Disclaimer: Twilight é da Stephenie Meyer!
Olá! Essa fic faz parte do projeto One-shot Oculta, um amigo oculto entre autoras, em homenagem aos 10 anos da estreia de Crepúsculo no Brasil. Cada uma enviou 2 fotos e 2 músicas para servir de inspiração à pessoa sorteada. Confira as 10 participantes no perfil /~projetooneshotoculta, salvo nos autores favoritos do meu perfil. Use as hashtags #oneshotoculta #twilight10th se quiser divulgar as fics :)
Minha amiga oculta foi a KarenSturridge. Suas propostas de inspiração estão na minha bio. Escrevi com muito carinho, Karen, espero que goste!
Obrigada a beta que é também a melhor comentarista do mundo, Dandara. O que eu faria sem você nos meus bloqueios criativos?
Me diverti horrores escrevendo essa fic, tomara que vocês curtam também. Feliz 10 anos de fandom!
Capítulo 1: Survivor
O trajeto até Londres era longo, e Bella odiava voar.
Precisou agarrar-se ao pensamento de que em oito horas estaria de volta à sua pequena casa esmagando seus gatos, Mr. Darcy e Heathcliff, mesmo sabendo que eles não dariam a mínima para seu retorno.
Hoje, especialmente, seu estômago estava um nó. Atrasos não faziam parte de sua rotina, já tinha se acostumado à pontualidade britânica após seis anos como cidadã londrina. Porém desde a manhã de hoje, uma série de infortúnios contribuiu para que fosse a última passageira a entrar no avião.
Tinha saído com amigos que encontrou na Bienal Internacional do Livro de Alexandria, no Egito, e acordou tarde demais. Quase não achou o passaporte, o táxi atrasou e por pouco não perdeu o voo.
Seu corpo tenso ainda não tinha aceitado que mais nada de extraordinário aconteceria hoje – ao menos, era isso que ela esperava.
Pedira ao Universo um descanso. Aguardava o milagre.
Aproveitou as cadeiras vazias ao lado para se esparramar. Fechou os olhos para meditar com o aplicativo do celular, recostando no travesseiro de pescoço que ganhou da mãe.
Tinha aroma de lavanda, para acalmar. Renee acreditava em aromaterapia – uma bobagem, Bella achava. Mas apesar do ceticismo, aceitava qualquer coisa que desacelerasse seu coração na hora da decolagem, que para ela era uma das piores partes.
Bem, talvez a pior mesmo devia ser uma pane seguida de uma queda, mas isso ela tentava nem pronunciar em pensamento.
O relaxamento veio aos poucos. Não sabia se dava créditos à meditação ou à dose de uísque que pediu. Talvez ambos.
Estava quase pegando no sono quando uma gargalhada alta ecoou no espaço, lhe acordando de sobressalto. Viu que vinha lá da frente, a risada masculina que se estendeu por segundos.
Num impulso, ela bufou, berrando um sonoro "shh!" como uma velhinha irritada no cinema. O cara imediatamente parou.
– Que sem noção. – resmungou para si antes de fechar novamente os olhos e voltar à concentração.
Mas dessa vez se assustou por outro motivo.
De repente, totalmente sem convite, uma imagem surgiu no escuro por trás de suas pálpebras.
O sorriso mais encantador que já conhecera, os dentes misteriosamente claros apesar dos vícios. A cabeça tombada para trás em abandono, como se não houvesse problemas no mundo. O riso forte, tão cheio de vida, movendo o corpo todo.
Via seu ex-namorado gargalhando nitidamente.
De alguma forma, sua cabeça relacionou a risada do homem rude no voo com aquela memória. Achava que só Edward seria incapaz de rir discretamente em lugares formais, mas parece que estava errada.
Esqueceu aquilo logo e tentou, pela última vez, terminar de meditar.
Tentou.
Um bebê entediado começou a berrar, e a mulher atrás não parava de exigir seus pedidos de jantar à comissária, como se o cardápio fosse variadíssimo além dos congelados e sanduíches. Foi o que bastou para Bella desistir.
Sucumbindo, pegou o celular para ver fotos da breve viagem ao Egito, e riu ao achar algumas da noite anterior que ela nem lembrava de tirar. Ficou recordando o evento onde tinha ido pela primeira vez como convidada do painel de Literatura Feminina. Tinha adorado a culinária, os concertos e a arquitetura das grandes mesquitas, bateu zilhões de fotos.
Que viagem doida e incrível, pensou.
– Edward ia amar esse lugar. – a frase saiu de sua boca sem pensar. Ela sacudiu a cabeça, meio melancólica.
Não era a primeira vez que pensava nele hoje, e aquilo incomodou. Mas a verdade era que havia pensado bastante nele nos últimos dez meses, por mais que tentasse disfarçar e mentir para si mesma.
Volta e meia se pegava em uma situação assim.
Pensava "Edward iria gostar disso", e lá ia ela botar mais uma coisinha que era "a cara dele" em seu celular, na pasta criada no segundo mês da separação. Se achava tão boba fazendo aquilo. O dedo sempre pairava sobre deletar, mas faltava coragem – coisa que também faltava quando pensava em enviar tudo por e-mail e lidar com a reação dele depois.
Tinha esperança de que o tempo fizesse o serviço de apagá-lo de sua cabeça, porém quanto mais ela vivia e via coisas novas, mais saudades sentia.
A gargalhada inconveniente escolheu o momento para soar mais uma vez, interrompendo suas recordações. Aposto que é um daqueles homens folgados que sentam de perna aberta no metrô.
