Hello!
Bom, estou aqui iniciando uma nova jornada, desejando e esperando que ela seja bela para mim e para vocês.
Quero agradecer, é claro, a talentosa SadieSil por ser minha beta e conselheira novamente, e obviamente, ao Professor Tolkien por ter existido.
Essa longfic está recebendo ajudar especial de diversos compositores e intérpretes para se estruturar, mas acho ao mesmo três destas canções merecem destaque especial por traduzir com perfeição os sentimentos que eu gostaria de expressar aqui. São estas: Cold War de Janelle Monáe, Pedaço de Mim de Chico Buarque e Sweet Dreams (Are made of This) de Marilyn Manson.
Só mais um aviso: essa fanfic é AU e também pode conter algumas (ou muitas) inconsistências na linha temporal.
Críticas são bem vindas.
Beijos e Queijos,
9O.
SUMÁRIO:
Hannon le= Obrigado.
I- A Coruja
Seus olhos fechavam-se lentamente, mas, em algum lugar distante, sua mente se agitava, ele não podia dormir. Agora, porém, já chegara a um estágio no qual até o incessante gotejar produzido pela infiltração naquelas paredes imundas soava como a mais doce cantiga de ninar.
Não se pode dormir, a voz continuava alertando-o, talvez fossem vozes. De onde elas vinham? Que diferença isso faria agora? O que realmente poderia fazer alguma diferença?
Nada disso importava, ele só precisava manter-se acordado um pouco mais, logo chegaria a hora e os guardas viriam buscá-lo. Eles eram sempre pontuais, seu anfitrião detestava atrasos.
Sim, logo estariam ali. Eram o que os guardas chamavam de "dias de visita". Havia sido alimentado todos os dias durante aquela semana, até recebera panos e água para limpar seus ferimentos, além de um banho, afinal, tinha que estar apresentável para ser digno da presença do Lorde.
Até podia sentir as forças retornarem lentamente ao seu corpo, se pudesse apenas, dormir um pouco... Mas dormir era ruim, havia uma ausência quase palpável cada vez que fechava os olhos, fazendo-o sentir a escuridão daquele lugar maldito penetrar mais fundo em sua alma.
E também havia ratos, eles viriam atacá-lo, eram muitos e famintos, não lhes podia dar uma chance.
Era quase engraçado perceber que ele havia atravessado o grande mar na intenção derrotar um Vala e agora montava guarda contra ratazanas. A situação tornava a palavra "mediocridade" um estranho eufemismo.
Não. Dormir estava fora de questão, pelo menos enquanto tivesse capacidade física para evitar.
Seus devaneios foram interrompidos repentinamente pelo rangido da porta se abrindo, seguido pelo estrondo que o aço fez ao bater contra a parede, a luz que passava por ela, mesmo sendo fraca e amarelada, era por demais intensa para seus olhos desabituados; fechou-os, então, enquanto sentia seu corpo ser arrastado pelo chão de pedra, subindo as escadarias, agora pelo polido piso de mármore. Ele já conhecia o caminho, toda aquela rotina já lhe era desagradavelmente familiar.
Foi deixado de joelhos no centro do gabinete e pôde abrir os olhos então, mesmo sendo dia e as janelas estando abertas, já não se sentia tão incomodado pela claridade. Os raios de Sol já não podiam atingir aquele lugar, as trevas que dominavam a alma do senhor daquelas terras impregnavam também, tudo ao seu redor numa desesperada tentativa de impedir os caminhos da luz.
O outro ocupante da sala estava prostrado em frente à sacada, não podia ver seu rosto, mas sabia que seus olhos perfuravam o horizonte, nada lhe escapava, ele era sempre movido pela mesma insaciável busca, uma descontrolada sede. Era um sentimento que o prisioneiro também conhecia muito bem
Órbitas cor-de-âmbar se voltavam para ele de repente, havia um brilho novo e perigoso nelas, enquanto o anfitrião caminhava a passos lentos e firmes até ficarem frente à frente.
"Maglor Makalaurë..." Ele conteve-se por um instante, os lábios erguendo-se em um leve, porém sarcástico, sorriso. "Estás horrível! Não achas fascinante a efemeridade da beleza, até mesmo nos tão eternos primogênitos de Ilúvatar? É, de fato, interessante."
O que acho realmente fascinante é como alguém pode manter um diálogo sozinho, Maglor pensou, ele poderia ter dito, mas ainda parecia muito cedo para se desfazer de sua relativa integridade física, de novo.
"Muito cedo, de fato." O Fёanorion pôde ouvir a melodiosa voz marcada pela ironia.
Sauron caminhou novamente, parando, desta vez, atrás do elfo. Seus frios e longos dedos se embrenharam suavemente nas negras madeixas do seu prisioneiro. O elfo sacudiu a cabeça brutalmente, mas antes que pudesse estar fora de alcance, a mão em sua nuca fechou-se puxando os cabelos violentamente e mantendo Maglor cativo.
