Anjo Avernal


Esta Fic foi feita exclusivamente para o site "Snape Fics", de Meg -


Resumo: Severus Snape foi programado para ser um traidor de Voldemort desde o início por um Alvo Dumbledore não tão bondoso quanto aparenta. Uma idéia vista por outro ângulo sobre a confiança cega de Dumbledore por Snape. Se quiser ser convincente, comece por enganar seus próprios entes queridos...

Gênero: Terror, drama.

Censura etária: PG 13.

Aviso: não haverá qualquer rastro, sombra ou esboço de romance nesta fic.


Ato I – Às Portas Do Inferno.


Seus olhos negros exprimiam o mais puro terror por aquilo que enxergavam enquanto o seu cérebro mal conseguia processar todas as informações visuais que chegavam até ele. Era como estar vivendo um pesadelo real e palpável, onde outros sentidos também estavam alertas e sedados ao mesmo tempo.

Mas, mesmo no pior dos pesadelos a fuga era possível através do despertar súbito causado pelo medo. Ali não havia como fugir: era real, cru, trágico. E o terror chegava através da visão pela imagem em plena e rápida decomposição; da audição pelos urros de dor atroz e pavor; do olfato pelo cheiro pútrido misturado ao enxofre e amônia; do tato através de todas as células de sua pele que percebiam aquele horror como fossem gotículas de água gelada em seu corpo, agora, febril.

O jovem rapaz de apenas 15 anos encolhia-se estático, rígido e mudo contra a parede daquela imensa sala de jantar obscura, pouco iluminada por dois fracos archotes cujas chamas bailavam nervosas com a pressão de ar que se formava no local.

Um nevoeiro negro e fétido começava a dominar o lugar enquanto ao centro da grande sala um corpo humano que ainda respirava, pulsava e urrava era consumido por chamas esverdeadas que brotavam do chão. O corpo não queimava. O corpo se decompunha feito um cadáver, mas aquele "cadáver" ainda vivia e agonizada cada centímetro seu que se desmanchava lentamente.

Nada, absolutamente nada poderia ser feito! O rapaz mantinha-se prostrado como se um punho gigante e invisível o prensasse com força contra o chão. Seus músculos e ossos estavam totalmente dominados pelo horror que presenciava, mas que cada um de seus seis sentidos experimentavam nitidamente tudo o que acontecia. O pavor era tanto que não conseguia pronunciar um som inaudível sequer.

A eternidade pode durar para sempre no infinito do tempo e espaço, ou durar ínfimos instantes. O terror durou apenas ínfimos instantes, porém eternos como a morte. E a morte, a dádiva da vida, o consolo do sofrimento, estava ali presente e premiava com a paz aquele cadáver decomposto já em restos que ainda tremulavam, não estando tão mortos assim.

O tempo e espaço se tornaram um infinito negro sem forma. Não saberia dizer quanto tempo se passou... minutos, horas, dias, meses, anos, séculos? Apenas deu-se conta de si mesmo, de sua ainda existência, quando sentiu espasmos por todos os músculos de seu corpo, como se cada um deles estivesse tentando criar vida própria para fugir daquele pesadelo real.

Uma dor aguda no estômago e o gosto amargo em sua boca antecederam a retomada de animação de seu corpo. Caído de joelhos e palmas no chão, sem força, coordenação motora e equilíbrio para levantar-se, vomitou tudo que tinha e não tinha em seu estômago. E como fosse isso que o mantinha extremamente pesado e preso ao chão, recuperou o pouco de força que fora suficiente apenas para arrastar-se ao chão até a porta de entrada do recinto, perdendo os sentidos logo em seguida e mergulhando numa imensidão de treva silenciosa e etérea, porém confortável e acolhedora como o útero materno, onde não havia mais pavor e dor.


Acordou duas semanas depois num ambiente claro, amplo e fresco. Não sentia qualquer parte de seu corpo. Estava deitado de forma tão confortável que jurava estar flutuando. Teria ele morrido?

Assim que sua visão embaçada se tornou nítida e capaz de focalizar com precisão, serpenteou seus olhos em torno do ambiente agradável em que se encontrava. Viu um biombo alto em tom de madeira com pinturas delicadas de plantas em toda a sua volta, o cercando; um jarro de porcelana envelhecida com flores silvestres que mantinham um perfume muito agradável e tranqüilizante pairando em todo o local. Olhou para si mesmo e viu que estava coberto por uma grossa e fofa colcha em tom de amarelo pálido. Com muito esforço, apoiou-se sobre seus cotovelos, pondo-se sentado na cama onde estava.

O Céu era aquilo? Ou o Inferno não é como o interior de um vulcão e sim um local monótono e solitário?

Seja lá onde estivesse, sentia-se extremamente feliz, embora de forma irracional. Sentia-se confortável e protegido. Sentia-se em paz, como se o que viveu com todos os seus sentidos jamais tivesse acontecido além da sua mente perturbada.