Bella espremeu os olhos naquela direção. Estava metade intrigada em saber porque diabos lembrava tanto a risada de seu ex, e metade irritada. Bem irritada.
– Com licença. – ela chamou a comissária que tinha acabado de ser liberada pela loira chata. – Queria uma informação, por favor... Existe lei do silêncio no avião?
A moça olhou confusa.
– Ahm... Bom, sim, pedimos que usem fones de ouvido, e nos voos noturnos pedimos silêncio aos passageiros.
– Entendi. Então já está valendo a lei do silêncio de passageiros, certo?
– Só depois de apagarmos as luzes à noite, senhora.
– Mas já é noite...
– São apenas seis e meia. Consideramos os voos noturnos aqueles após as dez, senhora.
Bella queria enfiar o senhora naquele lugar. Respirou fundo.
– Ok... Mas cá entre nós, – ela chamou a moça para chegar mais perto e falar baixo – Seria indelicado pedir para o senhor que está rindo alto lá na frente rir um pouco mais baixo? Está incomodando o pessoal aqui. Acho que o bebê estava tentando dormir, tadinho.
O bebê que sou eu mesma.
Enfim, a comissária olhou a criança e a mãe aflita, e sorriu, se compadecendo com o pedido.
– Claro. Vou dar um toque nele. Sinto muito pelo transtorno.
– Imagina. – Bella sorriu satisfeita.
Resolveu levantar para andar e ir ao banheiro enquanto estava vazio. Curiosa como sempre, esticou-se tentando ver a cara do sujeito, mas sem sucesso: as poltronas super altas não permitiram.
Bella, além de odiar aviões, também odiava banheiros de aviões. Não entendia como funcionava e tinha um medo – totalmente plausível, segundo ela – de que a privada sugasse sua bunda para baixo, quase um buraco negro. Respirou fundo e foi.
Na cabine minúscula e sozinha, ouvindo só a si mesma, deixou-se relaxar. Tanto, que um momento de lucidez extrema lhe atingiu numa epifania bem inapropriada e desagradável para o momento.
A lembrança da noite anterior estava turva, mas veio com tudo.
– Amore, pena que não pude te apresentar um cara que conheci ontem. É artista, de Londres também, estava lá no meu hotel, veio pra Bienal... Tony alguma coisa. Não lembro o sobrenome. Mas que homem! Se eu gostasse de pau, até pegava. – ela tinha ouvido sua amiga Charlotte falar, porém a música estava alta e a bebida já mexia em sua capacidade de foco.
De qualquer forma, a ideia de conhecer um homem agora estava fora de questão.
– Deixa pra próxima. Vamos dançar, vem! – e saíram dançando na frente da banda que tocava música árabe ao vivo numa pequena taverna de Alexandria.
Tony alguma coisa.
Tony... Masen.
Só podia ser. Era esse o nome ridículo que ele usava quando se apresentava como pianista nos bares em Londres. Ou quando conhecia gente nova e não queria que soubessem seu nome verdadeiro. Tipo como Bella fazia quando ia ao Starbucks.
Edward tinha ido para a Bienal, ela concluiu. E aparentemente, eles estavam no mesmo voo de volta para casa.
– Ai, caralho. Não, não. Aqui não. – coraçãos aos pulos, ela subiu a calcinha rapidamente, se olhando no espelho da cabine para averiguar seu estado. O porquê, nem sabia.
Seria ridículo achar que deveria estar apresentável para encontrar seu ex-namorado num avião depois de meses sem se ver. Ou não?
Merda. O que eu faço? Vou falar com ele? Será que ele quer me ver? Será que eu quero vê-lo?
Alguém começou a bater na porta, ela já devia ter ficado tempo demais surtando lá.
– Só um minuto. – falou dando a descarga e lavando a mão rapidamente. Porra, e se for ele na porta? Socorro.
Não era. Bella sorriu amarelo para a mocinha que esperava, e caminhou com cautela no corredor.
Quando viu, já tinha passado da sua fileira e estava sorrateiramente indo em direção às primeiras. Decidiu que só iria olhar discretamente para ter certeza se era mesmo Edward.
Não sabia definir o que sentia, se era ansiedade, pessimismo ou esperança. Andava quase na ponta dos pés, e lembrou-se de seus gatos quando se preparavam para dar o bote numa presa – que no caso deles era, literalmente, qualquer coisa que se mexia.
O que estou fazendo?
Chegando mais perto, viu que o moço do risadão estava na segunda fileira, na terceira cadeira encostado na janela. Era alto, assistia a algo com um fone imenso, apesar da boina inglesa cobrindo a cabeça. Se isso não era a coisa mais Edward que existia, ela não sabia de mais nada.
Ainda não via o rosto, então esgueirou-se para espiar sobre o assento. E pausou. Estava esperando o cabelo na altura dos ombros e a barba. Não viu.
Isso é Edward?
O perfil parecia o mesmo, mas fazia tantos anos que não o via assim, de barba feita e cabelo cortado, que não tinha certeza se vira certo. Ela deu um passo a mais, tendo uma boa visão do resto do corpo.
Seu coração disparado veio até a boca. Definitivamente, era ele.
Fudeu. Fudeu muito e pra caralho.
Estava prestes a sair correndo como criança depois de tocar a campainha, mas a comissária lhe pegou no pulo.
– Tudo bem? A senhora está perdida?
– Sim, tudo, sim. Desculpa, é o uísque, sabe como é. – ela falou baixo, rindo sem graça, antes de voltar à sua cadeira, onde se encolheu, com medo de ser vista.
