mesmo, suspirando demoradamente.

Não podia continuar pensando daquele jeito pelo resto da vida. O seu pai estava satisfeito tendo-o como seu sucessor, ele estava contente. Era o suficiente para que continuasse ali, dia após dia, fugindo vez ou outra apenas para respirar ar puro.

Perdido nas leituras, terrivelmente concentrado em cada palavra que lia – sim, por mais incrível que parecesse, ele sempre conseguia se concentrar naqueles processos, fosse ou não por livre e espontânea vontade –, nem se dera conta do tempo que passar ali. Já estava quase terminando de ler as últimas páginas, quando ouviu um bater de porta insistente que chamou sua atenção.

– Entre. – falou, finalmente acordando para o mundo real mais uma vez.

– Eu achei que você tinha dormido aqui dentro. – Geo apareceu através da porta. – Sabe há quanto tempo tô batendo nessa porta?

– Desculpe. – Eagle sorriu em resposta, como sempre fazia, sorrir. – Eu estava perdido aqui nesses processos.

– Claro… e depois diz que não gosta deles. – Geo comentou.

– Não gosto. – Eagle confirmou, ainda sorrindo.

– Eu não entendo você. – Geo disse, parecendo derrotado. – Bom, não importa agora, você tava tão perdido mesmo aí. Eu vim te chamar pra o almoço. Sabia que já passa de uma da tarde?

– É mesmo? – Eagle precisou olhar no relógio de pulso para confirmar o que o amigo falara. – Realmente acho que tinha me esquecido do tempo.

– É, sempre esquece. – Geo disse. – Então, vamos?

– Vamos sim. – Eagle levantou-se da cadeira, deixando os últimos papéis do processo sobre a mesa, para ler na volta.

Seguiu até Geo e os dois saíram pelo corredor, fechando a porta da sala e indo até o elevador. Apenas quando já estavam descendo os andares, Eagle recordou-se de alguma coisa pra conversar com o amigo de trabalho.

– Ah sim, e o tal do novo sócio? Ele já chegou? – perguntou, atraindo a atenção de Geo.

– Eu não sei. – Geo respondeu, pensativo. – Não me lembro de ter visto um rosto novo por aqui. De qualquer maneira, eu estava correndo de um lado pra outro hoje, tentando organizar um processo de última hora.

– Ah, suponho que não tenha prestado muita atenção em quem estava passando. – Eagle observou o detalhe.

– Definitivamente? – Geo perguntou. – Não. – respondeu de imediato.

– Imaginei. – Eagle disse, sorrindo. – Bom, essa coisa de esperar por esse sócio está realmente me dando nos nervos, sabe?

– Claro que sei. Você não agüenta ficar muito tempo no ar condicionado. – Geo disse, rindo da idéia.

– Tem razão. – Eagle concordou, sorrindo também.

– Eu tô morrendo de fome. – Geo ressaltou, encostando-se na parede do elevador. – Por que elevadores têm sempre que andar devagar desse jeito?

– Se fosse mais rápido, provavelmente estaríamos caindo. – Eagle comentou distraidamente.

– Ah, finalmente! – Geo comemorou, quando eles conseguiram, por fim, alcançar o térreo. Foi o primeiro a sair do elevador, apressado como sempre. Eagle o seguiu de perto, indo até as portas automáticas da saída.

Eles andaram um pouco mais lentamente quando saíram do prédio da empresa, seguindo até um restaurante próximo, onde era comum os funcionários almoçarem quando não levavam almoço de casa. E venhamos e convenhamos… nenhum deles levava.

Não demorou a alcançarem o restaurante, conversando vagamente sobre as coisas da empresa, os processos e qualquer outra coisa que prendesse sua atenção. Sentaram-se a uma das mesas, e alguns outros conhecidos do trabalho acabaram se juntando a eles, formando uma bela baderna no pequeno estabelecimento. A festa particular só acabou quando perceberam que já estava na hora de voltar para a empresa: fim do horário do almoço. Pagaram a conta e pouco a pouco, um por um foi saindo do lugar, até restarem apenas Geo e Eagle na mesma mesa.

– Então, parece que está na hora de voltarmos. – Geo disse, sentado de lado na cadeira, com um braço apoiado na mesa. Estava de costas para as janelas do restaurante.

