N/A:Recordações era pra ser oneshot, mas atendendo ao pedido de um leitor muito especial, virou prólogo de uma nova estória.
Um agradecimento todo especial à Det. Rood, minha parceira e beta oficial.
Invasão da Beta: Opa, dá licença gente, deixa eu passar... Ufa!
É sempre um grande prazer 'devorar' os textos da Crica, e ainda mais com esta participação especialíssima... Eu é que agradeço, amiga!
Boa leitura a todos!
PRÓLOGO: RECORDAÇÕESÉ madrugada de 2 de maio. Dean segue na direção do Chevy Impala e Sam cochila ao seu lado no banco do carona. Ainda é noite e a estrada está deserta. As curvas em declive, a vegetação criando sombras que passam depressa. Uma reta, afinal. O silêncio quebrado apenas pelo som do motor e do atrito dos pneus no asfalto. Mais alguns minutos.
Dean acionou a seta e entrou no acostamento. Parou e, ainda dentro do carro, observou o apagar das últimas estrelas e uma pontinha do sol surgir no horizonte, dando um tom alaranjado ao céu. Sorriu.
-Dean... – Sam despertou – o que houve? Algum problema?
-Não, Sammy, tudo bem. Só parei para esticar as pernas.
-Por que não me acordou? – Sam quis saber, esfregando os olhos e ajeitando-se no banco do carro – Eu posso dirigir se está cansado.
-Já disse que estou bem. Volte a dormir. – Dean abriu a porta.
-Aonde você vai?
-Vou dar uma volta.
-Aqui, no meio do nada?
-Na praia, Sam, na praia.
Sam não entendeu bem o que o irmão dissera. Olhou pela janela do automóvel e viu o oceano. Acompanhou-o com a vista enquanto este descia pelas pedras, tirando a jaqueta, a camisa e as botas que largou na areia. O sol crescia na divisa do céu com o mar, criando um rastro dourado de luz no espelho d'água. As gaivotas apareceram dançando no ar e, rápidas, mergulhavam em busca de alimento. Nem uma nuvem maculava aquele imenso azul que ganhava mais cor a cada minuto.
Dean permaneceu de pé junto à água, onde as ondas espocavam na areia, molhando-lhe as pernas do jeans. Com os olhos fixos no infinito, refletindo a luz do amanhecer nas lágrimas contidas, respirou profundamente e trouxe um largo sorriso ao rosto. O vento o tocava com suavidade. Deixou cair as pálpebras e duas pequenas gotas cristalinas rolaram-lhe pela face. Só percebeu a presença do caçula quando já era tarde. Limpou rapidamente o rosto, tentando disfarçar.
-Dean... Tudo bem?
-Decidiu sair da toca?
-Qual é, Dean? O que está acontecendo com você? Está estranho hoje.
-Não é nada. - encarou o mar novamente e voltou-se para o irmão - É seu aniversário, cara! - abraçou Sam com vontade – Parabéns, irmãozinho!
-Obrigado. – Sam retribuiu o abraço – Mas não me enrola, vai.
-Eu só pensei em fazer algo diferente. Afinal, é um dia especial.
-Tá, mas aqui?
-Por que não? Adoro praia. Você sabe disso. Pensei em darmos um mergulho, relaxar um pouco, talvez.
-Nunca vi você viajar 320 milhas para ir à praia dar um mergulho. Eu posso ser ingênuo, mas não sou idiota.
-Você não lembra, não é? – Dean deu uns passos para trás e sentou-se na areia.
-Lembrar de que? – Sam acompanhou o irmão e ajeitou-se ao seu lado.
-Nós já estivemos aqui antes. Há muito tempo.
-Sério?
-Era seu aniversário.
-Não me lembro disso.
Dean levou alguns segundos para organizar os pensamentos e segurar a emoção que insistia em vir à tona. Então, explicou:
-O pai nos deixou num quarto alugado numa cidadezinha perto daqui e saiu para caçar não sei o que.
-Como sempre... – Sam comentou com um ar entristecido.
-Pois é. Nós estávamos naquele lugar há algum tempo e ele tinha nos matriculado na escola, sabe? Foi o seu primeiro ano na escola. Devia ter uns cinco, seis anos.
-Como eu não me lembro dessas coisas?
-Sei lá. Mas o fato é que, quando voltávamos, depois da aula, você veio todo o caminho falando como tinha se divertido, como era bom ter crianças do seu tamanho para brincar e... Isso... Parecia pinto no lixo. - O rapaz tinha os braços estendidos sobre as pernas dobradas e os olhos fixos no mar.