Pensou em pegar os óculos escuros e enfiar um livro na cara para passar despercebida, mas se achou patética. É só Edward, caralho, ele já segurou meu cabelo pra vomitar e me viu sem banho por três dias no inverno.
Precisou pausar para respirar e clarear os pensamentos. Só estava agindo assim por não saber como proceder. Nunca tinha passado por algo parecido.
A briga tinha sido feia.
Um antigo texto de Edward foi publicado num livro de contos românticos, e Bella recebera do jornal uma cópia para fazer sua crítica na semana do dia dos namorados. Ela não gostou do que leu.
A carta de amor era sobre uma mulher que claramente não era ela. Não que Bella esperasse ser sempre a musa absoluta de Edward, mas a forma como ele escreveu incomodou. Tinha certeza de que era o retrato de uma ex dele, que tinha ficado na América.
De uma forma meio machista e infantil, ele idealizava uma mulher perfeita. Uma mulher que ela jamais poderia ser.
Foi uma decepção, pois esperava mais dele. Além disso, suas inseguranças vieram à tona. Seu ciúme, já inflado, duplicou de tamanho. Mas Bella manteve-se profissional e escreveu a crítica. Foi honesta. Não era um bom texto, assim como o restante do livro, parecia amador demais.
Decidiu, pela sua sanidade, esquecer o assunto e nem comentar nada. Até que o jornal saiu.
Edward logo soube da péssima nota que o livro organizado por seu amigo tinha recebido, e essa pequena falha na comunicação deles acabou sendo fatal. Depois de voltarem do jantar de dia dos namorados, ao invés de ver um filme e transar, como todos os anos, o rapaz fez um pequeno comentário atravessado sobre a bendita crítica, e eles começaram a discutir.
Todas as coisas que irritavam no outro foram ditas sem filtro.
Edward era bagunceiro demais, egoísta, e nunca conseguia um trabalho que garantisse metade das contas da casa. Bella era ciumenta demais, também egoísta, e nada nunca estava bom o suficiente para ela.
Os insultos e as verdades jogadas na cara doeram dos dois lados. Pela primeira vez, nenhum deles quis admitir derrota na discussão. Acabaram concordando que precisariam de um tempo longe para repensar a relação, já que ninguém quis ceder e perdoar.
Mas esse tempo, sem data de validade, tinha deixado Bella confusa. Um mês virou outro, e quando se deu conta, já estavam há dez meses sem se ver.
Às vezes achava que já era tarde demais – depois de quatro anos juntos, aquilo era uma eternidade. Já esteve a ponto de telefonar várias vezes, mas o momento nunca parecia certo, sempre achava um empecilho.
Isabella Swan era uma pensadora profissional que nunca esquecia seu ofício, nem mesmo quando o assunto carecia de mais emoção e menos razão.
Será que agora, no avião, seria o momento ideal para um reencontro?
Bella suspirou, voltando ao seu travesseiro lilás de lavanda. Preferia não ter que lidar com isso logo agora, pois o estresse do voo já era demais para seu corpo.
Resolveu pegar um livro, tentando abstrair os arredores.
Tinha trazido seu favorito na viagem, parecendo prever que precisaria do conforto que ele proporcionava. Leu as partes favoritas, já sublinhadas a lápis. Durante dez minutos, ela se perdeu nas palavras de Jane Austen pela milésima vez na vida.
Dez minutos.
O tempo que demorou para Edward terminar de assistir ao episódio de Brooklyn Nine-Nine, sua série preferida, e sua bexiga pedir para expelir o chá gelado que tomou antes de embarcar.
Se espreguiçou ao levantar, e pulou o senhorzinho simpático dormindo ao seu lado. Com uma leve corrida, chegou ao banheiro.
Trancado. Desgraçados.
Estava tão apertado para fazer xixi, que até pensou em segurar com a mão, porém o bom senso falou mais alto. Ser acusado de ataque ao pudor por apalpar o pau por cima da calça não era nada atraente. Buscando distração, ele encostou na parede e se esticou, bisbilhotando o que seus colegas de voo faziam atrás das poltronas altas.
Um adolescente vendo um filme bem inapropriado. Jovens, pensou rolando os olhos.
Um casal de velhinhos dormindo e babando em cima do outro. Eca. Mas que fofinhos.
Uma mãe amamentando seu bebê. Opa, desculpa a invasão de privacidade.
Uma morena que lembrava muito sua ex-namorada lendo um livro, com um travesseirinho de pescoço lilás. Parece bonita.
Espera. Quê?!
– Bella? – ele murmurou assim que a porta do banheiro abriu. Olhou outra vez, confuso e surpreso, porém o chamado da natureza o obrigou a entrar na cabine logo.
Estava estarrecido e curioso. Como algo tão aleatório podia acontecer logo nessa situação? Foram tantos meses sem notícias e sem se ver. Não tinha sido fácil manter a distância após decretarem a longa pausa no relacionamento, mas conseguiram.
O círculo social deles em Londres era quase o mesmo. Ele, um escritor, roteirista e pianista nas horas vagas e de necessidade. Ela, uma professora universitária de Literatura Contemporânea e crítica do terceiro maior jornal da cidade.
Vários eventos sociais e de trabalho foram evitados para que não dessem de cara com o outro; até na internet fizeram questão de se bloquearem. E então se encontrariam logo aqui? Era difícil crer.
Em sua cadeira, Bella continuava a leitura.
