Disclaimer: Harry Potter pertence a JK. Rowling. E Manual do Perfeito Gay pertence a linda da PerlaNegra, que me deu permissão pra traduzir. Gracias, Perla. sz

Baseada nos personagens e situações da série de TV Queer As Folk. Algumas das regras, ideias e diálogos de Draco, são cópia de frases ditas por Brian Kinney na mencionada série.

Nota: Escrita antes de Harry Potter e as Relíquias da Morte, portanto não contempla os fatos levantados nesse livro.

Já tem algum tempo que eu queria traduzir essa fic maravilhosa da Perla, então aqui está. Hoje, 18 de Abril de 2017, faz exatos 10 anos que Manual do Perfeito Gay começou a ser postada. E também queria muito postar o primeiro capítulo da tradução no aniversário de dez aninhos dessa babe. 3 Espero que gostem tanto quanto eu.

Enjoy.


Manual do Perfeito Gay

Regra 1

A diversão antes de tudo. Não há nada mais importante que uma boa foda ou uma noite de balada. Absolutamente nada e por nada se deve trocar.

Exceção

Um amigo a ponto de jogar-se da Ponte de Londres. (Merda, Potter, olha o que você me faz dizer!)


Quase podia jurar que escutava o quadril dele golpear o desse imbecil. Plop, plop. Um calafrio recorreu seu corpo antes que pudesse evitar.

— Sim… Oh, sim… ¡Aaah, Deus! Mmmm…

Poderia alguma vez trazer um surdo-mudo ao apartamento? Sério, seria pedir muito?

"Oh, sim, oh. Você faz tão bem, Malfoy. Você é o deus do sexo, Malfoy. Casa comigo amanhã, Malfoy… Puta que pariu."

Paf, paf… Poderia alguma vez colocar a cabeceira da sua cama de um jeito que não fizesse tanto barulho?

Deu uma olhada na porta do quarto de seu amigo, olhando-a com tanta fúria que se a folha de madeira fosse um ser consciente, teria se mijado toda. Harry apalpou sua varinha escondida em suas calças, sabendo que o mais sensato seria lançar um feitiço silenciador sobre a habitação.

Mas por alguma razão, não queria fazer isso. Curiosidade mórbida? Esperança de escutar que algo dava errado? Não sabia. Irritado, tentou se concentrar na televisão.

— … cujo porta-voz não quis dar a impressa maiores informações sobre o sequestro de…

— Você gosta assim? — perguntou a voz de Draco, a qual soava abafada através da porta que os separava. Mas que Harry sim conseguiu perceber. E tampouco pôde deixar de notar o tom sensual e carregado de desejo com qual as palavras foram ditas. Apertou os lábios sem poder evitar uma careta de amargura.

— Oh, sim… por favor. Maaaaaaais… — gemeu a outra voz em um tom muito mais alto, alongando com exagero a última palavra. Soava tão… suplicante-desesperado-excitado…

Harry começou a suar frio. Pegou o controle remoto da televisão e subiu o volume ainda mais. Não se deu conta de que suas mãos estavam tremendo.

— …os sequestradores palestinos se justificaram alegando que os franceses não portavam documento algum e que…

E como se Draco tivesse escutado o som do noticiário noturno e soubesse as dificuldades que Harry estava passando (e Harry não duvidava que fosse assim), aparentemente se dedicou ainda mais em seu trabalho (como se isso pudesse ser possível, pensou Harry) e começou a fazer só Deus sabe que coisas a seu amante, que gemeu desaforado e afogou a voz do apresentador das notícias internacionais.

Harry apertou com tanta força o punho que segurava o controle remoto, que não duvidava que todos os botões do mesmo — desde o power on-off até o mute, passando pelos números de 1 ao 0 — ficariam marcados para sempre na palma de sua mão feito tatuagem. Fazendo esforços sobre humanos, tentou pôr seus cinco sentidos no homem de terno que falava de conflitos no Oriente Médio desde a tela da sua televisão.

Harry semicerrou os olhos para vê-lo melhor e suspirou. Por que os caras dessa rede de televisão não podiam pôr um tipo mais bonito? Por que esse estúpido não podia ter o cabelo loiro platinado e desnudar-se lentamente enquanto Harry metia sua mão dentro das calças e…?

Mas não. De fato, pensou que o apresentador era um tipo bastante comum e ordinário para merecer estar na televisão. De cabelo negro e penteado de bom garoto. Óculos de meia lua que lhe davam um ar de nerd. Harry virou a cabeça para um lado, pensando que agora que o olhava bem, esse apresentador era muito parecido a ele.

"Inferno. Eu pareço com esse deslambido da tevê." Mas recordou que uma vez Draco tinha dito que não achava esse cara feio.

Sorriu.

Mas tão logo como apareceu, o breve gesto de felicidade foi substituído por um de genuína frustração.

Os choramingos do imbecil que estava com Draco haviam chegado a um ponto francamente insuportável. Harry torceu o feição, fazendo caretas enquanto imitava a voz do amante da vez:

— Ai, ai… ui, sim. Olhem pra mim. Estou com o grandioso Draco Malfoy. Aha, aha.

Grande coisa.

Imbecis, os dois. Draco e seu Andrew, John, Eddie, Pepito ou como se chamasse o cretino dessa noite. Não lembrava, e podia apostar a vida que Draco também não.

"Alguma vez o fará com alguém chamado Harry?"

O pensamento lhe veio quem sabe de onde. E logo que brotou do cérebro, rápidamente levou uma mão a testa e a esfregou frenético, como se seus dedos fossem borracha e desejasse apagá-lo antes que Draco saísse e pudesse ler. Como se a cabeça de Harry fosse uma grande tela em exposição com todos seus pensamentos escritos nela.

"Pensamentos de Harry Potter da noite de 14 de fevereiro do presente ano: número um, estou feito uma merda porque Colin me deixou e você não parece se dar conta de nada. Número dois, estou farto de ouvir os ruídos de seus amantes quando os traz ao andar. Maldita a hora em que dividi apartamento com o sou-o-diretor-da-sinfonia-dos gemidos. E para terminar, número três: de verdade desejaria (sério que sim) ter gemido assim mesmo que fosse UMA SÓ VEZ em minha maldita vida. Assim como só você consegue que qualquer um se derreta em gemidos e suspiros quando está entre as pernas deles."

Derrotado, lançou a cabeça para trás contra o sofá repetidas vezes. "Merda, merda, MERDA!" Sabia que não tinha nenhum maldito sentido estar resistindo.

Perdendo a batalha por completo, se rendeu ao pensamento que inundou sua imaginação tão claramente como se estivesse olhando na tela da televisão: a ele mesmo dividindo a cama com seu amigo e companheiro de apartamento. A ele mesmo, enlouquecido de êxtase e ofegando pelo prazer que as carícias e beijos de Draco provocariam em seu corpo. A ele mesmo, em vez do outro cara, sendo fodido pelo mesmíssimo Draco Malfoy nesse exato lugar e momento.