Ou então, ele realmente havia morrido e ali era o Céu, cuja entrada é levada pelo caminho estreito, tortuoso e árduo do Inferno.

Mas, com a fúria de uma torrente, as suas memórias se avivaram com tamanha força que quase parecia estar acontecendo tudo novamente ali mesmo diante de seus olhos.

Seus músculos entraram em espasmos involuntários, dificultando até mesmo a sua respiração e pulsação. Levou as mãos ao rosto, escondendo-os como fosse uma criança temerosa que escondia os olhos por medo de uma visão horrível... e era o que era: uma criança aterrorizada por imagens de pavor.

Seu pai! Era ele! As chamas verdes como esmeralda brotaram do chão e começaram a devorá-lo de dentro pra fora! As chamas moviam-se aguças com fossem tentáculos que invadiam e atravessavam cada parte do corpo de seu pai e, como se sugasse a sua vida como uma aranha faz as suas vítimas, o corpo ainda jovem de seu pai murchava e despedaçava como um cadáver em rápido estado de putrefação.

Um grito de pavor e a reação instintiva que o levara contra a cabeceira da cama, embolando-se no cobertor, lençol e travesseiro. Uma mão mansa havia pousado em seu ombro e, depois de sua reação de puro instinto de preservação, duas mãos o seguraram com firmeza em seus braços finos e fracos. Somente quando o instinto deu-lhe trégua desanuviando visão e mente, percebeu que era um homem idoso e de aparência bondosa que estava diante de si e, quando sua mente estava totalmente liberta de vendas, entendeu que o tal homem tratava-se do Diretor de sua escola de nível médio, Hogwarts.

Somente depois de ouvir uma dúzia de vezes seu nome ser pronunciado de forma doce e calma que o garoto Severus Snape voltou realmente a si, cessando quase instantaneamente todos os espasmos e sentindo o ar fresco entrar por suas narinas e seu coração voltar a bater em compassos ritmados e indolores.

—Severus... está tudo bem, filho... você esta bem, salvo e seguro... Você está em Hogwarts...


Outros dias mais se passaram até que o jovem Severus estivesse recuperado de forma aceitável o suficiente para conversar sobre o que aconteceu consigo... ou melhor, sobre o que havia presenciado dentro de sua própria casa, o horror da magia negra que consumiu seu próprio pai.

Às vésperas de completar dezesseis anos, o garoto se perdia em pensamentos frívolos de comemorações, como fosse um escape de sua mente perturbada pelas memórias do terror. Não comemorava seu aniversário há muitos anos, desde que sua mãe falecera, levando em seu ventre seu irmão caçula. E, agora, sabia, para toda a sua vida, que não teria mais qualquer motivo para comemorar. Seu pai, sua única família, estava morto.

Ele estava sozinho. Completamente sozinho no mundo. Era o último de sua estirpe. E seu nome e toda a história de sua família também estariam mortos quando ele mesmo não mais respirasse.

Muito longinquamente ouvia uma voz mansa pronunciar seu nome, até despertar totalmente de seus devaneios e encontrar-se sentando numa confortável poltrona em veludo carmesim dentro de uma sala arredondada e repleta de artefatos interessantes e diferentes. As paredes estavam recobertas de quadros de bruxos e bruxas importantes que lhe dispensavam olhares curiosos e atentos.

Severus levantou lentamente sua cabeça, encontrando os olhos azuis-água que inspiravam muita confiança e tranqüilidade, mesmo que o seu dono permanecesse com a expressão cerrada... mas, num futuro não muito distante, o garoto descobriria que aquela aparência de bondade era uma mascará das mais perfeitas.

—Eu sei o quanto isso é pesaroso e difícil para você, Severus, mas precisamos conversar sobre o que aconteceu aquela noite, em sua casa, quando seu pai foi assassinado...

"Assassinado?"... tal palavra reverbera na mente do garoto Snape, chegando a lhe causar tontura. Seu pai foi morto, sim, de forma extremamente cruel, e o que o matou foi uma força maligna e invisível. Mas o termo "assassinado" soava-lhe estranho. Não podia dizer que seu pai, que fôra morto daquela forma, tinha sido, simplesmente, assassinado... isso era tão pouco... tal palavra não era capaz de expressar claramente todo o horror que provocou a morte de seu pai e que ele próprio presenciou em todos os seus detalhes.

Alguns minutos se passaram até que Severus pronunciasse qualquer palavra em resposta ao Diretor Alvo Dumbledore, que aguardava pacientemente pelo garoto pôr suas idéias em ordem.

—Eeeh... b-bem.. o senhor não quer que eu diga tudo que vi aquela noite, não é? Dou ao senhor até uma penseira com minhas lembranças, mas não me faça descrever um cheiro sequer do que senti naquele momento... isso.. isso.. seria como reviver tudo de novo! Desculpe, Professor, mas não posso falar sobre isso!