"Ora, ora, quanta rebeldia! A essa altura já devias saber, não há lugar dentro ou fora do seu ser que não esteja sobe o meu controle. Não há fuga, Fёanorion."
O Elda ouviu, mas não havia voz. As palavras perfuravam o emaranhado da sua mente. Ele enrijeceu o corpo, entretanto não lutou. Inútil. Mesmo que estivesse na plenitude de suas forças, seria um esforço inútil.
A mão firme deixou sua nuca tão delicadamente quanto havia chegado e o Lorde do Escuro se afastou, retomando seu discurso inicial e sua posição em frente à Maglor.
"Já fostes um lorde, portanto foi criado como um, recebestes treinamento adequado nas diversas formas de artes e etiqueta."
Agora ele andava em círculos calculados ao redor do elfo moreno.
"Tenho pensado que seria, realmente, um egoísmo acumular este conhecimento valoroso, não passá-lo à frente. Além do mais, tens ficado ocioso em meus domínios, por este motivo te concederei a honra de ser o tutor do lorde Vórimo."
Após um momento de perplexidade os olhos cinzentos de Maglor se escureceram de fúria, como resposta ele, desdenhosamente, cuspiu nas botas de Sauron. Quando deu por si estava jogado no chão, seu rosto ardia intensamente e sentia o mundo rodar, mas o Maia já havia voltado ao seu lugar na sacada, completamente inabalado.
"Compreendo que vais precisar de um pouco de tempo para se organizar. As lições serão iniciadas em uma semana."
O algoz já estava de costas quando os guardas entraram e arrastaram o Noldo de volta ao calabouço.
Despertou assustado, tinha tido um sonho horrível - era irônico pensar que sonhos ainda o perturbassem considerando a realidade a sua volta – só então percebeu que esteve dormindo e não havia sido atacado, nem estava mais sozinho.
"Até que em fim o senhor acordou. É bem entediante aqui."
Maglor foi surpreendido pela proximidade da voz e por seu tom infantil. Em outra situação ele teria tentado se defender, mas já não havia o que defender.
A cela estava preenchida por total escuridão, por isso o elfo, apenas, pôde ouvir o estranho se levantar e caminhar em direção a porta. Uma tocha foi acesa, então, era bem pequena e estava distante o suficiente para iluminar sem incomodar os olhos esquecidos da luz.
Neste instante Maglor pôde ver o pequeno rosto se aproximando, o invasor era um menino de longos cabelos cinzentos e que já se sentava de pernas cruzadas em sua frente, encarando-o com olhos redondos de curiosidade.
Deveria ser outra alucinação, ele só precisava ignorá-la e logo sumiria.
A pequena visão deixou o rosto pender para o lado em dúvida quando nenhuma resposta veio do elfo à sua frente.
"Chamo-me Vórimo." O menino colocou a mão sob o peito e inclinou a cabeça. "É assim que vocês elfos fazem, não é?! Meu mestre disse que era, mas ele não é do seu povo. Por isso lorde Mairon deseja que o senhor me ensine."
Definitivamente, outra alucinação. Talvez se fechasse os olhos... Não, ainda estava ali.
"O senhor ainda acha que eu não estou aqui, não é?"
O menino esticou a mão e puxou uma das mechas de Maglor, que o olhou atônito, segurando-lhe o pulso com força. Para surpresa do Elda, o menino não gritou ou se assustou, apenas o encarou inexpressivo e desconfortavelmente calmo.
"O que é você?" O elfo disse entre dentes, apertando com um pouco mais de força o pulso que segurava na tentativa de extrair alguma reação do estranho. O garoto, no entanto, nem pareceu notar, contraindo levemente a testa em uma expressão que denotava dúvida, mas não dor.
"Eu não sei a palavra para isso." Ele disse estalando os lábios irritadamente, mal conhecera o novo tutor e já se fazia parecer um bobo. "Minha mãe é como você, meu pai um Maia." Ele completou, tentando explicar.
Maglor ficou alguns instantes em silêncio, analisando a pálida feição a sua frente, procurando mentiras em seus traços. Nada achou. A expressão da criança era novamente ilegível.
"Que tipo de pais deixa uma criança vir a uma masmorra?"
O menino apenas ergueu os ombros em resposta.
"Por que está aqui?"
"Queria conhecer meu novo tutor... O senhor estava dormindo, eu ia embora, mas tinha uns ratos bem grandes... Achei que, talvez, devesse ficar de guarda."
"Não vou ser tutor de ninguém, menino. Não sei qual o plano de Sauron, não me importo e nem serei parte dele!"
O menino arredondou os olhos como quem ouve uma blasfêmia
"Não deveria dizer esse nome, ele se irrita."
As palavras saíram como um sussurro, enquanto o menino movia olhos pela escuridão da cela nervosamente, como se esperasse que algo saísse das paredes.
"Eu não me importo."
De repente as órbitas claras estavam novamente focadas nele, havia nelas uma emoção que Maglor não reconheceu.
"Isso é bom."