Harry começou a respirar com agitação sentindo que o coração disparava. Uma gota de suor deslizou pela testa ao mesmo tempo que a excitação que sentia se fazia evidente debaixo de suas calças.

— Inferno! — murmurou enquanto tentava controlar sua respiração, sentindo-se algo entre enfurecido e envergonhado. Mais furioso com ele mesmo que com Draco. Ou que com o maldito imbecil que estava pegando.

Maldito costume de merda que tinha o loiro de foder as conquistas dele sob seu mesmíssimo nariz! Por que diabos não podia ir ao apartamento do outro ou esperar que Harry não estivesse em casa?

Não era a primera vez que Draco lhe fazia aquilo. E claro que não seria a última.

Uma vez, quando no meio do café da manhã um tímido Harry tinha se atrevido a comentar que a situação "lhe incomodava um pouco", Draco só havia sorrido arrogantemente e lhe sugerido que aproveitasse as circunstâncias para melhorar sua condição física e que cada vez que isso acontecesse, saísse para caminhar no parque. Com uma expressão abatida, Harry escutou Draco gabar de que talvez umas quinhentas voltas ao Soho Square seriam tempo suficiente para que ele terminasse com o garoto da vez. Mas o que finalmente conseguiu fazê-lo corar de raiva tinha sido o último comentário do loiro, quem com um gesto astuto havia se levantado da mesa e sussurrado no ouvido de Harry:

— Ou talvez seja melhor tomar um banho bem frio.

Estúpido, vaidoso e arrogante Malfoy! Quem ele achava que era? Harry tinha se enfurecido tanto com a insinuação da parte de seu companheiro de que escutar suas jornadas sexuais conseguia excita-lo, que deixou de lhe dirigir a palavra durante dias. Mas ao final tudo voltou a normalidade, esqueceu o incidente e as coisas entre Draco e ele seguiram como sempre.

Naquela vez deveria saber que se sentiu-se tão ofendido havia sido precisamente porque Draco não tinha feito mais que adivinhar a verdadeira situação. Que embora Harry não quisesse admitir, a realidade era que ele ficava mais quente que um forno de pizzaria escutando as ardentes sessões de Draco com o-que-fosse-o-cu-do-momento, do que quando estava agarrando-se com Colin.

Tão quente, que a maioria das vezes saía fugindo do apartamento em busca de Colin, precisamente. E se Colin não estava perto, simplesmente se deixava perder nas brumas do desejo que se despertava nele e incapaz de conter-se, fazia justiça com as próprias mãos. Em seu quarto, na sala ou no banheiro. Mas perto. Perto de Draco.

Escudando-se em decadentes justificações, jamais foi capaz de reconhecer que algo não andava muito bem naquela situação. Depois de tudo, Draco era seu companheiro de apartamento e, mais que isso, seu amigo. E caso tudo isso fosse pouco, Harry tinha namorado. Assim que não havia desculpa possível para sentir-se atraído por Draco, e a negação sempre foi um excelente modo de não aceitar os sentimentos que o loiro despertava nele.

Essa noite, Harry decidiu se dar por vencido e aceitar mais um fracasso. Porque sabia bem que, por mais alto que estivesse o volume da televisão, sua mente não ia deixar de processar as imagens do que, ele supunha, Draco e sua companhia estavam fazendo nesse justo momento. Imagens fortemente alimentadas pelos gemidos e suspiros que se deixavam escutar através da fina porta que separava o quarto de seu amigo da sala.

Com mais fúria do que pretendia, Harry desligou a tevê e jogou o controle remoto no sofá conforme se levantava. Suspirou profundamente enquanto se estirava e usava uma mão para acomodar seu membro semi ereto por cima da calça.

Que novidade. Negando com a cabeça, diz a si mesmo que isso era perfeitamente normal, que qualquer um se estimularia ao escutar ruídos de sexo tão perto… Tão perto? "Bem ao meu lado, maldito seja."

Teria que ter sido de pedra para não se estimular ao escutar um casal desfrutar tão amplamente. "Deus, Deus, DEUS, ou quem quer seja que fique aí em cima! Quanto quer pra me deixar saber o que DIABOS ele faz para que ofeguem desse jeito?"

Claro, com tais ruídos qualquer um se estimularia. Qualquer. Ninguém era imune ao deus-do-sexo-Malfoy. Nem sequer seu amigo Harry Potter. Quem jamais seria visto por Draco de outro modo que não fosse esse.

Tentando ignorar a amargura que invadia sua boca e lhe fazia apertar tanto os punhos que tinha as juntas brancas como cera, se dirigiu até a porta.

Tinha que sair dali, mas JÁ.

Porque não era possível que o que estivesse sentindo fosse ciúmes. Inveja. Desejo.

Não, não podia ser.

O desconsolo que sentia essa noite tinha que ser por causa de sua recente solidão, combinado com a frustração da certeza de que essa noite não teria jantar romântico nem sessão apaixonada de sexo. Tinha que ser isso. Devia ser isso.

Porque Draco era só seu amigo. O único que havia estado a seu lado nos últimos anos. E isso não mudaria jamais.

Teve vontade de sorrir ao pensar que se alguém lhe houvesse dito que Draco e ele terminariam sendo amigos, nunca teria acreditado. Mas o gesto ficou congelado em seu rostro formando uma careta amargurada ao dar-se conta de que, apesar de que os dois eram gays, suas personalidades seguiam sendo completamente diferentes do mesmo jeito que antes.

Deixou que a porta batesse atrás dele e saiu decidido até as escadas do edifício, fechando sua jaqueta conforme baixava os três andares que o separavam da saída. Definitivamente o ar frio daquela noite de fevereiro teria que ajudar a acalmar suas ânsias e pensamentos descontrolados sobre tudo aquilo.

Já na rua, Harry caminhou a um passo veloz para se esquentar, se dirigindo apressadamente até o famoso jardim que estava a um par de quadras de seu edifício. Ao chegar ali, se deteve sobre o úmido gramado e se sentiu o homem mais estúpido de toda Londres. "E agora?" Enfiou as mãos nos bolsos de sua jaqueta, xingando por ter esquecido de pôr umas luvas em sua pressa para sair.

O frio assolava a essa hora e as nuvens cinzas que se pairavam sobre a cidade eram clara indicação de uma breve garoa.

O parque estava muito solitário, com umas quantas pessoas caminhando ao redor; um homem mais velho que passeava com seu cachorro e uns poucos casais sentados nos bancos beijando-se com paixão. Claro, em noites como essa não havia melhor forma de se esquentar que beijar-se com seu namorado, não é?

"Maldito dia para se estar sem companheiro."