– É… – ao contrário do amigo, Eagle olhava vagamente para fora através da janela. O tempo já estava fechando de novo.

Ficou tão distraído olhando para a rua, que nem percebeu quando Geo avisou que iria pagar a conta no caixa.

Enquanto observava as pessoas, imaginando se choveria ou não, seus olhos pousaram sobre uma pessoa conhecida. Quase se assustou quando viu aquele mesmo homem que encontrara na biblioteca. Os cabelos pretos caindo sobre os olhos também escuros, a roupa, como da última vez, também negra, mas era mais social dessa vez. Trajava um terno, uma camisa social e uma calça cáqui também pretos… só não tinha uma gravata pra completar o visual, e os botões do colarinho da camisa estavam abertos.

Assim como no dia da biblioteca, simplesmente sentiu-se impulsionado a encará-lo. Ele emanava um ar tão misterioso, só não sabia por que aquele ar prendia a sua atenção; talvez porque refletisse algo que ele não era… quem sabe?

Aquilo devia ser algum tipo de transmissão de pensamentos da qual ele não estava ciente, mas daquela vez, ele também virou o olhar para encará-lo, assim como fizera na biblioteca. Encararam-se por dois segundos talvez, através da vidraça da janela e de algumas pessoas que continuavam a andar na rua, até que Eagle foi obrigado a desviar o olhar dos olhos negros do outro, quando Geo chamou a sua atenção, depois de sentar-se na cadeira frente a ele mais uma vez.

– Ei! Agora já podemos ir. – Geo disse.

– Ah, claro. – Eagle concordou com um aceno de cabeça, levantando-se do lugar onde estava sentado.

Apenas quando eles se levantaram, Eagle voltou a olhar pela janela mais uma vez. Mas, tal como da última vez, ele não estava mais lá. Realmente, estava começando a achar que aquele homem era produto de sua fértil imaginação. Não que achasse que sua imaginação era realmente fértil, mas… nunca se sabe.

– Ei, acorda! – Geo chamou-o pela terceira vez, enquanto ele mantinha os olhos vidrados na rua através do vidro da janela.

– Ahn? Que foi? – perguntou, virando-se para o amigo.

– O que você tem hoje hein? – Geo perguntou, com uma sobrancelha arqueada. – Parece mais perdido que o normal.

– Eu? Nada. – Eagle sorriu em resposta.

– Não gosto desse seu sorriso. – Geo comentou. – Parece que está aprontando alguma coisa.

– Está me chamando de criança travessa? – Eagle continuou com a mesma expressão e o mesmo sorriso.

– Não quer mesmo que eu responda isso, não é? – Geo perguntou, fazendo descaso.

Eagle riu do comentário dele e então, os dois finalmente saíram do restaurante para voltar à empresa. Durante todo o curto caminho, Eagle observava os transeuntes de maneira curiosa, procurando o mesmo homem que já perdera de vista duas vezes. Por que será que algo nele o atraía? Era só mais uma pessoa como qualquer outra.

Ou não. Aquela idéia de que ele poderia ser produto de sua imaginação estava começando a lhe surtir efeito.

Mais alguns minutos conversando dentro do elevador, enquanto este não alcançava o último andar, e finalmente os dois desembarcaram. Mais uma vez Eagle estava naquele corredor pouco movimentado, e dessa vez, não estava com a mínima vontade de ir até a sala do pai apenas para dizer que ainda estava vivo.

– Eu vou terminar de revisar os processos. – ele disse, parando diante da porta do seu escritório.

– Okay. – Geo concordou, afastando-se e seguindo até outra sala. – A gente se vê por aí. E não fuja! – ressaltou, ainda de costas.

– Vou tentar, vou tentar. – Eagle disse rapidamente antes de entrar na sala e fechar a porta.

A primeira coisa que fitou foram as janelas. O tempo ainda estava fechado, mas não parecia que ia chover. O céu apenas estava mais escuro que o normal. Ainda parado ao lado da porta, fitou a mesa em que os processos que tinha de revisar ainda estavam. Continuou parado ao lado da porta, era como se alguma coisa lhe dissesse que não tinha que revisar aqueles processos… e realmente não estava querendo terminar de fazer aquilo. Por incrível que parecesse, o tempo lá fora, através das janelas, parecia convidativo.