O Fёanorion ergueu as sobrancelhas surpreso, contudo o garoto, apenas, suspirou e passou a estudar as próprias mãos que repousavam em seu colo.
"Por que precisa de aulas? Por que ele se importa com você?!"
Seu visitante voltou a fitá-lo pensativo, mas, em seguida, deu os ombros.
"Acho que os pais fazem isso."
Maglor surpreendeu-se com a velocidade de suas próprias ações, talvez seus instintos não estivessem mortos como ele pensara, pois em um instante estava sobre o garoto, duas mãos no pequeno pescoço. O mais alarmante foi, no entanto, sentir a fisgada de uma lâmina fria contra sua garganta, não achava possível que uma criança manipulasse uma adaga tão habilmente
"Você não quer me matar. Não vai ganhar nada com isso."
Calma e segurança estavam de volta ao rosto do estranho menino, sua voz soou estável. O elfo, ao contrário, arfava.
"Com certeza irei! Seu pai ajudou a destruir toda a minha família, seria apenas justo que eu destruísse a dele."
As palavras soavam como um rugido impregnado de raiva e remorso ao mesmo tempo. As mãos do Eldar, no entanto, continuavam a apertar impiedosamente o fino pescoço de Vórimo.
"Lorde Mairon não tem família, só servos, e servos são substituíveis. Mesmo assim, me matar só te faria igual a ele."
O menino lutava para falar, gastando o pouco ar que conseguia inalar ainda assim, conservava um tom de convicção, sua mão esquerda mantinha a adaga pressionada firmemente contra a garganta de Maglor, mas ele não demonstrava nenhuma intenção de usá-la.
Makalaurё ainda apertou um pouco mais, seus olhos fixos nos do garoto, as órbitas escuras pareciam se iluminar de fúria e, pela primeira vez, ele pôde ler o horror estampado no pequeno rosto à sua frente.
Vórimo não demonstrará medo da dor ou da morte eminente. Não. O que o apavorava era o descontrole e a loucura que dominavam seu algoz
Na mente de Maglor a imagem do rosto pálido e assustado do menino já se somava a tantas outras. Crianças, mulheres, guerreiros. Faces desfiguradas, nos últimos momentos de vida, pela dor, pelo pavor, pelo ódio. Os mesmos olhares suplicantes e desesperados que ele fingiu não ver, mas que jamais o abandonavam. Estavam todos ali de novo, podia vê-los, ouvi-los, estavam todos ali para condená-lo.
E ele era fraco. Tão fraco.
"Já sou igual a ele." Suspirou amargurado Maglor ao soltar Vórimo.
O elfo moreno voltou a encostar-se à parede de pedra estudando cada detalhe da escuridão na tentativa de fugir do olhar de Vórimo. Ele não queria encarar o desprezo naquelas orbitas cor-de-mel, mas se tivesse olhado teria visto apenas o mesmo misto de curiosidade e surpresa de antes. Era o grande dom das crianças: nada é esquecido, mas tudo é perdoado.
"Vá embora e diga ao seu pai que pode mandar os torturadores."
Ao ouvir aquilo o pequeno Lorde voltou a se aproximar, seus movimentos ainda receosos e seu tom suplicante.
"Por favor, reconsidere. O senhor é a única esperança deles..."
"Deles quem?" Os olhos de Maglor se estreitaram em sinal dúvida. Por que aquele maldito garoto não fugia d'ali?
"Os gêmeos, elfos... Eluréd e Elurín."
Maglor ficou estático por um momento, a cor fugindo da face, enquanto a imagem de duas idênticas pequenas figuras surgia em sua mente, uma lembrança deturpada pelo ódio e pela loucura, mas principalmente pelo arrependimento.
"Eluréd e Elurín estão mortos há muito tempo."
O elfo fez o que pôde para transformar seu rosto em uma máscara de desinteresse. Seu tom, contudo, denunciava o quanto ele se negava a acreditar nas próprias palavras.
"Não estão não! Vivem e treinam comigo... São um pouco velhos para isso, é que lorde Mairon atrasou o treinamento deles e..." O menino mordeu os lábios apreensivo. "Eles querem ir embora, não são daqui... Sentem falta da família e de casa. O senhor pode ajudá-los a fugir."
Maglor apertou os lábios, não conseguia ler aquele garoto. Toda a situação era obviamente uma armadilha, a menos, é claro, que fosse outra alucinação.
"E porque eu ajudaria? Eu os deixei para morrer! Como posso ter, ao menos, certeza de que você não mente?"
Vórimo se ergueu, já com uma expressão de derrota, e foi caminhando em direção à porta.
"Acho que não pode. Desculpe o incomodo meu senhor. Fique com a tocha, ela não se apagará e vai afastar os bichos. Boa noite."
"Híbrido."
Foi apenas um sussurro.
"O que?"
Havia uma curiosidade mal disfarçada na voz infantil.
"Hibrido. Você é um híbrido."
O garoto parou um instante, segurando a porta entreaberta, com um meio sorriso nos lábios.
"Hannon le."
Foi apenas um sussurro.
E ele desapareceu.