Frustrado e gelado até os ossos, Harry bufou e decidiu ir a uma das tantas cafeterias que encontraria ao virar a esquina. Na verdade, não tinha nenhuma vontade de tomar café, mas ao menos assim poderia estar em um lugar com aquecimento e se protegeria do frio sem ter que regressar a sua casa. E pensando bem, talvez um chocolate quente não cairia mal.

Encaminhou-se até uma das calçadas de Frith Street decidindo que ia matar Colin assim que colocasse os olhos nele. Claro, isso no caso de que voltasse a vê-lo de novo algum dia.

{HP}

Como sempre e apesar do impiedoso frio, a rua estava cheia de vida. A multidão de diferentes negócios da zona, entre os quais se destacavam os pubs, cafeterias e sex shops, eram visitados a toda hora tanto por turistas como por moradores. Harry passou reto por diferentes bares e restaurantes antes de decidir entrar ao Caffè Nero, pois sabia que ali serviam um delicioso chocolate.

Não havia muita gente. Algumas pessoas de meia idade, sentadas nas modernas mesinhas, bebendo em copos fumegantes e lendo diferentes coisas. Tentando, como Harry, amenizar um pouco a solidão que costuma atacar nos dias festivos às pessoas que não tem com quem compartilhar nem estar.

Harry suspirou e agradeceu internamente pela calidez que o recorreu assim que entrou no lugar, sentindo-se quase mareado pelo forte aroma a expresso que dominava o ambiente e avançando até o balcão em busca de um chocolate que também o esquentasse por dentro.

— Potter?

Harry quase deixa cair a bebida que acabava de pagar ao virar-se com rapidez, alarmado porque alguém ali o chamou por seu nome. A garota de cabelo e olhos negros que estava atrás dele o olhava com curiosidade e desconcerto.

— Potter — repetiu, agora como uma afirmação.— Como está?

A pergunta não havia sido feita com verdadeiro interesse. Tanto o olhar quanto a expressão da garota indicavam mais desagrado que alegria pelo fortuito encontro. Antes de responder, Harry levou o copo de papel aos lábios e se queimou ao tentar beber o conteúdo.

— Bem, Pansy. E você?

A garota o olhou fixamente e sorriu de lado, como se achasse que esse "bem" dito por Harry não coincidia nada com o que seus olhos estavam vendo.

— Melhor que nunca, obrigada — girou até sua direita, fixando com a vista um homem alto e bonito que a acompanhava. Ela levantou as sobrancelhas e disse com um mal dissimulado orgulho: — Lawrence Craig. Amor, ele é Harry Potter. Um velho amigo da escola.

O homem e Harry apertaram as mãos e se cumprimentaram tal e como exigem a cortesia e os bons costumes. Depois de trocar um pouco de informação sem importância entre eles, como a profissão do namorado e a merda de clima que tinham esse ano, Pansy sugeriu que sentassem os três juntos em uma pequena mesinha que recém havia desocupado.

A ideia não agradou Harry. Depois de tudo, Parkinson e ele jamais haviam trocado mais de três palavras no passado e na verdade não tinha nenhum interesse em começar nada com ela. Mas não encontrando um jeito educado de negar, se viu de repente sentado entre duas pessoas que mal conhecia e diante de um chocolate quente que já não desejava mais.

— E diga-me, Potter… Como está Draco? —perguntou Pansy finalmente, depois de vários minutos de conversa banal.

Harry a olhou nos olhos, sabendo que isso era a única coisa que devia ter ocupado a mente da garota desde que encontrou o companheiro de apartamento do que foi seu primeiro e mais encarnizado amor: saber de Draco.

A pergunta provocou que a mente de Harry voasse de volta a seu apartamento e aos gemidos. Uma retorcida no estômago e sensação de vazio na barriga.

Sem querer, Harry abaixou o olhar e respondeu:

— Bem. Como sempre.

— Continua sendo uma puta?

O novo questionamento de Pansy ocasionou que seu namorado quase se engasgasse com o café e atraiu até ela olhares irritados e escandalizados de mais de dois paroquianos próximo a sua mesa. Harry engoliu saliva e sentiu que a amargura subia do estômago até deixar na boca um terrível sabor a fel.

Que diabos fazia tomando chocolate? Desde esse dia, só café. E em casa, por favor.

— Já te disse — respondeu entre dentes. — Como sempre.

Pansy arqueou as sobrancelhas e o olhou inquisitoriamente, quase desnundando-o com o olhar.

— E você? Não se supõe que deveria estar com seu namorado no Dia do Namorados? (1)

Harry, que nesse momento estava dando

voltas ao copo de chocolate só para ter algo que fazer com as mãos — chocolate que agora se arrependia de ter desejado —, quase mordeu a língua para não dizer o que realmente estava pensando.

Maldita a hora em que essa bruxa ressentida havia cruzado seu caminho.

— Colin e eu… Decidimos dar um tempo. Ele recebeu uma oferta de trabalho que não pôde rechaçar, já sabe, a Magical Geographic. Como dizer que não a isso? E eu… — se interrompeu, perguntando-se que diabos o obrigava a contar a Parkinson detalhes de sua vida privada.

— Pobre Potter, que pena me dá — comentou ela arrastando a voz e honrando ao animal que representava a casa que havia pertencido em Hogwarts. Seu tom soou tão falso que até seu namorado virou a cabeça até ela e a olhou arqueando uma sobrancelha. — Sem namorado e sem amigos, e depois de tudo o que fez por nós. Abandonado por Granger e Weasley desde há muito tempo e agora pelo don ninguém sangue-ruim-tira-fotinhas.

Sentindo que perdia as estribeiras, Harry se pôs intempestivamente de pé e se desculpou:

— Lamento, Pansy. Tenho que ir.

— Aonde e por que com tanta pressa? Achei ter escutado que não tinha parceiro — disse ela com a voz carregada de veneno e um brilho de diversão em seu escuro olhar.

— Pansy… — murmurou Lawrence em tom de advertência. Certamente o pobre imbecil achava que a garota estava extrapolando. Harry o olhou sentindo genuína lástima: ou estava muito apaixonado, ou não conhecia a verdadeira Pansy Parkinson. Pelo menos, não como ele. Pansy simplesmente ignorou o aviso de seu namorado como se não houvesse escutado.

Harry a observou sem poder ocultar sua crescente raiva.

— Draco me espera — mentiu. Se ela queria fazê-lo se sentir miserável, então ele pagaria com a mesma moeda. — me convidou pra sair com ele hoje. Na verdade, já vem insistindo desde algum tempo, e também essa foi uma das razões pelas quais terminei com Colin.

— Draco? Te chamou pra sair? — Pansy olhou-o da cabeça aos pés com o olhar cheio de desdém. No fim, deu uma bufada. — Por favor, Potter. Eu tenho certeza absoluta que de tanto sonhar você está confundindo a realidade com a fantasia — endureceu seu rostro antes de adicionar com voz cruel: — Você não é o tipo dele.