Demorou-se alguns minutos ali, apenas encostado à porta, quando finalmente decidiu virar-se e seguir até a cobertura. Fazia tempo que não ia até lá, teria apenas que subir alguns lances de escada já que o elevador não chegava até lá em cima.

Abriu a porta vermelha de ferro para finalmente colocar os pés na cobertura. Ventava como nunca lá em cima. O clima era certamente mais frio, e logo que chegou lá, precisou fechar o terno que pegara em sua sala, ou certamente morreria de frio. Mas por mais que odiasse aquele frio, aquele lugar parecia aconchegante. Era silencioso, e podia ver boa parte da cidade dali de cima, com mais umas centenas de arranha-céus. Andou lentamente até o gradil na beira da cobertura, impedindo que quem quer que fosse lá em cima caísse. Apoiou os braços nesse, fitando o movimento que tinha nas avenidas abaixo de si. Tudo parecia tão minúsculo e insignificante se visto daquele modo, daquele ponto de vista. Sorriu de uma maneira quase que inconsciente ao sentir o vento batendo levemente em seus cabelos, ainda a observar o movimento que havia lá embaixo. Fazia tempo que não colocava os pés ali, e aquilo parecia reconfortante.

– Parece que vai chover de noite… de novo.

Uma nova voz se pronunciou no lugar e ele virou o rosto rapidamente para fitar um homem que estava parado, apoiado no gradil e olhando para cima de maneira vaga. Se não houvesse aquelas grades ali, ele certamente teria caído, tamanho o susto que levara com a voz que surgira do nada.

Era ele, o mesmo homem de preto que vira na biblioteca e minutos atrás. Ele parecia ter algum fascínio pela chuva, pelo modo como observava o céu.

– Acho que sim. – Eagle concordou, suspirando aliviado e levantando os olhos para fitar as nuvens cinzentas que se juntavam no céu.

O silêncio se fez presente entre os dois. Por uns segundos Eagle continuou a fitar o céu, mas logo desviou seus olhos discretamente para o homem ao seu lado. Queria saber por que ele atraía tanto a sua atenção.

– Parece que você não gosta dessa idéia. – o homem falou, continuando a observar o céu.

– Er… não muito. – Eagle confessou, imaginando se ele teria notado o seu olhar sobre ele, para falar daquela maneira súbita. – Frio sempre me deixa mais doente.

Naquele instante, o homem de cabelos pretos desviou o olhar na direção dele, como se estivesse curioso. Eagle dessa vez fitava o céu, mas seus olhos pareciam não olhar nada nele, como se estivessem fixados no ar apenas. Tinha um sorriso fraco no rosto… sempre estava sorrindo.

O homem desviou os olhos dele e fitou o céu mais uma vez, como se estivesse procurando a coisa interessante que prendia a atenção do outro. Mas antes que conseguisse descobrir, a voz de Eagle invadiu seus ouvidos uma vez mais.

– Eu estou começando a achar que talvez você seja produto da minha imaginação. – Eagle comentou, mas não virou o rosto para encará-lo.

O homem continuou calado, mas tinha colocado seus olhos sobre Eagle mais uma vez.

– Você sempre aparece e desaparece do nada. – Eagle sorriu, virando o rosto para encará-lo. – Será que eu sou esquizofrênico e ainda não descobri?

O homem arqueou as sobrancelhas discretamente, um detalhe que passou despercebido pelos olhos azuis do outro. A única coisa que seus olhos puderam captar foi um sorriso.

– Quem sabe? – o homem de olhos negros sorriu discretamente, deixando Eagle um pouco mais confuso com sua resposta.

Eagle apenas retribuiu o sorriso, mesmo estando confuso e voltou a fitar o céu, assim como o homem tinha feito também. Bom, teria repensado nisso se soubesse que o perderia de vista mais uma vez apenas com um desviar de olhar. Dois minutos depois e ele não estava mais lá… em lugar nenhum. Era como se tivesse realmente desaparecido.

– Acho que estou dormindo muito pouco. – ele comentou consigo mesmo, passando a mão pelos cabelos depois de perceber que o homem desaparecera.

