CRUZEIRO DOS SONHOS
Arashi Kaminari
Capítulo 1
Estava consideravelmente cansada. Algo me sufocava cada vez mais. Não tinha consciência do que era ao certo, mas eu sabia que me matava aos poucos a cada dia. Talvez eu apenas não quisesse abrir meus olhos para a realidade a qual eu enfrentava sem ao menos perceber. Cada sorriso, cada gesto, cada palavra gentil me fazia sangrar em meio a toda àquela gente. Por mais que gritasse, ninguém me ajudaria. Era como se eu estivesse numa sala sozinha gritando para as paredes, mas na verdade, eu estava num lugar repleto de pessoas importantes e nenhuma delas conseguia me escutar.
Não sei ao certo, mas deve ter sido naquela noite que finalmente alguém me avistou. Acredito que eu tenha me assustado e com isso, repelido a única pessoa que havia prestado atenção ao ser miserável que um dia eu fui. Mas eu não fugi, apenas me aprisionei dentro de mim mesma, esperando não emergir nunca mais e assim continuar vivendo como todos os outros a minha volta. Fechei-me por ter medo de algum contato que me parecesse mais humano do que qualquer outro que eu já houvesse experimentado.
Pedi licença para me ausentar por alguns instantes, antes de começarem a servir a mesa em que me encontrava com minha família. Não pude deixar de perceber o olhar reprovador de minha mãe. Sabia que ela desejava me casar com um homem de honra e de dinheiro, se possível bonito, mas tal qualidade em último caso. Havia muitos amigos de meus pais no salão de jantar e com toda a certeza, me apresentariam a todos.
Preferi não arriscar e desviei-me até a popa do navio, ao invés de trancar-me no toalete – tinha a leve impressão que minha mãe me seguiria até lá. Despi-me de meus sapatos e corri até o fim do navio, onde algumas pessoas desfrutavam o céu, agora encoberto por seu manto negro. Parei e fiquei a olhar o céu e vi uma luz rasgá-lo por um breve momento e logo em seguida, pude escutar gritos e vozes excitadas. Fechei meus olhos e pedi a primeira coisa que me veio a mente.
Retornei a frustrante realidade ao sentir um suave toque em meu ombro. Creio que eu não tenha ficado aborrecida por se tratar de minha irmã do meio, que há um mês estava noiva. Breve nos deixaria e então, começaria o meu verdadeiro tormento. Era melhor ela ali à qualquer pessoa a mando de minha mãe.
O jantar transcorreu na mais perfeita harmonia, mas eu já não pertencia àquele meio. Não mais depois que percebi aqueles olhos sobre minha pessoa, quando eu estava a embarcar. Algo dentro de mim me dizia que eu nunca iria esquecê-lo, mas eu desejava mesmo era poder admirá-los mais uma vez.
Assim que o show do cantor Sting iniciou-se logo após o jantar, inventei uma dor de cabeça e retirei-me. Mesmo que eu tivesse que passar o resto da noite trancada, seria de qualquer forma bem melhor do que estar acompanhada pela futilidade, pela inveja, pela ganância e pela megalomania – esses eram os adjetivos que dei para nomear minha mãe e suas três inseparáveis amigas. Claro que isso nunca escapuliu pela minha boca.
A melhor ação da minha vida foi feita no exato momento que me retirei, porque então, pude encontrar e analisar os olhos que tanto me fascinaram antes do embarque, na escada que levava os quartos daquele cruzeiro. Nos fitamos por um instante, mas eu senti algo fluir entre nós. Eu nunca havia me sentido daquela forma.
Por Arashi Kaminari, 28 e 29 de julho de 2004 / Revisado em novembro