-Eu devia estar mesmo animado. – Sam sorria mesmo sem entender o caminho daquela conversa.
-Nem me fale. Aí você começou a falar em como a professora lembrou que era o seu aniversário, dos cumprimentos, das crianças cantando parabéns... E nessa hora, cara, eu fiquei gelado.
-Por quê? – Samuel levantou uma sobrancelha, intrigado.
-Porque eu sabia que você ia falar de festa de aniversário, bolo, balões e presentes.
-Já entendi.
-Bem, o pior é que você não parava de falar nisso. Perguntava a cada cinco minutos quando o pai ia voltar, se ele ia trazer um presente... Nossa... Eu estava enlouquecendo.
-Isso é mesmo de enlouquecer. Mas ainda bem que você não me atirou pela janela... Ou atirou?! - Sam brincou fazendo Dean gargalhar.
-Não, claro que não. Vontade não faltou, mas consegui me controlar.
-E aí?
-E aí que, em vez de te matar, juntei todos os trocados que pude encontrar, atravessei a rua e fui até um mercado próximo, comprei um desses bolos prontos, uma lata de chantilly e uma garrafa de refrigerante.
-Você fez um bolo de aniversário para mim? – Sam sorriu largo, duvidando.
-Você não lembra mesmo? –Sam respondeu que não com um movimento da cabeça –Nós fizemos a maior bagunça! Quando voltei, coloquei o bolo num prato e o cobri inteirinho com o creme. Você catou uns fósforos para pôr em cima e depois ficou enchendo a boca com o chantilly. Não sei como não teve uma dor de barriga.
-Garanto que a idéia de comer o creme da lata foi coisa sua.
-Por que tudo que não presta tem que sair da minha cabeça? – Dean um fez bico.
-Porque você não presta. Mas vai, continua.
-Bem, colocamos a melhor roupa que tínhamos, o que não era grande coisa, e sentamos à mesa para esperar pelo pai.
-Que, com certeza, não chegou.
-É isso aí. Esperamos até tarde e você já estava caindo de sono. Então, acendi os fósforos, cantamos parabéns e comemos tudo.
-Tudo?
-Tudo, tudo, não. Deixamos uma fatia para o papai. E te botei na cama. Ele só chegou de manhã.
-O papai?
-É. Estava com uma cara péssima. Eu acordei e fui ver quem era. Ele estava lá, de pé, junto à porta, segurando algo embrulhado num papel de presente todo amassado. Não disse nada. Puxou o guardanapo que cobria o pedaço de bolo que havíamos separado e deu um sorriso amarelo. Olha, pensei que ia levar uma bronca.
-Por cuidar do seu irmão?
-Por gastar todo o dinheiro. Mas ele não brigou comigo. Pelo contrário, me olhou de um jeito como quem diz: "bom trabalho, garoto", passou a mão na minha cabeça e me deu um tapinha no ombro e um sorriso.
-Ainda bem. – Sam estava ficando corado pelo sol. Estava sentindo calor. Tirou o casaco, pondo-o de lado.
-Ele foi até você, sentou-se ao seu lado e te fez um carinho. Aí, sem mais nem menos, mandou que me arrumasse e fosse para o carro. E lá fomos nós.
-Para onde?
-Aqui. Ele nos trouxe a esta praia, Sam.
-Aqui? Como você conseguiu achar este lugar depois de tanto tempo?
-Algumas coisas ficam gravadas na cabeça da gente...Nós nunca tínhamos visto o mar. Quando chegamos aqui, eu fique enlouquecido. Caramba, fui tirando a roupa toda e corri. Me joguei na água, no meio das ondas e nem pensei. Levei um tremendo caixote. - A essa altura, era difícil conter o que estava dentro do coração e Dean deixou escapar uma lágrima. - Quando olhei para trás, você e o pai estavam às gargalhadas porque as ondas tinham levado a minha cueca e eu nem tinha me dado conta. Que ridículo...
-Você sempre foi exibido, Dean.
-E você, um chato. - Dean narrava suas memórias como se as vivesse através daquelas palavras. - Foi um dia incrível. Nós brincamos os três juntos e nos divertimos muito...O pai estava diferente. Estava rindo, sabe? Fazendo piadas. Nós jogamos bola, enterramos o papai na areia, nossa! Eu e ele... Nós seguramos você pelos braços para que pudesse pular as ondas... Você estava se borrando todo de medo.
-Disso eu tenho uma vaga lembrança, mas não liguei ao resto.