Voltou a olhar a rua lá embaixo, notando que perdera o interesse no céu desde que aquele outro não mais estava ali. O vento continuava a soprar suavemente em seu cabelo e seu rosto, podia passar a tarde todinha ali e não se daria conta de que o tempo continuava passando, e que, com certeza, seu pai ficaria furioso procurando-o por toda a empresa. Bom, era só pensar nele, afinal…

– Eagle!

Sim, era só pensar nele que parecia automático, tinha alguém para procurá-lo. Geo tinha aberto a porta da cobertura quase que a arrancando, e o seu tom de voz parecia irritado.

– Ah, Geo. – ele disse, virando-se com o mesmo sorriso de sempre para encarar o amigo.

– Não sorria desse jeito pra mim! – Geo pediu, parecendo realmente irritado. – Eu disse pra você não fugir!

– Mas eu não fugi. – Eagle respondeu simplesmente. – Eu ainda estou na empresa, não estou?

– Ah, você entendeu! – Geo falou, desconcertado.

– Claro. – Eagle não deixava o sorriso de lado. – Então, o que é dessa vez?

– O seu pai está te procurando. – Geo respondeu. Claro, o pai dele sempre o estava procurando. Mas, qual era o motivo agora? – O tal do sócio está aí, e ele quer apresentar vocês. Ele está furioso porque você não estava lá na hora.

– Ah claro… o sócio. – Eagle comentou distraidamente. – Eu tinha me esquecido desse detalhe.

– Pois agora que lembrou, vamos logo. Antes que ele mande a polícia caçar você. – Geo disse, já mais tranqüilo, e seguindo na direção da porta que dava na escadaria.

– Desse jeito faz parecer que eu sou um vilão. – Eagle disse.

– Você é um vilão porque adora complicar a minha vida. – Geo respondeu, descendo as escadas primeiro.

Eagle não respondeu, apenas riu da definição do outro. Em poucos minutos já estavam de volta ao último andar do prédio, e Geo abandonou-o quando já estavam no corredor da sala do pai dele. Precisou seguir sozinho até a última porta do corredor, onde ficava a sala do seu pai. Bateu duas vezes apenas, quando ouviu a resposta.

Entre.

Bom, aquilo soava visivelmente como uma ordem. Ele não demorou mais dois segundos para atendê-la, ou acabaria morto.

– Com licença. – disse, ao entrar na sala.

Seu pai estava, como sempre, sentado na cadeira atrás do gabinete, e numa das duas cadeiras que ficavam de costas para a entrada e de frente para o pai dele, dava para perceber que havia alguém sentado. Mas pelo tamanho do encosto da cadeira, dava pra ver apenas o topo da cabeça da pessoa e o braço dela apoiado no braço da cadeira. Ele não deu muita atenção…

– Você demorou. – Rhaels falou num tom de advertência.

– Desculpe. – ele sorriu em resposta. – O Geo só conseguiu me avisar agora. Sinto pela demora.

– Agora não importa mais. – Rhaels falou e parecia que estava ignorando as desculpas do filho. – Já que chegou, vamos logo ao que interessa. – ele se levantou, e o homem que estava sentado na outra cadeira fez o mesmo. – Esse é o nosso novo sócio que trabalhará de agora em diante na nossa empresa… Lantis Wherig.

O homem virou-se para Eagle e tinha um sorriso discreto no rosto, um sorriso que parecia ser presunçoso, mas Eagle sabia que não o era. Arregalou um pouco os olhos ao reconhecer o mesmo homem que minutos atrás julgara ser produto de sua imaginação. Ainda estava um tanto quanto desnorteado quando o homem estendeu-lhe a mão, como um cumprimento.

– Prazer, Eagle Vision.

Apenas quando a voz dele adentrou seus ouvidos, ele conseguiu acordar de seus pensamentos e então, estendeu a mão para apertar a do homem que seu pai apresentara como Lantis.

– Parece que vamos trabalhar juntos daqui pra frente. – ele continuou, parecendo sorrir da expressão abismada de Eagle.

– Ah… claro. – Eagle finalmente pareceu se recuperar. – Muito prazer. – e sorriu.

– Bom, agora que os dois já se conhecem, preciso convocar uma reunião com os diretores para poder apresentá-lo a eles, Lantis. – o pai de Eagle interrompeu a conversa e os dois se viraram de frente para ele, ficando lado a lado. – Acho que hoje está muito em cima da hora, então, será melhor se convocar isso para amanhã.

