Mais uma compilação de fanfics que não demora muito e eu deixo de lado.
Em suma, manhãs aleatórias de casais aleatórios.


Bom Pai
Aldebaran e Mu

Chega de manhã, já acordei.
Me procura com o olhar vago pelo templo. Estou com o avental, sujo, na oficina e espero. Ouço os passos em direção ao quarto e grito "aqui". Ele vem com seu sorriso habitual. Senta perto, deixo as ferramentas de lado e me viro. Estico o pescoço e recebo um beijo breve de lábios ásperos.

"Trouxe café"

Sorrio, levanto, limpo as mãos na bata e vamos juntos até a mesa rude no canto do cômodo. Café brasileiro, ele traz aos montes quando volta da terra natal. Não sei se gosto por ser de lá. Ou se é porque simplesmente veio do mesmo lugar que Aldebaran. Ou ainda se é porque ele quem prepara. Mas sei que gosto.

"Está gostoso" digo.

"Você sempre diz que está" ele rebate preparando uma fatia de pão com manteiga. "Quer?"

"Não, obrigado"

Não vamos conspirar contra o Grande Mestre, apesar de eu não conseguir tirar da cabeça que não é o mesmo homem que me criou e me ensinou sobre a revolução das estrelas, ou o rastro de pó que deixam quando evanescem. Não vamos contatar aliados, nem traçar planos sobre mapas do Santuário e arredores. E não vou ficar consertando armaduras enquanto ele lê um livro, induzido ao silêncio que imponho. Aldebaran pediu. Então não vamos fazer nada disso.

Ele diz que a cozinha está vazia e que Kiki precisa se alimentar direito, me atentando para uma negligência não-intencional minha. Disse que só penso nessa - como ele chama - operação suicida. E disse também que tenho que dormir mais e me alimentar. Então eu cedo.

Kiki ainda dorme. Esperamos. Deixamos um bilhete. O menino vasculharia telepaticamente toda a Grécia para nos encontrar, de qualquer modo.

O dia foi decidido intencionalmente, com a maioria dos Cavaleiros de Ouro em missões duvidosas, e os soldados rasos e Cavaleiros de Prata em treinamento intensivo, evitamos os olhares indesejados. Não por vergonha, mas por cautela. Antes o constrangimento das piadas - não que eu me importe - do que acusação de conspiração, ou mesmo a desconfiança. Nada pode pôr meus planos em risco, e Aldebaran respeita isso. Por isso esse dia, exatamente.

E, por isso, também, Rodório. Perto, para onde podemos ir e de onde podemos voltar com rapidez.

"Está mais calado que o de costume. Eu pedi para vir comigo pra esfriar a cabeça..."

"Estou tentando" minto.

"Não mesmo" ele ri.

Sorrio de volta. Vez ou outra cogito a hipótese de Aldebaran também saber ler mentes. Ao menos, a minha.

Ele escolhe as frutas e verduras mais suculentas e sadias sem muita análise - mais do que natural. Não que eu não saiba diferenciar uma maçã podre de uma madura e de uma ainda verde, mas Aldebaran faz isso parecer uma função extraordinária de suas habilidades táteis. Deve ter vivido muito tempo no campo. Seu corpo tem gosto de terra depois da chuva. Terra fértil, de onde bons frutos virão, sejam feitos, sejam filhos. Teria bons filhos, estivesse ele com uma mulher. Eu já lhe disse isso. E ele respondeu que já tem um bom filho.

Me pego sorrindo, observando-o voltar da quitanda com a bolsa que usa para carregar as compras de feira. Bege, surrada, parecendo uma extensão de seus braços, carregando tudo o que preciso - e tudo que nego. Nego presenças demoradas, me agrada a escassez de carinho, de barulho. Nego qualquer coisa a que eu possa me apegar e tirar meu foco. Qualquer coisa a que eu possa me apegar e possa ser usada contra mim. Qualquer coisa que possa ser tomada de mim. Melhor assim - repito - melhor assim - repito - melhor assim.

Mas Aldebaran entende, e quer fazer parte. Então aconteceu um pacto mudo, metafórico, de que ele seria parte disso, mas me deixaria no silêncio necessário. E nunca houve a promessa, mas eu nunca ousaria entrar em sua mente. Nunca houve, sequer, o pedido. Mas eu não me atreveria. Melhor assim. Permanecer como um jogo de advinhas, mesmo que ele pareça me conhecer a ponto de prever meus passos; e eu me surpreenda com os dele. Estou poetizando isso, mas é mais simples do que parece. E mais bonito do que eu possa poetizar. Sinto assim.

"Caixa de cereais coloridos?" releio a lista de compras. "Isso deve ser coisa do Kiki, você não colocaria isso aqui..."

Ele ri baixo, matreiro.

"Fui eu sim"

Sorrio incrédulo. "E quanto a levar só coisas saudáveis?"

"Ah, mas o menino tem que comer umas porcarias também, ninguém é de ferro"

"Francamente, Aldebaran. Eu tenho certeza. Você vai devorar a caixa antes de Kiki ao menos sentir o cheiro"

"Nem vem, eu vou dividir com ele" uma pausa para me analisar, e o complemento cabisbaixo "você não acredita em mim, né?"

Ele brinca, me balançando pelo ombro. Parece uma criança. Eu não acredito que esse sujeito se tornou um Cavaleiro de Ouro. Pego duas caixas no mercadinho, por precaução, e voltamos para a Casa de Áries.

Kiki festeja com as bobagens que Aldebaran colocou escondido na bolsa de compras. Isso porque a ideia de levar apenas coisas saudáveis havia sido dele. Volto para a oficina, ouvindo Aldebaran dizer que vai ensinar Kiki a pescar num pantanal em sua terra natal e sorrio.

Bons frutos.

Bons feitos.

Um bom pai.