Finalmente mais relaxada, pensou que talvez conseguiria dormir dentro de meia hora. Já até planejava pegar seu tapa-olhos especial na mochila no bagageiro, mas foi interrompida brutalmente de novo.
– Achei que a leitura anual de Orgulho e Preconceito já tinha acontecido. – a voz grave soou perto demais, e Bella pulou de susto, o livro caindo em seu colo. – Não era nas férias de verão?
– Porra!
– Desculpa, não quis assustar. – Edward sorriu com calma. – Oi.
Com uma mão no peito, ela apenas o olhou por uns instantes, tentando escolher se era melhor fingir uma dor de barriga ou cumprimentá-lo. Sabia, porém, que tinha sido pega e não havia mais escapatória. O destino tinha decidido por ela.
– Oi.
– Posso sentar?
– Ahm... Eu estava lendo. – respondeu, sem segurança ou sentido algum.
– Deu pra ver. – ele riu, sentando-se mesmo sem convite, mas mantendo uma distância respeitável. – Posso te perguntar o que está fazendo aqui?
– O mesmo que você. Indo pra casa. – Bella se encolheu mais na cadeira, sua perna mexendo num tique nervoso.
– Espera, você estava na Bienal?
– Isso.
– Eu também! Um colega me chamou de última hora pra cobrir uma vaga num encontro de escritores independentes. E você?
– Ahm?
– O que foi fazer lá? Porque com certeza não saiu de Londres só pra comprar livros, né?
– Ah... Participei de um painel. – respondeu meio misteriosa na tentativa de cortar o papo. Ele não captou sua intenção, entretanto, e continuou interessadíssimo.
– De...?
– Literatura Feminina no século vinte e um.
– Jura? Foda, Bella, parabéns... Engraçado a gente não ter se cruzado esse tempo todo em Alexandria. Nem te vi na sala de embarque.
– É, eu perdi a hora.
– Isabella Swan atrasada? Que novidade é essa?
– Acontece. – ela deu de ombros.
Edward tirou a estúpida boina, revelando o cabelo curto demais que Bella quis ficar analisando, porém forçou-se a encarar a pequena tela mostrando a rota deles.
Geralmente, sempre sabia lidar naturalmente com pessoas com quem ela tinha alguma divergência, fosse política, moral, ou acadêmica. Agora, entretanto, seu cérebro parecia não funcionar direito. Os sentimentos conflitantes borbulhavam. Estava dividida entre ser simpática, disparar-lhe perguntas sobre o que ele tem feito, ou aumentar seu muro de proteção construído há meses.
– Uh. – ouviu Edward rir de leve.
– Que foi?
– Ficamos o ano todo sem se ver, mesmo morando na mesma cidade, e agora nos encontramos a quilômetros longe de casa num avião. Não é irônico?
– Na verdade, não.
– Como não?
– Isso não é ironia, é coincidência.
– Ahm? – ele a olhou, bem perdido.
– Uma ironia é uma frase ou situação que tem um resultado contrário ao esperado. – ela falava concentrada na telinha. – Aliás, essa é a figura de linguagem mais erroneamente usada do nosso século, perpetuada pela Alanis Morrissette nos anos 90 com Ironic. Boa canção, porém sem sentindo... Irônico mesmo seria se eu tivesse vindo até aqui pra me livrar de você.
Ouvir aquilo deixou Edward um pouco incomodado. Como ela pode ainda estar com raiva de mim depois de tanto tempo?
Mas a irritação durou pouco, pois entendeu que ela estava sendo absurdamente formal e fria de propósito. O rosto corado e a respiração curta diziam o contrário de suas palavras.
O que é irônico agora, querida Bella?
– Ah... Desculpa, Professora. – ele quis atiçá-la. – Eu sei que essa é a definição do dicionário que você decorou há tantos anos, mas eu discordo. A linguagem é algo que está sempre mudando, e a ironia já tem mais de um sentido no nosso vocabulário prático, não tem porque engessar um significado.
Bella abriu a boca e fechou. Touché.
Lembrou-se da mesma discussão em uma das aulas do mestrado, e sabia que ele estava certo. Mas não admitiria nem por um decreto.
– Está tentando me ensinar sobre um assunto que eu, literalmente, estudei por anos?
– Não, longe de mim. Só estou tentando provar meu ponto. Aposto que existem vários estudiosos que dizem o mesmo. Mas quem sou eu pra dizer qualquer coisa? Só um mero artista amador falido, não é mesmo?
Ele repetiu as palavras que Bella usou para insultá-lo na grande briga. Ela suspirou.
– Edward, o que você veio fazer aqui?
– Dizer oi, ué... Uau, tanto tempo sem me ver, e é isso que recebo? Minha presença incomoda tanto assim? – disse magoado, incitando um pouco de compaixão em Bella.
– Não... Desculpa, mas é que eu estava tentando me concentrar em ler e meditar... Você sabe que eu odeio voar.
A expressão dele suavizou-se.
– Sei. Sei, sim. Você está bem?
Não.
– Sim.
– Ok... Então eu vou te deixar sozinha... Foi bom te ver, Bella.
Ele se levantou, com intenção de retornar ao seu lugar.
No entanto, nem Edward, nem Bella, ou todos os passageiros estavam esperando a voz que soou dos alto-falantes.
– Boa noite, aqui é o Comandante Aro Volturi, peço atenção de todos.
Eles se entreolharam de cenho franzido, esperando o avião silenciar para o resto da mensagem.