-Sabia que de alguma coisa você ia lembrar. Foi, de longe, o dia mais feliz da minha vida.
Sam também estava visivelmente emocionado.
-Dean, obrigado.
-Por quê?
-Por me contar essas coisas.
-Besteira. Isso é só uma lembrança. Uma coisa que ficou guardada. Nada demais.
-Não! Esse foi, com certeza, o melhor presente que já ganhei. - Sam não tinha o hábito de guardar suas emoções e também não tinha o menor pudor e expressá-las. - Obrigado, mesmo.
-Mas não precisa chorar, ok? Esse seu lado mexicano é um porre...- Dean levantou-se num salto, espanando a areia com as mãos - Vamos dar um mergulho?
-Agora?
-Por que não?
-Nós não temos roupas de banho, Dean.
-E daí? Está com medo que a onda carregue a sua cuequinha, florzinha?
-Nossa, como você é educado. – ironizou o caçula.
-Está vendo alguém por aqui? Qual é, deixa de frescura!
-Cretino.
-Quem chegar por último paga a conta do almoço! – Dean arrancava as peças de roupa.
-Nem vem que você já estava meio pelado. – Sam começou a despir -se depressa também, aceitando o desafio.
-Tá ferrado, manezinho! - Dean já corria, de costas, em direção ao mar – Sammy vai pagar a conta...- provocou o irmão cantarolando.
-Cala a boca e sai da minha frente! –Sam alcançou o irmão, empurrando-o para o lado.
Os rapazes caíram no mar furando as ondas. Quem os visse naquela correria infantil, não diria o tanto que já haviam passado na vida. Naquele instante eram apenas dois jovens curtindo um lindo dia na praia. Felizes.
CAPÍTULO 1:As horas passaram depressa naquela manhã ensolarada. Os rapazes sentiam-se livres e encantados pelos momentos de genuína felicidade que viviam. O mar, o céu, a vida estavam perfeitos.
-O que foi isso? -Dean questionou o irmão.
-Acho que foi o meu estômago – Respondeu Sam.
-Então está na hora de darmos o fora. – o mais velho levantou-se, estendendo a mão ao caçula. –Vamos procurar um lugar legal para almoçarmos.
-Ué? Não vamos comer um cachorro quente em qualquer lugar?
-Não... Nem gosto tanto de cachorro-quente.-dando de ombros Além do mais, você vai pagar a conta - sorriu matreiro, piscando um dos olhos - Podemos gastar.
-Cara, você não alivia mesmo.
-Brincadeirinha, Sammy. Vamos achar um hotel, tomar um banho, comer num restaurante bacana e comemorar, certo? Eu pago.
-Bem, pelo menos no meu aniversário... –Sam sorriu.
-Vou livrar a sua cara dessa vez. – ambos começaram a caminhar em direção à encosta. – Mas só dessa vez. Melhor não acostumar!
No meio da faixa de areia, Dean estancou, voltou-se para o mar e abriu um sorriso encantador, satisfeito: "Grande dia!", pensou.
Sam caminhava mais à frente e gritou pelo irmão que, imediatamente correu em sua direção.
O mais jovem procurava atônito pelas roupas no local onde as haviam deixado. Dean correu a praia com os lhos e avistou, por sobre as pedras, chegando ao acostamento da estrada, um rapaz carregando algo embrulhado aos braços.
-Filho da p...! – o mais velho xingou irado.
-Dean, levaram as nossas coisas!
-Estou vendo, Sam. Vamos embora! – O rapaz já saltava morro acima, seguido de perto pelo irmão.
Quando chegaram à estrada, o Impala era só um rastro de poeira.
-Eu vou matar aquele desgraçado! – seguiu a pé na direção que o carro havia tomado.
-Dean! – Sam correu atrás do irmão - Espera, Dean! Não podemos sair por aí desse jeito. Vamos acabar sendo presos.
-E o que você quer que a gente faça? – Questionou, sem parar - Sam, o que não tem jeito, remediado está. Entre ficar plantado na beira da estrada só de cueca esperando a polícia aparecer e me arriscar andando atrás dos idiotas que roubaram o meu carro, ainda prefiro a segunda opção.
-Você tem razão. - Sam torceu o nariz - Mas isso é constrangedor. Que situação!
-Nem me fale!
Andaram algumas centenas de metros até que Samuel, apertando os olhos para ver melhor, chamou a atenção do irmão:
-Dean...
-Que é?
-Olha aquilo ali.