— E ninguém melhor do que você para saber com certeza aqueles que não são o tipo dele, não é? — respondeu Harry, tentando não se deixar intimidar. Mas a dor que sentiu diante da verdade dita por Pansy o assustou. Se afastou da mesa rumo a porta de saída, sem voltar a olhar a garota nos olhos. — Foi um prazer, Craig. Feliz Dia dos Namorados aos dois.

Jogou o copo com seu conteúdo quase intacto no cesto de lixo que estava colocado ao lado da porta e saiu a passos largos do lugar. Ia tão furioso que nem sequer reparou na ligeira e gélida garoa que havia começado a cair sobre a cidade.

Não estava certo do motivo de sua irritação. Na realidade, duvidava que fosse pelos comentários de Parkinson sobre o abandono de seus amigos ou de Colin. Geralmente, isso não o deprimia tanto.

O golpe baixo tinha sido outro. "Você não é o tipo dele."

Franziu o cenho e encurvou a postura ao cravar o olhar em cada passo que dava. Era verdade, ele sabia. "Não, não sou seu tipo. E nunca serei."

Draco gostava dos bonitos. Com corpo magnífico, com o traseiro perfeito e empinado. Garotos alegres, festeiros, que soubessem dançar. Que roubassem a cena nos clubes, que chamassem atenção ao passar. Mas acima de tudo, bonitos. E Harry sabia que ele não era nada disso.

Sem deixar de franzir o cenho, se perguntou pela enésima vez o que se sentiria ao ser a presa de Draco quando esse andava em modo de caça. Desejou saber quão emocionante seria ser o motivo de admiração de seus olhos cinzas, nessas noites em que devorava o garoto-objetivo-da-noite com o olhar antes de fazê-lo literalmente com a boca.

E por que lhe doía tanto ser consciente de que nunca saberia?

Não quis aprofundar mais nisso. Já tinha bastantes problemas, realmente sim, para ainda permitir que as palavras dessa inoportuna serpente o fizesse perder a pouca tranquilidade que lhe restava. Mas de repente a realidade de sua vida lhe ardia como se a ex Slytherin tivesse jogado sal a uma ferida fresca. Era assim que lhe doía.

Doía. Algo lhe ferroava na alma; e como se fosse sua única tábua de salvação, Harry se apegou ao piedoso pensamento de que era por Colin que se sentia assim. Depois de tudo, Colin havia sido seu primeiro e único amante até esse dia. Era ele quem havia lhe resgatado da solidão em que se encontrou quando venceu a Voldemort e seus amigos se afastaram; quando o mundo mágico deixou de render-lhe tributo e agradecimento, e passou a ser um bruxo mais: sem trabalho, quase sem dinheiro, sem rumo fixo e, o pior, sozinho.

Havia passado mais de três anos desde aquele dia em que Colin tinha chegado para buscá-lo onde foi seu anterior local de residência, o número 12 de Grimmauld Place. Harry recordou que a princípio havia se sentido um tanto irritado, quase escondendo-se e negando-se a sair quando o jovem ia visitá-lo.

Aquele que foi seu admirador na escola o tirou quase arrastado da tumba em que o mesmo Harry tinha se sepultado, devolvendo-lhe a alegria pela vida e a confiança em si mesmo. Mas sobre todas as coisas, o conhecimento de que era adorado e querido por alguém mais e não só por ser o salvador do mundo mágico.

E Harry havia se conformado com isso. Achou que era o que merecia e tratou de ser feliz. Realmente tinha amado Colin? Ele duvidava. Quando o garoto lhe perguntava, Harry apressadamente mudava o assunto. Porque estava quase certo de que a resposta era um não.

Sem deixar de recordar aquele que apenas um par de dias atrás tinha deixado de ser seu namorado, Harry se encaminhou até seu apartamento. As pessoas que cruzavam seu caminho olhava-o estranhadas, embora ele não se desse conta disso. Havia esquecido que sua poderosa magia às vezes saía sozinha. De fato, tinha que cuidá-la constantemente para evitar ser descoberto pelos trouxas fazendo algo surpreendente sem querer.

A chuva deslizava pelos lados do cabelo e das roupas sem as impregnar nem umidecer nem um pouco. Deslizava com suavidade, acariciando sua pele e seu cabelo negro sem molha-los, da mesma forma em que a água é repelida pelas plumas de uma ave. Como se Harry houvesse transformado sua pele e suas roupas na plumagem de um cisne… ave bela e excepcional que acha que não passa de um patinho feio.

{DM}

Ouviu-o lutar com suas chaves e, só para irritar, esperou que introduzisse a correta na fechadura para se adiantar e lhe abrir a porta. Adorava a cara que ele ficava quando o fazia, um gesto de surpresa e aborrecimento ao descobrir que seu trabalho de buscar a chave havia sido completamente em vão.

Embora poderia ser que seu desconcerto fosse porque ele e seu amigo ainda estavam no apartamento em vez de já terem ido dançar, como talvez Harry tivesse imaginado.

Harry ficou com a mão levantada e a chave apontando a uma fechadura que já não estava, só olhando sua cara. Com esses olhos verdes tão abertos. Tão transparentes. Tanto, que às vezes Draco achava que não precisaria de legilimencia para poder ler através deles. Tragou saliva ao mesmo tempo que semicerrava os seus.

Estúpido bastardo de olhos verdes, realmente sabia quão bonitos eles eram? Claro que Draco nunca confessaria. Primero se deixaria arrancar um braço e a metade do outro. E talvez nem ainda assim.

Notou a forma em que arqueava suas grossas sobrancelhas e seu silêncio. Gestos que lhe deram um ar de fragilidade que era estranho. Desconhecido. Será que o Herói se sentia indefeso? O Vencedor do Lorde das Trevas tinha medo?

Draco sorriu presunçoso, sabendo que se Harry estava na rua era porque não tinha suportado os gemidos do garoto que Draco estava pegando. E quem certamente havia insistido em entrar no banheiro para se lavar um pouco antes de ir ao club. Mas Harry não correspondeu o sorriso, só ficou ali, plantado no corredor, olhando-o também nos olhos.

Por uns segundos que não foram nada mas ao mesmo tempo foram toda a eternidade, esse olhar de jade fundida se meteu direto até a alma, incendiando tudo no seu caminho: pensamentos coerentes, sensações reprimidas e negação persistente. Todo se carbonizou da mesma forma em que um bosque arde depois da passada da lava do vulcão que acaba de entrar em erupção.

E então, Draco reagiu como costumava fazer sempre que a situação estava ficando séria: contornando o importante, brincando com o que não tem importância.

Suspirou e, fazendo uma dramática reverência, se retirou do batente da porta para lhe deixar entrar.

— Adiante, bela donzela. Bem vinda de volta a seu humilde castelo — lhe disse em tom alegre. — Eu juro que o prisioneiro que não lhe deixava dormir com seus lamentos, já foi executado e da pior forma. Trágicamente empalado, eu temo.