– Há quinze minutos, detectamos uma falha no sistema de combustível da aeronave. Em contato com a torre, decidimos fazer um pouso de precaução no aeroporto de Atenas, a cinco minutos daqui. – nesse momento, um burburinho foi surgindo. – Peço que mantenham a calma, não há perigo imediato. Estamos fazendo de tudo para contornar a situação com o máximo de segurança para os senhores. Por favor, permaneçam em seus assentos e atentem-se às instruções de nossos comissários. Boa noite e boa sorte.
Bella mal ouviu o final da mensagem. Parecia que tinha saído do corpo, estava gelada e atônita. Tinha uma cavalaria no coração.
Maldita música da Alanis Morrissette com o cara que odiava voar, era só o que passava por sua cabeça.
Sob as vozes dos passageiros exaltados, a comissária começou a explicar como colocar as máscaras de oxigênio, que caíram imediatamente para protegê-los da queda de altitude. Edward, estático em seu lugar, olhou para ela e para a comoção geral no avião, sem saber bem o que fazer.
– A-acho que é melhor voltar pro meu lugar. – gaguejou, levantando-se. – Devem ter regras sobre isso.
Bella segurou seu braço em desespero.
– Fica. Não quero morrer sozinha.
– A gente não vai morrer, eles vão pousar no aeroporto.
– Aham, e até lá, o sistema de combustível já explodiu no mar e a gente virou comida de tubarão.
– Existe tubarão no Mediterrâneo?!
A outra comissária chegou para dar bronca neles.
– Por favor, senhores, afivelem os cintos e coloquem suas máscaras.
Edward sentou-se, obedecendo às ordens. Viu que Bella, aturdida, ainda não tinha se mexido, e então fez o serviço por ela, botando seu cinto e a máscara. Vê-la daquela forma fez um forte instinto de proteção despertar dentro dele. Faria de tudo para que ambos chegassem em casa a salvo.
– Respira. – ele disse, abafado pelo equipamento.
A morena saiu de seu transe, naquele momento, e sugou o ar com força, tentando lembrar das instruções da sua mestra de yoga e do terapeuta. Mantenha a calma e respire.
Sem tirar os olhos dele, estendeu uma mão gelada, e Edward a segurou. Os dois se apertaram.
– Obrigada. – sussurrou ela.
– Vai dar tudo certo.
Foram os cinco minutos mais longos da vida de todos.
Tinham sido instruídos a dobrar o tronco sobre os joelhos para reduzir qualquer impacto no corpo, e só no último minuto eles desgrudaram as mãos, quando avisados que estavam prontos para o pouso.
Bella fechou os olhos e desejou ter tomado aquele calmante que não quis misturar com o uísque. Seria melhor passar por isso chapada.
Edward desejou ter ligado para a mãe, que não via há mais de um ano, e dizer que pensava em ir passar o Natal em Chicago. Prometeu a si mesmo que se saísse vivo iria visitar pelo menos duas vezes ao ano.
Ambos desejaram conseguir rezar, porém esqueceram qualquer oração que já aprenderam na vida.
Eles sentiram o impacto forte da aterrissagem forçada, ouvindo um barulho grande e esperando em seguida a explosão.
Mas ela nunca veio.
Sentiram o avião saculejar enquanto freava por uma eternidade, até parar minutos depois. Edward se ergueu devagar, junto com outros passageiros e a tripulação a bordo, tirando as máscaras de oxigênio. Uma onda de palmas e vivas foi crescendo, as pessoas comemoravam o sucesso da manobra.
– Ei. Conseguimos! – falou ele, sacudindo a mão dela, que ainda estava debruçada sobre as pernas. Não obteve resposta, então alisou suas costas. – Bella?
– Hm.
– Está tudo bem?
– Não sei.
– Já pode levantar, tá?
Ela se ergueu lentamente. Chegou meio tonta e com a certeza que um pinguinho de xixi havia escapado. Edward se espantou com a cara dela quando retirou a máscara amarela.
– Deus do céu, está bem mesmo? Parece um fantasma.
– Deve ser porque agora eu sou um.
– A gente não morreu, Bella.
– Não tenho tanta certeza.
– Por acaso você viu uma luz no final de um túnel? Não, nem eu. Estamos super vivos.
Em meio ao caos, o cérebro de Bella quis fugir da realidade e escolheu protestar contra o uso do super como advérbio naquela frase. Soava imaturo, ela já tinha alertado Edward uma vez revisando um texto dele. Mas preferiu ficar calada agora, evitando ser chamada de professora novamente.
A sensação de anestesiamento a deixou fora do ar por mais uns instantes. Só despertou do choque quando seu estômago deu um sinal de vida. Rapidamente, tirou o cinto e ergueu-se, tropeçando ao passar por cima de Edward, que olhava apreensivo.
– Ainda não disseram pra gente levantar.
– Quer vômito nos seus sapatos? – foi a última coisa que ouviu antes de Bella sumir para dentro do banheiro.
O desembarque demorou mais do que o trajeto de Alexandria até Atenas.
Durante quatro horas, eles passaram por um atendimento médico e foram colocados com suas bagagens em uma sala especial da companhia aérea, à espera de notícias sobre o próximo voo para Londres.
Bella estava exausta. Estranhou um pouco que Edward não tenha saído de seu lado quase em nenhum momento. No entanto, apesar de trocarem poucas palavras, sua presença era reconfortante.
Seus problemas com ele agora pareciam tão pequenos.
Quando conseguiu sinal no celular, ela telefonou para sua melhor amiga, Alice, que estava de babá dos seus gatos, dormindo na casa dela essa semana.