Ambos correram e pegaram umas peças de roupas espalhadas pelo asfalto. Dean apanhou seu jeans e tratou de vesti-lo. Sam encontrou uma camiseta e sua carteira com os documentos, mas os cartões de crédito e o dinheiro haviam sumido. Jogou para o irmão um pé do par de tênis que encontrou mais adiante e calçou os seus.
-Bem que poderiam ter jogado o outro pé também. – reclamou o mais velho - Meus pés estão queimando nessa droga de asfalto.
-Não reclama que você, pelo menos, achou suas calças. – Sam vestiu a camiseta e arremessou a carteira para o irmão - Guarda aí, Dean. - puxou a borda da camiseta para baixo, tentando cobrir-se melhor. – Vou te contar... Se a gente achar aqueles desgraçados, vou encher a cara deles de porrada!
- Hey! Sammy-paz-e-amor botando as manguinhas de fora! Quem diria?!
- Não enche - o caçula apertou o passo - Estou com fome, cansado, ardendo...
- É. Você está parecendo um camarãozinho cozido. Precisa usar filtro solar, cara.
- Pois é, né ?- Samuel estancou de repente e encarou o outro - Mas o meu irmão esqueceu de avisar que viríamos à praia, não é mesmo?
-Anda logo, Sam. Deixa de ser mole.
-Não ferra, Dean!
-Rápido!
Alguns minutos mais tarde, surgiu na curva da estrada, uma van trazendo um adesivo amarelo que indicava transporte escolar. Nela, duas senhoras de certa idade conversavam animadamente.
-Tanya do céu, o que é aquilo?! - A senhora robusta e muito pequena que guiava, questionou à amiga ao seu lado.
-Onde? – Quis saber a outra, bem mais alta e espalhafatosa.
-Ali, mulher, no acostamento! - Levantando os óculos de sol - Está vendo o mesmo que eu?
-Jesus, o que é aquilo?! Deve ser alucinação coletiva. Vamos parar, Edna. Pare e pergunte se querem uma carona. - Sugeriu a senhora ruiva empolgada.
-Está maluca? E se forem tarados?
-Que nada! Tarados são ridículos e mal acabados. Olha só pra eles...
-Você não tem mesmo juízo, Tanya. Bem que a minha mãe me avisou...
-Sua mãe está morta há 25 anos, querida.
-Mas ela dizia isso desde que tínhamos treze.
-Pisa logo nesse freio Edna, ou vamos passar direto!
-Mas se forem mesmo tarados? – A outra parecia assustada.
-Bem, se forem tarados, tanto melhor. Na nossa situação, amor, o que cair na rede é peixe.
Edna arregalou os olhos azuis diante da ousadia de sua companheira de trabalho. Obedeceu e parou a van um pouco à frente dos rapazes.
Sam e Dean aceleraram o ritmo das passadas na direção do veículo estacionado. Mal podiam crer que uma alma caridosa havia parado para socorrê-los. O caçula diminuiu a velocidade imaginando que espécie de louco pararia no meio da estrada para dar carona a dois estranhos seminus. Mas na falta de alternativas, seguiu o irmão.
Tanya observava os rapazes pelo retrovisor enquanto se aproximavam.
-Edna, querida, alguém lá em cima, com certeza, gosta de nós.
-O que é isso, Tanya? Olha as meninas. O que elas vão pensar?
-Bobagem! Já estão todas amontoadas lá atrás apreciando a vista. E que vista!
-O que você está fazendo? - Edna prendeu os óculos no alto da cabeça.
-Oras...- passando um batom vermelho pelos lábios – dando um "up" no visual, meu bem.
-Velha assanhada!
-Assanhada, tudo bem, mas velha é você, Edna. - Ajeitando os cabelos alvoroçados pelo vento.
Dean aproximou-se da janela do carona. Ambos estavam muito, muito sem graça com aquela situação vexatória. Não sabia nem por onde começar. Respirou fundo e colocou no rosto seu melhor sorriso.
-Boa tarde, senhoras. Não sabem como estamos felizes por terem parado.
-O que aconteceu com vocês, garotos? Exageraram na festinha? – Tanya quis saber, lançando-lhes um olhar malicioso.
-Fomos roubados, senhora. – Sam respondeu constrangido.
-Sei... – Ironizou a mulher, examinando-os de cima a baixo e parando os olhos um pouco mais no segundo item.
-Pare de encher a paciência, Tanya! - interferiu a outra - Para onde vão, meninos?