— Vai a merda — resmungou Harry ao passar. Odiava quando Draco o tratava como se fosse uma garota. E como Draco sabia que Harry detestava, obviamente fazia todo o tempo.

— Bem, não me diga que está naqueles dias? Ou será que o frio fez com que sua pele ficasse ressecada?

Harry se girou para encara-lo, com uma expressão que a léguas dizia: "Não me enche, porque essa noite realmente não te suporto".

O cérebro de Draco trabalhou com agilidade e não demorou nem meio segundo em adivinhar.

O maldito do Peter Parker.

Harry jogou as chaves com violência sobre a mesinha que estava ao lado da porta, provocando que Draco franzisse o cenho e apertasse os lábios. Mas não lhe disse nada. Já estava mais que cansado de pedir que as colocasse no porta-chaves que ficava pendurado na parede da cozinha.

Suspirando, lançou um olhar a desordem que Harry costumava ter na mesa e que exasperava muito Draco. Contas pagas e para pagar. Papéis amassados e guardanapos usados — Draco quase podia vomitar — que tirava dos bolsos da calça ao chegar em casa. Às vezes, também costumava deixar ali seus óculos.

Embora ultimamente tivesse o cuidado de usa-los até que tinha que ir dormir, e então deixava-os em sua mesinha de noite. E tudo graças a que Draco uma vez, farto de vê-los sempre nessa mesinha da entrada, havia enfeitiçado-os para que Harry pudesse ver as pessoas nuas em seu caminho através deles. Como não se deu conta disso até que esteve na rua e foi muito tarde para pegar sua própria varinha e desfazer o encantamento, Harry teve que fazer sua viagem no metrô tentando não ver ninguém e permanentemente corado.

E essa era outra das manias de Harry que Draco também não entendia: a de viajar nesse incômodo e lotado sistema trouxa de trem. Tendo lareira e podendo aparatar em seu trabalho no Ministério, não via sentido algum em fazer isso.

Mas voltando ao assunto da mesinha… Talvez já era hora de lançar também algum feitiço em suas chaves.

Suspirando, Draco voltou os olhos para seu companheiro de apartamento. Harry olhava fixamente o banheiro de visitas, consciente de que o garoto que Draco havia levado estava atrás da porta. Parecia contrariado e tinha a mandíbula tensa, fazendo com que Draco sentisse por ele algo muito parecido a compaixão. Sentimento que rapidamente descartou.

Harry fez uma sugestão de movimento rumo a seu quarto, talvez com a intenção de trancar-se ali até que Draco e sua companhia tivessem ido. A voz de Draco, arrastada e cheia de sarcasmo, lhe deteve em seco antes de pôr um pé dentro de sua habitação.

— Então… Não há encontros românticos para você no Dia dos Namorados?

Harry não se virou. Draco notou a forma em que seus ombros se levantavam e, meio segundo depois, se relaxavam. Um sentimento de triunfo lhe recorreu ao pensar: "Até o faço suspirar". A sensação de vitória não durou nada ao recordar que Harry não suspirava precisamente por ele, mas por…

— Não — respondeu Harry.

— E onde se meteu seu Peter Parker? — perguntou Draco referindo-se a Colin e sem ocultar o sentimento de desagrado que lhe inspirava esse bruxo. — Finalmente lhe deram uma bolsa para ir estudar fotografia? Com o pouco talento que tem, aposto que só poderia conseguir uma para ir ao Havaí com Lily e Snitch.

Tentando esconder um sorriso, Harry se virou para olhá-lo na cara.

— Havaí? Lily e Snitch? De que diabos você está falando?

— Do par de esquisitinhos que aparecem nesse filme animado que vimos faz umas semanas. — diante do olhar interrogativo de Harry, Draco continuou explicando: — Não lembra? Uma menina meio louca que passava o tempo tirando fotos e que tinha um monstro azul, que dizia que era seu cachorro mas que na verdade era um extraterrestre que…

Era óbvio que Harry não pôde evitar a gargalhada que brotou de sua garganta e melhorou enormemente seu semblante.

— Se chamam Lilo e Stitch! Deuses! Sem dúvida alguma terei que ser mais seletivo com os filmes que trago pra casa.

Draco jamais reconheceria, mas a verdade era que o sorriso de franca incredulidade que ficou na rosto de seu amigo o reconfortou muito mais que o orgasmo que havia experimentado um momento antes ao foder o outro cara. E antes que sua mente pudesse ter a oportunidade de analizar isso com muito detalhe, continuou falando:

— Não se atreva a me deixar sem meus DVD's favoritos! De qualquer forma, sabia que já vai sair o novo filme do tonto que parece seu namoradinho? Vi os anúncios na televisão —arqueou uma sobrancelha enquanto seus olhos brilharam esperançosos, como um menino pequeno que pede um presente de aniversário adiantado. — Acho que dessa vez poderíamos nos arriscar um pouco mais e em vez de esperar que saia em DVD, podemos ir ver em qualquer desses lugares onde você me contou que passam em uma televisão gigante.

Harry balançou a cabeça em um gesto negativo mas sem deixar de sorrir.

— Ir ao cinema? Com você? — riu de novo. — Teria que te colocar uma focinheira e uma guia primero! Se aqui em casa não posso te controlar de tanto que se altera… não vou ir passar vergonha em um lugar cheio de trouxas. Todos nos olhariam estranho quando você começasse a aplaudir e gritar urra.

Se existia algo do estranho mundo trouxa por qual Draco havia se permitido seduzir e em que mostrava todas suas emoções como se estivesse nu, tinha sido naquilo em que os trouxas pareciam exercer sua própria magia: a cinematografia.

Draco ainda recordava como se tivesse sido no dia anterior quando Harry havia levado ao apartamento dois aparelhos e uma pequena caixa com um disco fino. Conectou as máquinas entre si e a corrente elétrica; introduziu o disquinho em uma delas, e… aleluia! A partir de então, conseguir que Draco ficasse quieto sem gritar, irritar-se ou aclamar enquanto durava o filme, era completamente impossível.

Ver filmes se tornou quase como um ritual entre eles. Uma das poucas atividades que faziam juntos, pois normalmente Draco preferia os clubes e Harry preferia Colin.

Mas nas noites em que não tinha Colin, havia um DVD novo para ver. "Sabe?", tinha comentado Draco no dia que assistiram Spiderman. "Seu namorado parece esse cara do disfarce de aranha. Mas quando não está vestindo isso, quero dizer." Fez uma imitação de Colin tirando fotografias e Harry teve que fazer um duplo esforço para não rir. "Oh, Harry, você é tão lindo… posso tirar uma foto sua? Oh, Harry, olha! O puto do Malfoy está trepando no outro quarto… tiramos uma foto? Oh, Harry! Descobri que tenho a bunda tão pálida quanto a Murta-Que-Geme! Tiro uma foto?"

