O imutável.



"Nunca deixe que te ponham em segundo plano, meu filho. Supere e despreze. Não há quem consiga lidar com o desprezo, é simplesmente pior do que o ódio. Sufoca."

Uma lição de infância que eu nunca me esqueci. Até hoje, quando fecho os meus olhos, consumido pela raiva, eu consigo me lembrar perfeitamente do momento em que minha mãe me disse isso. Seus lábios finos, severos, seus olhos frios como gelo, mas a voz sempre branda.

Desde o princípio, daquele primeiro atrito, nossa convivência tem sido a respeito disso. Ele não me reconhece como deveria, e eu o desprezo.

Ou tento.

Mas meu coração não obedece, teima em pular no meu peito cada vez que seus olhos verdes se encontram com os meus. A princípio eu imaginei que fosse raiva, pois ele jamais me considerou como uma opção. Não.

Draco Malfoy é sujo demais para o senhor Harry Potter.

Ele não admitiria a companhia de alguém como eu. Alguém cheio de preconceitos, completamente intolerante e arrogante. Ah, não. Ele prefere os humildes, os sangue-ruins.

De fato eu cheguei a sentir raiva. Mas em algum ponto ela se perdeu, e meu peito começou a se apertar. Pois eu não era capaz de desprezá-lo, eu o queria com todas as minhas forças. Eu desejava tanto tê-lo em meus braços, me perder em seu olhar, que me senti sufocado como nunca pensei ser possível.

Ele me desprezava.

Acho que foi então que, pela primeira vez, eu realmente entendi o que minha mãe quis dizer. Eu sempre estive acostumado com a situação oposta. Me ver como alvo de seu desgosto só me causava dor.

Por não saber lidar com isso, eu quis que ele se sentisse tão miserável quanto eu. Que sentisse a mesma frustração, que sofresse o mesmo que eu sofria. Mas nada do que eu fiz conseguiu tirar o sorriso de seu rosto, a luz de seus olhos.

Eu jamais poderia imaginar que eu não seria capaz de fazer isso, que apenas ele, o próprio Harry, era capaz de se ferir de modo tão profundo.

Mas agora eu vejo. Enquanto minhas mãos trêmulas tentam estancar o sangue que corre pelo meu rosto e peito, eu vejo a dor em seus olhos. Ele não queria me ferir, nunca quis. Meus olhos se enchem d'água, a dor parece não ter fim, e ainda assim eu não consigo desviar os meus olhos dos dele.

Eu ouço a sua voz, fraca. Tudo repentinamente tão longe de mim, eu sinto suas mãos em meu peito, e tudo o que eu desejo é que o tempo pare, e que eu possa morrer aqui e agora, sem me ferir mais, e sem ter de ferir.

As mãos dele são tiradas de mim. Eu ouço uma voz sombria, e meus olhos tornam a ter foco lentamente. Snape está me curando, ele diz que eu preciso ir à ala hospitalar, mas eu continuo distante, perdido entre suas palavras e o desespero.

Eu não morri.

O pior infortúnio em se desejar a morte, é não recebê-la, e perceber que ainda continua atrelado a um destino imutável. Dor gera mais dor. Harry não me ama, e o ressentimento me corrói. Mas eu não posso mudar, pois nasci para desprezar quem não me ama.


Fic inspirada na frase: "Nada no mundo consome o homem mais completamente do que paixão do ressentimento." (Nietzsche)