1.

Cheguei em casa e joguei minha velha bolsa na cama. Apesar de cansada de mais um dia longo de trabalho entrei no chuveiro. Minhas amigas me obrigaram a sair hoje, disseram que essa história de ficar em casa em uma noite de sexta feira é muito solitário para uma jovem de vinte e oito anos como eu. Confesso que ao me olhar no espelho não vejo mais aquele sorriso jovem e aquele brilho no olhar que era possível ver na época da faculdade. O trabalho exaustivo e a falta de tempo pra pensar sobre tudo que me acontecia haviam me destruído aos poucos. Por isso pensei em uma sexta feira prender o folego e tentar sair para me divertir um pouco.

Fui até o guarda roupa e analise as minhas opções, em meio a várias sais formais e blusas de botão que uso no trabalho achei um vestido antigo que eu usava na época da faculdade para sair. O vestido era básico e preto, com um decote pequeno mas que marcava muito bem meus quadris. Vesti com uma lingerie básica, não há menor intenção de que alguém me veja sem esse vestido. Homem nesse momento caótico da minha vida está fora de cogitação. Passei uma escova em meu cabelo e o joguei de lado, gostava do visual que ficava, apesar de me lembrar muito o visual hipster, o que sinceramente é desanimador. Para finalizar, meus velhos e queridos scarpins pretos.

Sai do meu apartamento e entrei no primeiro táxi que me apareceu, em meio ao transito caótico na área boemia da cidade encontrei o pub em que minhas amigas queriam se encontrar para desfrutar de uma boa cerveja gelada e conversas fúteis. Ao encontra-las em uma mesa no fundo, próxima a banda que tocaria naquela noite as cumprimentei com um beijo no rosto.

Erámos quatro amigas unidas desde a época da faculdade. Julie uma loira linda de olhos azuis perolados magníficos, um corpo curvilíneo digno de ser modelo da playboy, com o vestido que usava naquela noite o decote realçava seus seios de modo que pareciam mais robustos do que de fato são. Rebecca por outro lado era morena, a pele em tom de bronze perfeito e os cabelos negros em cachos perfeitamente desenhados caídos sob o ombro, seu corpo igualmente curvilíneo com uma bunda de dar inveja a muita passista de escola de samba. Por último Pietra, uma ruiva natural que havia fugido da vidinha pacata no interior da suíça para juntar-se a nós, ela era igualmente bonita, olhos verdes e o corpo magro porém na medida certa. Eu de fato era a mais sem graça, morena com os olhos esverdeados e apesar de ter os quadris largos não havia muito o que se apreciar além disso.

Assim que sento a mesa com elas, Julie diz em alto e bom som:
- Não acredito que para essa super noite você vestiu um pretinho básico?!

- Por que diabos essa é uma super noite?

- Porque você finalmente saiu de casa! – Indagou Julie piscando por trás daqueles cílios grossos muito bem maquiados.

Havia esquecido como era estar com elas, principalmente depois dos primeiros goles de cerveja. A noite rolou sem grandes estragos. Bebemos e colocamos a conversa em dia. Enquanto Julie tagarelava sobre o cara com quem estava saindo, Pietra preferiu falar sobre seu noivado, com seu namorado Gabe, eles namoravam desde a época da faculdade, e finalmente ele havia pedido sua mão em casamento. Rebecca se ateve a sua vida no trabalho e não comentou muito sobre o namorado Nathan, sinceramente acho que eles estão passando por uma crise. O mais desanimador da noite é que enquanto elas tinham suas vidas felizes, com apartamentos próprios, namorados, família, eu me sentia sozinha em um apartamento alugado e tudo que eu tinha para comentar seria sobre minha vida profissional, não que achasse ruim trabalhar na empresa em que eu trabalho, muito pelo contrário estava bem satisfeita com o meu salário e minha vida em torno disso. Porém ao lado das minhas amigas me sentia solitária. Talvez eu precisasse de um drink mais forte.

Me levantei e fui até o bar sentei no banco em frente e pedi uma caipivodka ao barman moreno de olhos verdes que sorriu simpaticamente pra mim. Enquanto assistia sua habilidade com a mixologia ao fazer meu drink senti uma mão tocar meu ombro. Virei-me pra trás e dei de cara um par de olhos azuis penetrantes e profundos. Por um segundo fiquei sem ar e tive que tomar cuidado para não cair do banco, ao retomar o ar percebi que estava diante ao homem mais sexy que já havia visto. Ele era alto e tinha os cabelos escuros em contrates a sua pele branca, porém bronzeada como se frequentasse toda semana uma praia ensolarada mesmo que estejamos no meio do outono. Seus cabelos eram compridos de modo que tocavam sua nuca deixando-o com um toque travesso de menino perigoso. No entanto, o rosto travesso de menino se contrastava com uma blusa social e uma calça de risca de giz. Supus que trabalhava aqui perto e veio a um happy hour com os amigos.

- Por minha conta o drink da moça – ele disse ao barman puxando-me dos meus devaneios e fazendo-me lembrar que eu precisava respirar

- quem é você? – respondi com a voz mais aguda do que gostaria.

- hum, sou Jack Hunter. E a senhorita?

- Charlotte Lynn. - sorri confusa e tentando parecer educada, mas acho que tudo que consegui foi uma careta com dentes a mostra. E ele pareceu não se importar porque riu.

- Senhorita Lynn.

Ele sentou-se ao meu lado, evasivo e sem explicações. Alguma coisa nele me dizia que era encrenca, que eu sairia machucada se continuasse ali, porém algo me puxava para cima dele de forma avassaladora. Meu coração batia rápido e de forma descompassada, senti que meu rosto estava ruborizando. Meu deus, o que estava acontecendo comigo?