É claro que Harry jamais havia se queixado de que Draco chamasse Colin de Peter Parker, nem se atreveu a perguntar como sabia de que cor era seu traseiro. E por muito que Draco resmungasse que poderia estar flertando em vez de perder seu tempo com as besteiras que inventaram os trouxas, a grande maioria das vezes se sentava dissimuladamente a seu lado e desfrutava como um menino do que fosse que Harry levasse a casa para ver. Mas isso sim, jamais haviam ido ao cinema apesar de que havia vários muito perto de seu apartamento.

— E se permito que primeiro lance um silêncio em mim? — sussurrou Draco torcendo a boca no que tentou que fosse um sorriso provocativo. Poderia apostar a metade da fortuna dos Malfoy (se é que algum dia seria sua, claro) que Harry cederia. Sempre fazia.

Para sua surpresa, o sorriso de Harry desapareceu. O moreno virou a cabeça para fixar o olhar em qualquer outra coisa que não fosse Draco. Esse pôde ouvir que Harry murmurava entre dentes: "Sim, claro. Um silêncio é justamente o que preciso."

— Onde diabos está Creevey? — perguntou Draco abertamente e endurecendo a voz de novo. Foi consideração o suficiente, já haviam sido muitos rodeios.

Harry virou a cabeça tão rápido que Draco se surpreendeu de que não tivesse quebrado o pescoço. Abriu a boca uns segundos sem dizer nada, mas como se achasse que não tinha sentido negar, disse finalmente:

— Se foi.

Draco soube o que esse "Se foi" significava. Não era um "Foi a Madrid a uma convenção de jornalistas" ou um "Foi cobrir a visita do Primeiro Ministro a zona de guerra". Não. Era um "Se foi para sempre. Me deixou. Nós terminamos".

— Potter… — começou. — acredite quando digo que o imbecil não poderia te dar um presente melhor.

Harry o olhou de novo com olhos incrédulos. Com essa expressão de "E você diz ser meu melhor amigo?" torcendo as sobrancelhas e apertando os lábios. Draco teve tanta vontade de abraçá-lo que quis estapeá-lo.

— Pois é a verdade — continuou. — Eu sempre te disse, você merece algo muito melhor que esse fotógrafo de quinta.

E não era que Draco deprezasse Colin por seu trabalho de pseudo-jornalista puxa-saco n'O Profeta. Nem tampouco porque parecia controlar Harry com fios invisíveis, chatageando-o com a história de que havia sido ele quem o tirou do buraco de merda em que havia caído quando todos o abandonaram. Maldição, nem sequer o repudiava por ser um sangue-ruim!

Não. Era algo mais, algo que Draco não podia definir mas que era muito real. A sensação de que Harry era muito homem para esse idiota qualquer. Harry era muito mais atraente, muito mais sensível e boa pessoa. E nas vezes que Draco não pôde evitar dizê-lo — quase a gritos e puxando os cabelos — tinha lhe parecido que Harry não entendia. Era o garoto mais fantástico do mundo e não sabia. Um dos melhores bruxos reconhecido mundialmente e não lhe importava. Draco não podia acreditar. Mas ao mesmo tempo, pensava que talvez era por isso que Harry se tornava ainda mais encantador do que já era.

Harry encolheu os ombros e começou a explicar a Draco, como se pensasse que era importante fazê-lo:

— Teve uma… oportunidade. Um trabalho novo. Sua base será em Washington, mas de lá vão mandá-lo para o mundo inteiro. Me disse que precisava de um… tempo. Que talvez… ambos precisávamos. Isso e sair com outras pessoas.

Draco soltou uma bufada que provocou que Harry levantasse o olhar.

— Mal posso acreditar, mas parece que Creevey finalmente conectou o cérebro com a língua — deu um passo até Harry e lhe cutucou o peito com o dedo indicador enquanto lhe dizia olhando-o nos olhos. — Sair com outras pessoas. Esse é o ponto, Potter, e é justamente o que você precisa. Se dar conta de que Creevey é um estúpido e de que você é… — mordeu a língua e desviou o olhar. Não achava que fosse uma boa ideia dizer a seu melhor amigo que ele era um bolo com pernas e que se chegasse a encontrá-lo em um club, o devoraria inteiro e sem reservas.

— Eu sou o que, Draco? — perguntou Harry em tom de desafio. — Um fracassado, feio e estúpido quatro olhos? Um perdedor que em toda sua vida não conseguiu mais que um só namorado?

Draco abriu a boca com incredulidade. Harry não podia estar falando sério! Não era possível que realmente tivesse esse conceito dele mesmo.

— Se tem sido assim é porque é o que você queria, Potter! Eu sempre te disse que ter parceiro e ser fiel é uma merda. Olha pra mim e entenda! Saio quando quero, aonde quero e trepo com quem eu quero. Sem amarras, sem complexos… Mas, sobre todas as coisas: sem me apaixonar! Isso só vai te garantir sofrimento.

Harry abaixou um pouco a cabeça em um gesto derrotado, mas não tirou os olhos de Draco.

— Bom, nem todos temos a sorte de ser Draco Malfoy, não é? Fico feliz de que leve a vida desse jeito e se divirta, mas eu… — fechou os olhos e ao abri-los de novo estava olhando para o lado. — Eu busco algo mais.

Draco semicerrou os olhos sem saber o que mais dizer. A dor de Harry era quase palpável e lhe escorria por cada poro, de forma que o loiro acreditava que podia aproximar-se e limpa-la com um lenço. Se antes tinha odiado Creevey por pensar que não merecia Harry, agora sim podia dizer que estava no primeiro lugar de sua lista de "gente a quem enviar uma cruciatus no Natal".

Como podia ser possível que o estúpido desejasse sair com outros tendo ao mesmíssimo Harry como companheiro? Porque se ele, que era o gay mais promíscuo da área, tivesse a oportunidade de ter ao seu lado alguém como Harry…

O cara com qual havia estado trepando e com quem tinha intenção de ir dançar, saiu do banheiro nesse exato momento interrompendo sua linha de pensamento. Era um mulato delicioso, com a bunda tão empinada que precisava de equipamentos de montanhismo para poder montar nela. Por um momento Draco quase havia se esquecido de que o fulano estava ali. Harry também o olhou, e Draco observou que seu semblante se ofuscava ainda mais. "Merda", pensou.

O mulato cumprimentou Harry com um sorriso meio perverso. Aparentemente Draco não era o único que achava que Harry era delicioso, para comer no jantar e chupar até os dedos, e isso lhe deu uma ideia.

— Vem dançar com a gente, Potter — disse-lhe, sorrindo com malícia e arqueando uma sobrancelha. — Hoje vamos ao Heaven. E, sabe? Não há nada como uma boa noite de bebedeira e descontrole para esquecer até o próprio nome.

Os olhos do amigo de Draco, de quem efectivamente não lembrava sequer o nome, brilharam. No entanto, Harry negou freneticamente com a cabeça enquanto dava um passo para trás.

— Não, obrigado. Já sabe que eu não danço.