-Para onde puderem nos levar. – adiantou-se o mais velho – Temos que recuperar nosso carro.
-Então, até Fort Jefferson já garantiram a carona. - Edna destrancou a porta e voltou-se para trás – Vocês vão para lá. Deixem os rapazes sentarem aqui na frente.
Quando Dean abriu a porta, uma dezena de pares de olhos femininos curiosos os devoravam. O utilitário estava lotado de adolescentes líderes de torcida que voltavam de um campeonato estadual.
-Eu queria ser um avestruz agora - Sam cochichou, engolindo em seco.
-Cala a boca e entra logo antes que mudem de idéia. – respondeu o irmão, entre os dentes.
-Olha, garotos - comentou Tanya - já vi muita gente doida fazer loucuras por uma carona, mas vocês superaram todas. Não que eu esteja reclamando... A paisagem ficou muito melhor...
-Mas nós fomos mesmo roubados! – argumentou o mais novo.
-Dá licença? – uma das garotas debruçou-se sobre Sam - Preciso pegar uma coisinha na minha mochila. Bem ali, está vendo? – espremeu-se entre os dois.
-Fique à vontade. – Dean levantou as sobrancelhas e puxou o corpo para trás quando a barra do saiote da moça roçou-lhe o rosto.
-Ô Charleene, volta para o seu lugar, menina! E mastiga um chiclete que acalma - Tanya repreendeu a garota pela estratégia nada criativa.
A moça fez uma careta e depois sorriu para os dois, retornando ao fundo do transporte.
-O que vocês estavam fazendo parados na estrada para serem roubados? - Edna quis saber.
-Fomos à praia – respondeu o caçula.
-Ah, sei... - concluiu Tanya – dois caras como vocês nadando numa praia deserta...
-Não! Não, a senhora entendeu tudo errado!- Sam estava roxo de vergonha - Nós somos irmãos.
-Pois é - Dean meteu-se na conversa com cara de poucos amigos – Eu sou Dean e este é meu irmão, Sam. E roubaram o nosso carro enquanto dávamos um mergulho.
-E que carro era? – provocou a ruiva - Um Cadilaque cor-de-rosa?
-Não, senhora - Dean controlou-se ao máximo pra não perder a linha e a carona – É um Chevrolet Impala 67, quatro portas, preto, com frisos e aros cromados.
-Caramba, Tanya, os garotos têm estilo! É um clássico! – Edna comentou sem tirar os olhos da estrada - Que pena...
-É mesmo. - Dean fechou os olhos e bufou - mas a hora em que puser as mãos naqueles idiotas, não vai sobrar nada.
-Fica frio, doçura. Acho que posso ajudar. – dirigindo-se à amiga - Tanya, me passa o celular, por favor.
-O que a senhora vai fazer? –Sam pareceu preocupado - Vai chamar a polícia?
-Não, querido, os tiras nessas horas só atrapalham. Vou ligar para o meu primo Carlos. Ele tem um pequeno negócio automobilístico...
-Ele vende peças roubadas – atacou a amiga.
-Que você já comprou, não é, sua ingrata? Que boca enorme!
-E esse seu primo...- Dean quis saber dos detalhes -... ele consegue achar o meu carro?
-Se estiver na Flórida, com certeza. - Edna piscou para Dean com um sorriso afetuoso - Não deu tempo de irem a lugar nenhum com a sua máquina, querido. Só tenha um pouco de paciência que a tia Edna aqui resolve esse probleminha já, já.
Edna contou ao primo os detalhes do acontecido. Teve que dar várias explicações porque aquela era, no mínimo, uma estória muito estranha. No final, ela assegurou que a busca pelo Chevy seria feita com a máxima atenção, visto que seu primo lhe devia uns favores e havia chegado a hora de cobrá-los.
A viagem seguiu tranqüila por mais de uma hora. Vez por outra os rapazes tinham que engolir um comentário ou outro, mais picante, de Tanya a respeito de seu infortúnio. Algumas garotas também apareciam de vez em quando alegando ter perdido alguma coisa, mas eram logo enxotadas de volta a seus lugares pela "tia Edna".
Finalmente chegaram à cidade. Um espetáculo de cores. A Ocean Avenue parecia um desfile de carnaval: Pessoas dos mais variados tipos caminhavam de um lado para outro; algumas muito esquisitas e excêntricas, por sinal. Dean já havia estado na Flórida outras vezes, mas os negócios da família o impediram de desfrutar daquele cenário repleto de garotas bronzeadas de biquíni. Sam não prestava atenção à paisagem porque não conseguia imaginar como poderiam agir e recuperar seus pertences assim do jeito que estavam. Não parava de pensar na possibilidade de abrirem o porta-malas, descobrindo seu pequeno arsenal. Tantos anos de trabalho estariam perdidos.