– Meu Deus, acabei de ver na TV sobre isso, já estava aflita aqui. – Bella tinha lhe explicado o que acontecera. – Você está bem?
– Sim. Mais ou menos, ainda um pouco tonta... – respondeu, olhando para Edward, que comia o lanche fornecido pela empresa, o qual ela já tinha devorado. – Como estão meus filhos?
Edward achou graça, lembrando de como ela idolatrava aqueles gatos. Quando moravam juntos, o Mr. Darcy até que era simpático, mas o rabugento Heathcliff mijava em todos os seus sapatos, e ele jurava que o chiado do meliante soava como "te odeio".
– Fazendo merda, como sempre, né. – Alice respondeu. – Mas estão bem. E morrendo de frio, Londres está debaixo de neve. Aproveitei que estavam doidões de catnip e botei aquelas roupinhas que Angela deu.
– Ai, mentira? As de rena de Papai Noel? Cadê, manda foto?
– Se eu conseguir… Estão escondidos debaixo da sua cama há um tempão.
– Awn, eles pressentiram que alguma coisa aconteceu com a mamãe.
– Pode ser. Eu achei que estavam com medo de mim porque peguei os dois roendo o saco de ração. – Alice fez uma pausa longa. Voltou com um muxoxo. – Oh-oh...
– Que foi?
– Tem alguma TV por aí?
– Tem, mas está num canal grego.
– Acabou de passar no jornal da BBC… A nevasca vai piorar, e estão prevendo que os aeroportos por aqui fiquem fechados. Já começaram a cancelar voos.
– Quê?! Pelo amor de Deus, era só o que faltava.
– Que foi? – Edward perguntou, ouvindo o desespero dela ao telefone.
– Alice está dizendo que todos os voos pra Londres estão sendo cancelados por causa de uma nevasca.
– Bella? Quem tá aí? – sua amiga, esquecida na linha, perguntou.
– É Edward.
– EDWARD? – a voz dela irrompeu no seu ouvido. – Edward Cullen? Que história é essa, estão viajando juntos? Vocês reataram?
Ela reparou o dito-cujo ao seu lado, que fingia não estar tentando ouvir a conversa. Seu peito acelerou, doida para terminar a ligação.
– Não, nada disso. A gente se fala mais tarde, tá? Obrigada por tudo, vou mandando notícias.
– Bella, não foge não, volta aqu-– Alice tentou dizer, porém sua amiga já tinha desligado o telefone na sua cara para se levantar, pegando a mochila e puxando o carrinho da mala.
– Aonde vai? – Edward perguntou.
– Procurar alguém que diga se é verdade sobre os voos cancelados pro Reino Unido.
– Eu vou com você.
– Não precisa ir comigo.
– Eu sei que não, mas minha bunda está quadrada de ficar esperando... A não ser que não queira minha presença?
Ela tentou ler a expressão dele ao dizer aquilo, porém desistiu. Estava muito cansada para isso agora.
– Tanto faz. – deu de ombro e saiu andando. Edward foi logo atrás carregando suas tralhas.
Caminharam pelos corredores até o guichê da companhia com um braço de distância entre eles e um pesado silêncio. Edward, sempre o mais comunicativo dos dois, se encarregou de tentar aliviar o clima.
– Alice continua espevitada?
– Ah. – ela bufou uma risada. – Sim. É uma boa descrição pra ela.
– O que ela disse sobre eu estar aqui?
Bella o encarou, ligeiramente irritada.
– Estava ouvindo conversa alheia?
– Eu ouvi meu nome, né. – explicou, tendo a decência de parecer culpado. – Sabe de uma coisa? Estou com saudades dela. A baixinha é um pé no meu saco, mas sempre foi ótima companheira de bar.
– Você poderia ter procurado por ela… Sua briga foi só comigo.
– Você sabe que eu não poderia. Alice provavelmente queria me capar na época.
– Talvez ainda queira. – ela riu. Edward fez uma careta, sentindo a dor imaginária.
– Como está o resto do pessoal? Angela, Leah, Jake?
– Estão bem. Todo mundo meio na mesma, sem muitas novidades. Não tem mesmo falado com nenhum deles?
– Muito pouco. A última vez que os vi tem meses. Ando ocupado. – falou meio encabulado. Tinha sido um péssimo amigo esse ano, e sabia. Sentia saudades de todos.
Há seis anos, Edward e Bella chegaram ao Reino Unido buscando mudar de vida; o estilo americano de ser já não comportava seus objetivos. Bella tinha terminado a faculdade de Letras em Seattle e conseguira uma bolsa de pós-graduação na Universidade de Londres. Edward tinha terminado a faculdade de Artes em Chicago, trabalhava escrevendo comerciais para rádio e estava enfadado, querendo uma nova cena artística.
Os dois só se conheceram após um ano lá, apresentados por Carlisle, um amigo em comum, pois, segundo ele, eram "dois americanos com saudades de casa". Rapidamente, suas vidas se entrelaçaram e não demorou muito para que fossem morar juntos.
As amizades logo viraram fator comum do casal e se multiplicaram, já que ambos necessitavam criar a própria família no novo país. No entanto, foi inevitável que alguns tomassem um lado na separação, enquanto outros achavam que os dois estavam errados. Era complicado. Foi chato para todo mundo.
– E você? – Edward estava morrendo de curiosidade sobre como ela tinha passado esses meses.
– Eu o quê?
– Na mesma, sem muitas novidades?
