Procissão
Um homem de estatura mediana, cabelos enrolados raspados fazendo uma careca de padre e vestindo um hábito preto amassado se aproximou lentamente do púlpito com um pergaminho no qual havia escrito o sermão do dia. A escolha daquele texto bíblico fora proposital, naquele tempo turbulento de quase anarquia na velha Inglaterra era necessário incentivar as pessoas a continuarem a ter fé em Deus, na vida e no trabalho. Ajeitou-se no seu lugar pigarreou antes de começar.
Na platéia estava um noviço que havia se juntado aos irmãos recentemente e ainda não havia acostumado a aproveitar o sono após as matinas o que ocasionou seu olhar cansado e distraído sobre o que o prior Will falava. Seu colega e melhor amigo no mosteiro o cutucou e cochichou em seu ouvido para prestar atenção que o Mestre dos noviços estava olhando para ele. A disciplina exigida naquele mosteiro era intensa, mas bem menor do que na maioria. Blaine voltou a se focar na homilia por uns segundo e então decidiu que seria mais interessante observar as pessoas ao seu redor e suas reações as palavras do prior. Dentre os monges todos estavam relativamente focados, mas entre a população ele via os olhares mais desfocados e vagos, teve vontade de rir, um garoto estava evidentemente cochilando em pé quando seu pai o acordou com uma sacudida ele abriu rapidamente os olhos. Eram de um intenso azul que Blaine nunca havia visto antes , era belo e combinava com seu rosto infantil e trejeitos inocentes.
A procissão começou com a imagem de São José carregado por alguns monges que haviam sido ordenados recentemente e tinham todo o vigor da juventude em suas costas. As pessoas entravam na fila ouvindo o canto dos monges.
"Meu divino São José
Aqui estou em vossos pés, dá-nos chuvas com abundância,
Meu Jesus de Nazaré"
As pessoas olharam para a imagem melancolicamente.
Olha lá
Vai passando
A procissão
Se arrastando
Que nem cobra
Pelo chão
As pessoas
Que nela vão passando
Acreditam nas coisas
Lá do céu
As mulheres cantando
Tiram versos
Os homens escutando
Tiram o chapéu
E as pessoas começaram a se balançar a medida que andavam com ritmo e pareciam um pouco mais animadas, os homens pobres apenas abaixavam a cabeça, quanto as ricas tiravam o chapéu enquanto andavam .
Eles vivem penando aqui na Terra esperando o que Jesus prometeu
E Jesus prometeu coisa melhor prá quem vive nesse mundo sem amor
Só depois de entregar o corpo ao chão
Só depois de morrer neste sertão
A procissão se seguiu pelo vilarejo ao redor do mosteiro que mostrava algumas poucas casas de pedra, mas a maioria pobre de pau-a-pique e chão de terra batida. Alguns tinham a sorte de ter uma cabra ou até um porco amarrado junto a casa.
Eu também tô do lado de Jesus
Só que acho que ele se esqueceu
De dizer que na Terra a gente tem
De arranjar um jeitinho pra viver
Viam-se alguns cavaleiros que pararam no mosteiro com graves ferimentos assistirem a procissão silenciosamente de longe e faziam preces silenciosas.
Entra ano, sai ano
E nada vem
Meu sertão continua ao Deus dará
Mas se existe Jesus no firmamento
Cá na Terra isso tem que se acabar...
Kurt que seguia logo atrás de seu pai e seu irmão postiço junto da mãe dele, observava tudo com atenção e ouvia as preces murmuradas das pessoas ao seu redor pedindo chuva, mas não muita, saúde, amor... mas , principalmente, a paz. Até mesmo aquele povo ignorante sabia que a falta de comida, o aumento dos fora-da-lei e o aumento no preço das coisas eram conseqüência da disputa entre dois senhores das redondezas por terras e orgulho, dois homens poderosos que tinham grande influência e faziam o rei ficar indeciso sobre qualquer tipo de intervenção.
O olhar do garoto se dirigiu aos noviços, um em particular que o ficara observando grande parte da missa, ele tinha um rosto saudável e cabelos castanhos encaracolados brilhantes que mostravam o tempo que estava ali, não mais que duas semanas. Provavelmente era filho mais novo de uma família rica que doou terras para o convento aceitá-lo, prática muito comum, mas terrivelmente desaprovada pelo padre Will. Apesar dele não poder fazer nada quanto a isso ele dizia que gerava noviços sem vocação, indisciplinados e despreparados para a dura vida monástica. Kurt não via muita dureza na vida monástica, afinal os votos de pobreza e castidades pareciam a ele fáceis de cumprir, ele já fora pobre e sabia que o pior era incerteza de não ter comida na mesa no dia seguinte, algo que os monges não tinham e nunca se sentira tentado a deixar-se com uma mulher em toda a sua vida, entretanto, ele achava que devia ser entediante todas aquelas orações, vigílias, estudos bíblicos e os momentos de outras tarefas devia ser um alívio na rotina. Ah, rotina! Algo que ele nunca conseguira se adaptar direito.
Ele reparou nos olhos verdes do garoto, ou seriam cor de mel? Exatamente como o que Frei Tuck costumava dar a ele quando era mais novo. Repentinamente ele sentiu um frio na barriga e vontade de conhecer aquele noviço, sem perceber Kurt sorriu.
Esse seria o começo de uma bela história de amores impossíveis, de luta e contestação, por que não? Enquanto há vida há possibilidade.
Oi, se alguém leu isso eu com certeza não ficaria ofendida com comentários, sugestões ou qualquer demonstração de interesse pela história kkkk
A música acima se chama Procissão e é de Gilberto Gil, uma das minhas preferidas diga-se de passagem. Eu acho interessante colocar músicas nacionais também mesmo a história se passando na Inglaterra medieval! Bem, espero que gostem!