— Como quiser — respondeu Draco encolhendo os ombros. — Você sabe o que faz com sua vida, mas eu insisto em que em vez de ficar e lamentar a perda do idiota inútil, na verdade você deveria estar comemorando.

Se adiantou para pegar suas chaves e sua carteira. O outro garoto caminhou até a porta e a abriu.

— Tchau — se despediu de Harry. Este só fez um gesto com uma mão e se dirigiu a cozinha.

Draco não tirou os olhos de cima dele até que suas costas desapareceu do outro lado da parede. Até por trás parecia tão derrotado que dava verdadeira pena. Draco ficou plantado olhando para o nada, com o outro garoto esperando ansioso no corredor e seu melhor amigo deprimido e a beira do suicídio na cozinha.

— Merda! — soltou enquanto batia na testa com uma mão. — Sei que amanhã vou me odiar pelo que vou fazer.

{HP}

Harry ficou plantado ao lado da geladeira na espera do som da porta fechando-se para assim saber que Draco e seu flerte já haviam ido. Quando por fim escutou o golpe e as vozes distanciaram, suspirou. Por um momento tinha temido seriamente que Draco o arrastasse ao club… não duvidava que fosse capaz de enfeitiçá-lo diante do trouxa para conseguir.

Abriu a porta da geladeira e tirou uma cerveja. Talvez se ficasse bêbado o suficiente cairia dormido como um tronco e conseguiria não escutar de novo Draco com sua companhia quando voltassem ao apartamento para seguir com sua sessão de sexo. Talvez.

Abriu a garrafa, andou até a sala e se deixou cair pesadamente no sofá. Observou a televisão por um momento, duvidando em ligar. Realmente não tinha vontade alguma.

Como costumava acontecer nos dias em que se sentia menos que uma merda e em que a auto-compaixão estava no topo, Harry não pôde evitar lembrar quão só que se encontrava e o tanto que sentia falta de Ron. E às vezes, até de Hermione também. Era incrível que agora a única pessoa com a que mais podia contar, fosse Draco Malfoy. Suspirou profundamente e tomou um grande gole da cerveja, sem deixar de pensar na forma em que Draco tinha se transformado em mais que seu amigo, em o único amigo que tinha perto.

A guerra havia terminado de um modo tão rápido que surpreendeu a mais de um. Mas não é por ter sido curta que deixou de ser terrivelmente sangrenta. Foi por isso que Harry e seus amigos, assim como toda a Ordem da Fênix em conjunto, haviam se esforçado ao máximo na hora de localizar e destruir as horcruxes, empenhados em fazê-lo o quanto antes. Não tinha sido nada fácil e Harry estava mais que consciente de que sem a inteligência de Hermione e a valentia de Ron, jamais teria conseguido sozinho.

Quando a guerra acabou, lamentavelmente com centenas de civis entre a contagem de vítimas, Hermione informou a seus dois amigos que iria viver na França. Seus pais haviam mudado a Paris no começo da guerra, fugindo da caça aos trouxas que havia explodido na Inglaterra. Assim, Harry viu com infinita tristeza como sua melhor amiga se ia para sempre de sua pátria. Mas é claro que não podia culpa-la por querer se reunir finalmente com sua família.

Ron não ficou muito melhor. Sua frustração e tristeza foram tantas que, irremediavelmente ao passar um par de meses, tomou a decisão. Iria a Paris para encontrá-la. Quando contou a Harry, ele não ficou surpreso. Na verdade, já estava começando a se perguntar quanto tempo mais o ruivo suportaria sem sair correndo para declarar seu amor a Hermione.

Ron não cabia em si de felicidade quando conseguiu um emprego na capital francesa como correspondente da seção esportiva d'O Pasquim, pois assim poderia se mudar sem se preocupar com aprender mais, ele pensou que nunca o tinha visto tão feliz: a partir desse momento Ron poderia fazer o que sempre tinha lhe encantado — falar de quadribol até pelos cotovelos —, lhe pagariam por isso e, se isso não fosse suficiente, viveria na mesma cidade que Hermione.

O salário não era muito, mas para começar isso lhe bastou. Depois de tudo, ninguém ia muito bem no fim da guerra, e os salários (se é que se podia conseguir trabalho) eram bem modestos. De fato, nem sequer o vencedor do Lorde das Trevas pôde obter o que sempre havia desejado.

Depois de que Ron se fora, Harry havia passado vários meses em estado de apatia. Surpreso de que tudo já tivesse acabado, de que no final ele tivesse sido o assassino, de que não tivesse morrido e, especialmente, surpreso do abandono — involuntário — de seus amigos. Lá no fundo compreendia que tanto Hermione como Ron haviam feito o indizível por ele e mereciam afastar-se de tudo e viver suas vidas, mas não é porque compreendia que deixava de doer.

E foi naquele momento quando Colin fez seu bendito ato de aparição, salvando-o dele mesmo e do vazio em que havia se transformado sua existência. Posteriormente — depois de não tê-lo visto por anos — Draco também irrompeu na paisagem, alterando tudo no seu caminho como era seu saudável costume. Ambos, Draco e Colin, então se tornaram o universo de Harry: Colin era seu amante e Draco, seu melhor amigo. E nesse momento mais do que nunca, Harry ainda se perguntava quão diferentes teriam sido as coisas se aquilo tivesse acontecido ao contrário, se Colin tivesse sido só seu amigo e Draco seu…

Quase pulou no sofá e esteve a ponto de derramar a cerveja no caro móvel de Draco quando a porta se abriu de repente, sobressaltando-o. Harry virou a cabeça e não pôde evitar se alegrar ao ver Draco entrar com um sorriso de menino travesso. Por um instante esperou que seu acompanhante entrasse atrás dele, mas com agradável surpresa se deu conta de que não vinha ninguém mais. Era só Draco.

— Esqueceu as camisinhas? — brincou sem deixar de notar que Draco estava com uma mão atrás das costas como se escondesse algo. — Achei que nos clubes sempre haviam máquinas de venda automática…

— Na vida há coisas muito mais importantes que ir a um club ou foder alguém, Potter — respondeu Draco fingindo grande seriedade. Diante da cara de estranheza de Harry, completou com um enorme sorriso: — Me surpreende que você seja tão frívolo e superficial. — Harry ficou boquiaberto, se perguntando se já havia adormecido e estaria sonhando, quando Draco notou a cerveja que tinha na mão. — Ah, cerveja! Que bom, já está se preparando. Mas eu temo que você tenha esquecido da pipoca.

— Do que você está falando? — pôde perguntar Harry quando finalmente sua boca conseguiu articular algo.

— Por favor, Potter. Você mesmo me ensinou que não há filme bom sem uma bacia de pipoca quente e com muita manteiga. — sem dizer mais, Draco entrou na cozinha para procurar no armário. Sem acreditar no que estava acontecendo, Harry lhe escutou lançar um feitiço e, imediatamente, o aroma doce da pipoca invadiu todo o lugar. Atônito e olhando para a cozinha, Harry ouviu Draco remover pratos e garrafas enquanto cantarolava alegremente: — Teus olhos são verdes como sapinhos cozidos...