– Nem um pouco.
Ele tinha intenção de elaborar a questão, porém haviam chegado ao destino. A imagem era de caos. O saguão do aeroporto de Atenas estava lotado, em todos os terminais das companhias haviam filas, gente berrando e até chorando.
– Que porra é essa? – Edward falou, boquiaberto.
– Apocalipse de inverno, aparentemente.
Logo, viram que diversos voos para o Reino Unido e boa parte da Europa estavam sendo cancelados um após o outro, mesmo depois de horas de pista fechada devido ao pouso forçado. Bella precisou dar alguns empurrões em uns marmanjos e ser xingada em francês para conseguir furar a fila e falar com alguém que poderia responder sobre a sua situação.
– Sinto muito, mas todos os voos para Londres estão cancelados por questões climáticas. Há uma forte nevasca acontecendo no momento sobre quase todo o Reino Unido, e que deve piorar nas próximas horas. – o atendente com forte sotaque informou.
– Sabe me dizer quando voltarão a decolar?
– Não sei informar, a previsão é de até 72 horas de suspensão.
– Três dias?! – os dois exclamaram em uníssono. Edward coçava a cabeça por nervosismo.
– Eu não posso ficar aqui por três dias! – Bella falou. – Nem tenho roupa pra isso.
– Sinto muito, senhora. Devido ao caráter emergencial do pouso do seu voo, a Egypt Airlines irá cobrir todas as despesas enquanto estiverem aqui, inclusive serviço de lavagem de roupas, se necessário. No momento, estamos tentando providenciar acomodações para os senhores com o todo o conforto.
– Estão tentando há quatro horas?
– Pedimos perdão, é um dia atípico. Além dos cancelamentos, há o festival de inverno de Atenas, e quase todos os hotéis da cidade e em torno do aeroporto estão lotados. Estamos em contato com hotéis de cidades próximas.
Ela debruçou-se na bancada, sentindo uma fraqueza de corpo e de espírito.
– Não acredito que isso tá acontecendo. Eu só queria ir pra casa. – choramingou. Se forçasse um pouquinho sairia uma lágrima.
– Quanto tempo mais vamos esperar pelo hotel? – Edward inquiriu.
– Sinto muito, não sei dizer. – o atendente respondeu, sendo interrompido pelo telefone. Falou por uns minutos em grego, até que sorriu, virando-se para os dois. – Ah! Boas notícias, acabamos de conseguir alguns quartos duplos e triplos num hotel de Atenas. As famílias e casais serão chamadas primeiro.
– Que bom... Mas infelizmente não somos um casal, nem família. – Bella falou, desapontada.
– Oh. Desculpe, pensei que…
– Somos sim. – Edward interferiu. – Vamos, Bella, a gente pode dividir um quarto.
Ele tem cada ideia... Ela sacudiu a cabeça.
– Não, obrigada.
– Você quer passar a noite nesse aeroporto infernal?
– Eu não vou dividir um quarto com você, Edward.
– Por que é tão cabeça dura?
– Ahm. – o moço pigarreou. – Com licença, me disseram que também já conseguiram quartos individuais, porém somente em Nea Makri.
– Onde fica?
– É uma cidade costeira a vinte minutos daqui. O ônibus fretado deve sair em uma hora com os passageiros que quiserem ir.
– Eu quero! – Bella quase berrou batendo na bancada assustando os dois homens.
– Ok... E o senhor? Gostaria de esperar por quartos individuais em Atenas, ou prefere ir para Nea Makri agora?
Edward olhou para Bella, que deu de ombros, tentando parecer indiferente. Só de saber que não ficariam no mesmo quarto, já lhe trazia um certo alívio. Era problema demais para lidar agora.
– Bom, acho que vou para Nea Makri também…
– Tudo bem. Por favor, me emprestem seus documentos, passarei as informações para a responsável logo.
Eles entregaram os bilhetes e os passaportes, sendo informados que cidadãos britânicos não precisavam de visto na Grécia, e poderiam pular a ida na imigração. Enquanto aguardavam, Edward a encarou, com aquele sorriso besta que ele fazia às vezes, subindo as sobrancelhas.
– Que é? – ela resmungou.
– Acabamos de ganhar três dias de férias na Grécia. Estou meio animado.
– Eu estou exausta, precisando de um banho e morrendo de fome. Animação é a última coisa que eu tenho.
– Qual é, Bella, veja pelo lado bom... Vai ser divertido.
– Férias na praia durante o inverno? Que programão. Divertidíssimo.
– Não me importo. Eu faço a diversão acontecer, esqueceu?
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Por enquanto, a diversão estava longe de acontecer.
Depois de mais uma hora e meia, eles chegaram ao hotel em Nea Makri. Na verdade, era uma mansão particular recém transformada em pousada no pico de um morro, cheio de pedras pelo caminho. Bella suspirou de alívio ao chegarem. Seus peitos doíam de tanto balançar, e ela achou que o ônibus cairia na ribanceira pelo menos umas três vezes.
Ela e Edward foram os primeiros do grupo de dez pessoas a completarem o check-in e receberem a chave do quarto. Ele a seguiu pelo corredor que levava às escadas.
– Seu quarto é por aqui? – perguntou Bella.
– Sim. O 11. E o seu?
– 10.
– Ok, vizinha. Por favor, não faça barulho, tenho sono leve. – ele piscou um olho na esperança de tirar um sorriso dela. Mas a carranca parecia permanente. – Que cara é essa?
– A minha de sempre, ué.
– Eu conheço a sua cara de sempre. Não é essa.