O garoto abaixava seus olhos para seu colo, enquanto suas mãos seguravam firmemente no assento da poltrona e seus pés balançavam suspensos a poucos milímetros do chão, tentando aliviar a tensão que começava a dominar-lhe.

Alvo Dumbledore respirou profundamente, segurando por instantes o ar em seus pulmões enquanto mantinha seus olhos fechados, observando a si mesmo.

—Eu compreendo, meu jovem, e sei que isso seria torturante... mas, mesmo assim, precisamos falar sobre o que aconteceu, não o fato em si, que é uma conseqüência, mas naquilo que resultou nessa tragédia horrorosa.

Severus ergueu de imediato o seu rosto, encarando Dumbledore. Seus olhos negros fechavam-se em fendas que demonstravam a raiva que sentia ao ouvir tais palavras que lhe soaram como uma acusação. Numa voz letal e baixa, replicou o que acabava de ouvir:

—Conseqüência? O senhor está dizendo que meu pai foi culpado por sua própria morte?! O senhor está dizendo que meu pai provocou toda aquela aberração?!!

—Mantenha-se calmo e ouça... – disse o Diretor de forma direta e firme, com sua mão direita espalmada para o garoto. —Lamento muito em dizer isso, mas aquela morte brutal de seu pai foi, sim, uma conseqüência... tudo o que a Treva dá, ela tira em dobro, às vezes, até mais que isso! E ela não admite deslizes...

O garoto estremeceu diante daquelas palavras ditas de forma fria e calculada. Seus olhos arregalaram-se de pavor. Pavor por estar começando a compreender onde o Prof Dumbledore queria chegar. Pavor por começar a ver o quanto fazia sentido o que ele dizia.

Durante várias gerações que atravessavam séculos, sua família sempre fora dedicada às Artes das Trevas. A família Snape sempre esteve mergulhada na Magia Negra. Foi uma das primeiras famílias bruxas de todo o Reino Unido e, logo, com o passar dos tempos, tornou-se uma família nobre, distinta e tradicional. Cultuavam desde sempre o obscuro e as forças da natureza, que se tornaram proibidas por serem deveras poderosas. Os poucos membros da família Snape que se deixaram cair por paixões tolas que maculavam a honra de todos, foram simplesmente banidos para todo o sempre...

Porém, o resultado de tudo isso era hoje haver um único membro ainda vivo, o único a carregar o nobre sobrenome... no fim, seria esse o resultado da dedicação a algo perigoso e proibido?

Sim e não, tão somente.

O erro de seu pai, por assim dizer, foi ter-se filiado a um bruxo impuro... e depois tê-lo desafiado ao descobrir seu sangue imundo.

—O senhor diz que... a morte de meu pai foi uma conseqüência de ele pertencer ao Círculo das Trevas de Lorde Voldemort?

Alvo Dumbledore sorriu um sorriso frio, igualmente ao brilho de seu olhar. Recostou-se a sua poltrona, observando de queixo erguido o rapaz por sob seus pequenos óculos em formato de meia lua. Se havia algo de muito admirável ao garoto Snape, era a sua astúcia. E astúcia unida à inteligência afiada do rapaz o fazia um candidato perfeito para encenar uma grande peça de tragifarsa.

—Até onde sei, o seu pai já não pertencia mais ao Círculo de Voldemort. Além de ter desertado, ele desafiou o próprio Voldemort quando descobriu que este não era um puro-sangue de fato, o que acarreta uma grande desonra para o Clã Snape... então eu lhe pergunto, meu menino: o que se passa em seu coração o fato de ter a família desonrada e seu pai morto por Lorde Voldemort?

Severus ainda não teve tempo suficiente para desenvolver qualquer raciocínio lógico sobre o ocorrido, muito menos ter desenvolvido sentimentos de rancor e vingança, mas ante a pergunta de Alvo Dumbledore, sua mente começou a girar num impulso violento, remexendo desde o seu cérebro até os menores de seus nervos. O garoto apertou ainda mais forte a poltrona, enterrando suas unhas no tecido. Os dentes estavam cerrados a ponto de ser doloroso e uma veia despontou em sua têmpora, pulsando nervosamente. A tez pálida de seu rosto começou a se tornar rubra e quente quando, finalmente, após longos minutos, levantou a cabeça e encarou olho no olho o velho mago a sua frente, que aguardava, como sempre, pacientemente por uma resposta, com a expressão inalterada e os dedos entrelaçados sobre a mesa.

Mesmo com a boca completamente seca, o garoto proferiu sua sentença com todo o rancor que acabara de despertar. A voz passada por entre os dentes quase cerrados, soava como um sibilar. O sobrecenho crispado não permitia ver a córnea dos olhos de Severus, que, naquele momento, mais pareciam a própria treva, como um céu noturno mórbido, sem lua e estrelas.

—Eu quero a destruição desse maldito! Eu quero o fim de Voldemort! Quero que ele tenha um fim muito pior do que meu pai teve!


Fim do ato I – continua...

By Snake Eyes – Outubro de 2004.