— DRACO! — gritou Harry e enterrou a cara entre nas almofadas do sofá. — Por favor, outra vez não…

Draco lhe ignorou e continuou cantando:

— Teus cabelos negros são como um quadro de aula...

Fechando os olhos com força, Harry se perguntou de novo (e inutilmente, é claro) como diabos Draco tinha feito para aprender de memória aquele infame poema que Ginny Weasley havia lhe dedicado no Dia dos Namorados de seu segundo ano em Hogwarts.

— Queria que tu fosses meu, garoto divino!

Herói que venceu o malvado Lorde das trevas.

Como se fosse um ritual de aniversário, Draco tinha o irritante costume de recita-lo a Harry em todos os dias dos namorados que haviam passado juntos desde que eram amigos. Harry não pôde evitar sorrir e sentir um estranho e reconfortante calorzinho no peito, porque internamente e apesar de que não reconheceria nem estando sob tortura, lhe reanimava que esse ano não houvesse sido a exceção.

Quando Draco saiu da cozinha com uma enorme vasilha cheia de pipoca, um par de cervejas e um saquinho com o logotipo de Corniche (a pequena loja de locação de filmes), Harry pensou que estava ficando louco. O que Draco Malfoy estava fazendo em casa com ele numa noite de sexta? Por que se conformava com ver filmes quando podia estar em um club dançando ou trepando com o cu que ele quisesse? Alguma coisa andava definitivamente mal.

Draco se sentou a seu lado e colocou a bacia de pipoca em cima do seu colo. Com um enorme sorriso auto-suficiente, lhe mostrou muito orgulhoso os três DVDs que trazia consigo. Harry fez uma careta.

— Indiana Jones? Outra vez? Mas nós já assistimos umas mil vezes.

Harry não ia admitir que esses filmes também lhe fascinavam. Mas, especialmente, o que mais gostava era o jeito que Draco desfrutava deles. Harrison Ford era o ídolo do loiro e ele sempre divertia Harry com sua imitação dos sorrisos tortos que o ator fazia e o jeito em que estalava seu chicote.

Antes de responder, Draco lhe piscou um olho de um jeito tão paquerador que Harry sentiu um puxão no estômago.

— E o que você queria? Que te trouxesse um pote de sorvete de chocolate como as garotas fazem? — se esticou para colocar um dos discos no aparelho e pegou o controle remoto. Sem olhar Harry nos olhos, completou: — É assim como nós gays afogamos nossas mágoas: com cerveja, pipoca e filmes de um galã gostoso.

Harry sorriu mais amplamente enquanto observava Draco, sem saber ao certo o que dizer. Podia ser que Draco nunca reconhecesse, mas a verdade era que tinha um coração de ouro escondido muito abaixo de uma grande camada de arrogância e descaramento. Harry se permitiu perder-se durante um instante enquanto observava-o pegar um punhado de pipoca e levar a boca sem derrubar nem uma só. Seus olhos viajaram pela linha de suas mandíbulas enquanto masticava e quase se lambeu quando viu-o umedecer seus lábios finos com a língua sem perder nem um pouco de elegância.

Inesperadamente, Draco virou a cabeça até ele e Harry abriu muito os olhos ao ver-se surpreendido observando-o como um bobo. Pelo súbito calor que sentiu no rosto não lhe restou dúvida de que estava corando. Draco ergueu uma sobrancelha e sorriu divertido. Harry achou que era justo e necessário dizer algo: um agradecimento, uma desculpa… não tinha nem uma maldita ideia.

— Draco, eu…

Draco balançou a cabeça e fez um gesto de asco.

— Não, não. Não fique sentimental, por favor, que me dá náuseas. Isso não significa nada, não quero que se emocione — disse enquanto abria sua própria garrafa de cerveja e lhe dava um longo gole. Fez cara de tédio enquanto terminava de dizer: — Além disso, o cara que eu peguei não valia tanto para repetir com ele, então não se dê todo o crédito. E não tinha vontade de ir dançar em um club cheio de globos e coraçãozinhos… sempre acreditei que o dia dos namorados só é uma merda de marketing.

E terminando sua explicação, voltou-se de novo para a televisão para pôr total atenção em Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida, pronto para desfrutar como só ele sabia fazer de um filme cujos diálogos havia aprendido de memória muito tempo atrás.

— Além de tudo — agregou Draco como quem não quer nada, sem desgrudar os olhos da tela e pegando outra generosa porção de pipoca —, eu amo esse cara. Acho que tenho certa fraqueza pelos heróis de olhos verdes e óculos.

O coração de Harry deu três saltos mortais dentro de seu peito. Estremecendo e não precisamente de frio, Harry virou lentamente a cabeça até Draco para comprovar se o que havia dito era sério. Mas Draco não correspondeu o olhar, apenas continuou vendo o filme impassível e sem que nenhum gesto em seu rostro delatasse se aquilo havia sido uma piada.

Mas piada ou não, Harry sentiu fogo no estômago e no baixo ventre. Chamas incendiárias. Uma sensação ardente que lhe subiu até o rosto e lhe deixou com as orelhas vermelhas enquanto tentava deixar de pensar e desejava poder se concentrar em Indiana Jones e não na excitante proximidade do corpo de Draco.

E sorriu outra vez, sabendo que não tinha sentido discutir com seu amigo que Harrison Ford na verdade tinha os olhos de uma bonita cor avelã, que sob certa iluminação davam a impressão de ser de cor verde. E que o personagem usava os óculos somente quando dava suas aulas e não quando dava uma de héroi aventureiro.

Suspirando, Harry acomodou seus próprios óculos e se inclinou para o lado até apoiar a cabeça contra o ombro de Draco. O loiro pareceu se tensar um pouco diante da incomum aproximação, mas não disse nada nem reclamou.

— Obrigado — sussurrou Harry sem poder se conter, sentindo-se excepcionalmente comovido.

Draco fingiu não escutá-lo e por isso não lhe respondeu, embora Harry poderia jurar que curvou os cantos de seus lábios em um sorriso apenas visível. E nesse momento e lugar, Harry se sentiu como fazia muito não se sentia: poderoso, bonito e invencível. Perfeitamente capaz de enfrentar hordas de serpentes furiosas e sair ileso de qualquer coisa. Indiana Jones contra uma enorme rocha.


N. da T.: Qualquer erro de digitação, tradução ou gramática, vocês podem me avisar.

(1) Dia de São Valentim, o famigerado Valentine's Day.

Também traduzi e postei outra fanfic da autora, uma oneshot teddyxjames chamada Rendição, podem encontrar ela no meu perfil aqui, ou no wattpad.

Beijos, até o próximo capítulo.