– Não sei que cara fazer... Estou cansada e ainda não acredito no que está acontecendo. E ainda por cima colocaram a gente nesse fim de mundo, que nem funcionário pra ajudar a subir a mala tem.
– Bella, era só pedir, eu carrego pra você.
– Não precisa, você já tem a sua.
– Eu subo a minha e volto pra pegar a sua. – ele disse ao chegarem no pé na escada. – Para de ser rabugenta, vai.
Ela mordeu a boca para não responder "rabugenta é a mãe!", pois na verdade adorava a mãe dele, e sabia que estava mesmo tendo um dia de chatice hoje. Então aceitou.
– Porra, o que tem aqui? Pedras? – perguntou o rapaz esbaforido no meio da escada.
Bella sorriu, uma certa satisfação sádica ao ver o esforço.
– Livros. – respondeu, chegando na porta 10, e soltando sua mochila no chão. Ele levou mais uns instantes para alcançá-la e entregar a mala. – Obrigada pela ajuda.
– Nada. – ele puxava fôlego. Mas ao invés de ir para o próprio quarto, começou a olhar Bella com uma cara igualzinha aos seus gatos quando ela sentava no sofá com um prato de comida.
– Que foi?
– Acho que eu mereço uma gorjeta... – Edward meteu as mãos nos bolsos, ansioso por não saber como seria recebido.
– Ahm?
– Posso te dar um abraço?
– Ah... – O pedido a surpreendeu. Mesmo que preferisse manter uma distância dele na atual situação, negar parecia errado. Além disso, estava mesmo precisando de um abraço depois do dia que teve. Ela assentiu. – Pode, claro.
Encontraram-se no meio do caminho. Logo de cara, quase chocaram-se indo para o mesmo lado, e riram um pouco, se afastando para começar de novo.
Na segunda tentativa, conseguiram se moldar ao outro e a nostalgia bateu forte. O calor, os perfumes, os corações acelerados, a corrente de sensações dos corpos já familiares. No corredor mal iluminado da pousada, eles sentiram-se em casa.
– Tive tanta saudade. – sussurrou Edward.
– Eu também. – respondeu ela com dificuldade, pois sua garganta contraiu-se num choro acumulado de um dia inteiro. Ele percebeu, e seus braços a apertaram mais.
Seguraram-se por mais alguns segundos, até naturalmente se afastarem. Edward não soltou as mãos dela de imediato, e a encarou com uma expressão que ela identificou como sofrimento. Era raro vê-lo assim, não caía bem em seu rosto bonito.
Bella pensou em dizer algo para amenizar o clima, porém as palavras morreram antes de sair, pois ele começou a se aproximar.
Por um segundo, achou que seria beijada na boca, e até fechou os olhos, confusa e paralisada. Enfim, sentiu os lábios somente em sua testa, e abriu os olhos, vendo-o dar um passo para trás.
– Boa noite, Bella.
– Boa noite. – suspirou.
Ela entrou no quarto e não teve muito tempo para ficar refletindo sobre o que aconteceu entre eles. Tirou as roupas, escovou os dentes, e assim que caiu na cama, o sono pesado tomou seu corpo.
Edward não teve a mesma sorte. Por hora, tinha tomado o posto dela de pensadora profissional e ficou rolando na cama.
Tomou um banho quente para relaxar. Escreveu e desenhou no moleskine que sempre carregava, tentando colocar coisas para fora. Coisas que ele não conseguia bem falar em voz alta ainda. Tal como Bella, ele também sentia-se cansado e confuso.
Tinha se controlado para não fazer nenhuma besteira impulsiva depois de senti-la em seus braços novamente, e ficou um pouco estarrecido com a reação que teve. Sabia que os sentimentos por aquela mulher estavam apenas adormecidos, porém não esperava que pudessem reacender com tanta facilidade. Não depois de tudo o que havia acontecido.
Bella tinha colocado o dedo em feridas que só ela saberia que doíam nele. Mas sendo sincero, ele tinha usado a mesma tática. Nenhum deles jogou limpo naquele dia chuvoso de fevereiro.
Foram longos meses de conversas consigo mesmo para avaliar onde ele tinha errado e assumir suas culpas. Esperava poder dizer a ela tudo isso, com calma e tendo os ouvidos e corações abertos.
Além do mais, ele sentia saudades, mesmo. De tudo. Dela, de dividirem a casa, de conversar a qualquer momento do dia. Até das pequenas discussões, das quais ele sempre tirava uma lição, ainda mais nos últimos anos.
Ele teve muitas namoradas, mas com Bella, tinha aprendido o que era amor de verdade.
Quando enfim adormeceu, foi pensando em como fazer para aproveitar essa oportunidade que o destino tinha lhes dado. Como fazer para passar por cima dos muros – o seu e o dela – e reorganizar os pedacinhos mal encaixados desse quebra-cabeça de mil peças que era o amor.
N/A: E ai, gostaram? Estou curiosaaa.
TEXTÃO PRAS LEITORAS AGORA:
À todas as leitoras, agradeço pela parceria durante esses 10 anos. São tantas memórias e amizades! Graças a esse fandom doido, eu descobri uma paixão e uma habilidade que eu nunca pensei ter. Obrigada por se manterem interessadas na minha escrita, e me impulsionarem a melhorar cada vez mais.
Essa é uma das fics que mais me diverti escrevendo até hoje. FAÇAM O FAVOR DE NÃO DEIXAR FLOPAR HAHAH
Leiam e comentem s2