Permaneci quieta, meu drink ficou pronto e eu beberiquei um gole e olhei de canto de olho enquanto ele brincava com o copo de wiskey.

- Obrigada pelo drink, Sr Hunter.

- Para a senhorita todas as coisas do mundo. – ele sorriu.

Um sorriso que fez meu coração quase saltar pela boca. Mas eu ainda estava confusa, que tipo de flerte era aquele? Me pagar uma bebida mas não tentar quebrar o gelo? Não conversar? Minha cabeça ficou a mil. Precisava entender o que estava acontecendo. Quem era aquele sujeito que saiu dos sonhos de qualquer mulher e se comportava estranhamente ao meu lado.

- Olha... eu não aguento mais esse silencio – ri nervosa – O que está acontecendo? Quero dizer, você me pagou um drink, sentou ao meu lado, mas não puxou conversa...

- Srta gostaria que eu puxasse conversa?

Senti minhas bochechas arderem com o acumulo de sangue.

- Não! Quer dizer... ai.. droga. Só achei que você fosse flertar comigo.

- Deveria?

Mas que porra!

Ele riu ao ver meu rosto irritado, parece até que ouviu meus pensamentos xingando-o.

- Srta Lynn gostaria de ir a algum outro lugar comigo?

ótimo, tráfico de órgãos.

- hãm, eu não conheço você – mesmo você sendo um gato e minha vontade de beijar você esteja aumentando a cada segundo...

- Passe a conhecer, ué.

- As coisas não são tão simples assim.

- E como as coisas são?

- Voce teria que ter puxado conversa, e se você fosse legal trocaríamos telefones, você me chamaria pra sair no próximo final de semana. Iriamos a um restaurante ou cinema, se fosse muito legal, marcaríamos outro encontro...
- eu beijaria você na porta de casa. É isso?

Nossa.

- é, talvez. Depende muito!

- é esse tipo de relação que você gostaria de ter? Porque eu não tenho muito tempo para encontros e tudo isso.

Pisquei olhando pra ele tentando entender o que ele queria dizer.

- Então que tipo de abordagem usa com as garotas? Porque até agora eu estou muito confusa e nada encantada.

Ele sorriu, de novo aquele sorriso sexy e perigoso.

- Bom, eu prefiro relacionamentos menos complicados. Se é que você me entende.

Ah, eu entendi muito bem.

- Você veio atrás da garota errada.

Levantei e sai andando de volta a mesa das meninas, sentindo meu coração acelerado e minhas mãos tremerem de raiva. Quem aquele cara pensa que é? Me senti estúpida de ter dado conversa a ele. Me senti totalmente deslocada naquele ambiente cheio de pessoas querendo diversão e eu só desejava meu pijamas de flanelas e minha cama.

Mal cheguei a mesa novamente e Julie gritou bêbada e com seu jeitinho todo particular.

- Quem era aquele gato?!

- Um idiota, um completo idiota!

Então foi a vez de Pietra abrir a boca.

- Um gato milionário, Char.

- Milionário?

Se era tão famoso assim, por que eu não sabia? Rebecca como se ouvisse minha cabeça rodando respondeu.

- Ele é dono de muitas empresas aqui em Seatle. Nathan me contou sobre ele, Mrs Hunter foi capa da Forbes na última edição.

Peguei o primeiro copo na minha frente e virei. Apesar dos protestos da Julie, já que era sua cerveja.

- Ok – começou Julie – você achou o milionário gato que te pagou um drink, legal. Mas isso não te dá o direito de beber minha cerveja, ok?! Até porque você deveria estar no carro dele agora indo para altas aventuras no banco de trás, e não aqui com essa cara de quem viu um fantasma.

- Ele foi um grosso!

- Por que grosso? – questionou rebecca, sempre com calma nas palavras.

- Porque ele não veio com flertes ou com você é 'muito bonita', ele quer só me levar pra cama!

- é claro, uma morenaça como você até eu! – gritou Julie provando que estava realmente bêbada.

Torci o rosto em desgosto ao comentário.

- Meninas, desculpe mas eu preciso ir embora. Eu estou com a cabeça explodindo.

Apesar dos protestos bêbados de Julie, e da decepção de Rebecca e Pietra eu fui até a porta do pub, paguei minha comanda e fui atrás de um táxi. Estava frio e eu me arrependi de não ter levado nenhum casaco ou uma echarpe. Enquanto lutava para chamar atenção de algum táxi, uma luxuosa Ferrari 612 Scaglietti preta parou logo a minha frente, o vidro desceu suavemente e o Sr Hunter sorriu para mim, com aquele mesmo brilho perigoso de antes.

- Carona?

- Com você? Nem por todo dinheiro que você possa ter.

- Então você sabe quem eu sou. Achei que estivesse no anonimato para você.

- Minhas amigas me fizeram o favor de dizer quem você é. Mais um motivo para eu não querer entrar nesse carro.

- Por que? Está frio, você não consegue um táxi.

- Porque você é o tipo de cara que está acostumado a ter tudo e vai achar que eu sou mais uma dessas garotas que dormem com você. Só que eu não sou, eu nem tenho tempo para homens.

- ótimo, eu não tenho tempo para mulheres, não vê o quão perfeito isso é, Srta Lynn?

Os olhos dele faiscaram de forma sombria. Fez meu corpo arrepiar.

- Sr Hunter, se o sr não se importa eu gostaria de voltar a procurar meu táxi sozinha.

O vidro do carro se fechou e nosso contato visual só foi quebrado quando o vidro cobria toda a janela.

Mas que porra é essa?

A Ferrari saiu dali em uma manobra rápida e ágil. Logo em seguida um táxi finalmente parou para mim. Agradeci internamente, tinha medo que ele voltasse.