– Claro. – Eagle foi o primeiro a concordar.

– Tudo bem com você, Lantis? – Rhaels virou-se para ele, deixando de arrumar alguns papéis.

– Tudo bem. – Lantis concordou.

– Então acho que está tudo certo por aqui. – Rhaels falou, voltando a sentar-se. – Lantis, eu acho que já sabe onde fica a sua nova sala, sinta-se bem vindo. Já conversamos o bastante por hoje até que Eagle resolvesse aparecer, e receio que você não esteja com disposição a recomeçar a conversa com as suas propostas, mas amanhã vai poder falar com os diretores, e espero que Eagle esteja presente também.

– Estarei. – Eagle respondeu, sorrindo diante do olhar intimidador do seu pai.

– Espero que sim. – Rhaels disse, voltando os olhos para uns papéis. – Bom, os dois podem se retirar agora.

– Sim. – Lantis respondeu, já se virando para a porta.

Eagle não respondeu, apenas seguiu o outro até o lado de fora da sala. Fechou a porta e fitou as costas do homem mais alto… Lantis.

– Bom… talvez eu não seja mesmo produto da sua imaginação. – Lantis comentou, fitando o outro atrás de si de soslaio.

– Eh? – Eagle não respondeu, e nem teve tempo de pensar no que responder, quando ele voltou a andar a passos lentos.

– Até depois, Eagle Vision. – Lantis disse, acenando de leve com a mão, ainda de costas.

Eagle não se despediu, apenas continuou a observá-lo até que desaparecesse ao longo do corredor, entrando numa das salas.

Apenas quando o perdeu de vista, levou a mão até o rosto, rindo discretamente.

– É… nada de produto da minha imaginação. – comentou rapidamente, seguindo até sua sala.

Entrou e sentou-se na sua cadeira acolchoada, virando-a para que fitasse o céu através das janelas, naquele momento, notou algumas gotas de chuva baterem contra o vidro. Pois é, estava realmente chovendo.

Lantis… – comentou vagamente e não conseguiu conter a risada ao lembrar-se do que tinha dito minutos atrás. – Produto da imaginação… essa foi boa.

Continuou a fitar a chuva que ficava cada vez mais forte, fustigando as vidraças.

Final do Capítulo Um

Yo!

Eu voltei aqui na sessão de Rayearth, por onde eu já tinha dado uns sinais de vida XDD dessa vez pra postar um fic do meu casal favorito!

Sim, esse fic é Eagle/Lantis - até parece que alguém sabia qual era o meu casal favorito XDD -

Eu sempre adorei os dois, mas nunca tive idéia pra escrever com eles dois. E bom, depois de ter visto novamente a série de Rayearth e lido o mangá, a vontade voltou e acabou saindo isso XDD

Espero que gostem do primeiro capítulo e espero que eu tome vergonha na cara pr continuar esse fic e os outros XD

Esse fic segue a linha dos OVAs, oka? Por isso eu coloquei o Eagle como irmão da Emeraude, embora aqui ele seja o mais velho. A personalidade dele foi a mesma do anime, já que no OVA ele tá mais sério e talzes. Enfim, fiz uma bagunça dos infernos. Além do casal principal, terá o casal secundário com a Emeraude e o Zagato, que por incrível que pareça, eu amooo!!! - incrível, porque eu gosto de yaoi XD -

Tipo, a fic está planejada pra ser só Shounen-ai. Coloquei T por segurança e pelo Yaoi leve e talzes. Se por acaso surgir alguma idéia mais perva no meio do caminho, eu subo a classificação XDD

Agradecimetos especiais à minha amiga Pyoko-chan que além de ser responsável pela revisão dos meus Yaois me ajudou com os sobrenomes estranhos para combinarem com os nomes igualmente estranhos. AHHH e o nome da fic tamém é creditado a ela! (acho que vou copiar e colar essa nota nos capítulos seguintes).

Bom, se gostaram e puderem deixar reviews, se acham que eu mereço, ficaria imensamente feliz de ler todas. Acho que é isso. Kissus pra vocês e até o próximo capítulo!

Ja ne!