O celular de Edna tocou trazendo a novidade. Seu primo encontrara um Impala como o dos meninos num bairro afastado. Deixaram as garotas na escola e seguiram até lá.
Um homem baixinho, com jeito hispânico, moreno e vestindo uma camisa de seda colorida estava apoiado na frente do capô. Em seus braços cruzados, reluziam inúmeras pulseiras douradas e um relógio enorme, além de um anel com uma pedra vermelha maior ainda.
Edna desceu do carro e dirigiu-se a ele animadamente, dando-lhe um tapinha no ombro. O sujeito sorriu, mostrando as obturações em ouro.
-Grande Carlos! Sabia que não ia me decepcionar, meu lindo!
-É isso aí, prima Ed. O seu pedido é uma ordem. – beijou as mãos da senhora.
-Prontinho, filhos, o carrinho de vocês está aí. – falou voltando-se para os rapazes – Mais calminhos agora?
-Com certeza, senhora. – Sam sorriu sem jeito pelos olhares dos transeuntes - Não temos nem como agradecer. – O rapaz estendeu a mão para o homem.
-Tá, garoto. - aceitando o cumprimento – Agora vai botar uma roupa que um sujeito do seu tamanho só de camiseta e tênis no meio da rua chama muito a atenção.
-Obrigado, mesmo. - Dean agradeceu também.
-Não por isso. - o baixinho deu de ombros – Você se deu bem, não é, sortudo ? Ficou com as calças. – e soltou uma gargalhada.
Os rapazes abriram o carro e pegaram roupas das mochilas que estavam reviradas no banco traseiro. Vestiram-se rápido e juntaram-se aos outros. Tanya permanecia na van observando-os. Carlos tirou de seu carro, um Pontiac amarelo, escandalosamente ornado por luzes néon, um saco de papel que atirou aos rapazes.
-Graças a Deus! – Dean soltou, aliviado, ao verificar o conteúdo da embalagem - Está tudo aqui, Sam: documentos, cartões e... Até a grana!
-Garotos, quando a família faz um serviço, faz direito. – Edna sorriu satisfeita.
–Senhora, ficamos devendo uma. – Sam agradeceu.
-Esquece a senhora, rapaz. Edna está muito bom. Já perdi a validade, mas não sou tão velha assim.– apertou a bochecha de Samuel.
-Está certo. - O rapaz não conteve a risada – Vou deixar nosso número, caso precise de alguma ajuda. Qualquer coisa. Basta ligar. – anotou a informação num pedaço de papel que passou à mulher.
-Vocês salvaram os nossos traseiros. – Dean concordou.
-Tudo bem. Tenho que entregar o carro antes que a escola dê queixa achando que o roubamos. – Edna dirigiu-se ao automóvel, – E cuidem-se, vocês dois!
De onde estava, Tanya acenou para eles, despedindo-se.
Sam e Dean permaneceram na calçada enquanto as senhoras se distanciavam. Pensavam no tanto de coisas absurdas que aconteciam em suas vidas. Caso contassem este episódio, ninguém acreditaria, sequer os levariam a sério. Parecia mais uma pegadinha. Retornaram ao Chevy e seguiram pelas ruas em busca de hospedagem. Sam deixou claro que queria um lugar decente desta vez. Estava cansado de surpresas e queria relaxar um pouco, com o que seu irmão concordou, sem discutir.
Encontraram um hotelzinho simpático, com bons ares. Hospedaram-se e, após um banho relaxante e o devido descanso, decidiram sair e jantar. Estavam famintos. Não comiam nada desde a noite anterior.
Pararam diante de um restaurante à beira-mar. Decidiram entrar, visto que não havia nada nas mochilas adequado a um local mais cerimonioso. O que não estava sujo, fora amassado ao ser revirado pelos delinqüentes que os roubaram.
O lugar era agradável: Simples, mas limpo e bem organizado, com uma decoração tropical sem muitos exageros. Escolheram uma mesa na varanda, de onde podiam ver o vai-e-vem de barcos na baía e o céu claro de uma bela noite de primavera. Ao fundo, o som de um violão e uma voz masculina suave e acolhedora embalava uma canção.
Sam observava divertido o irmão revirar o cardápio trazido pelo garçom. Finalmente fizeram o pedido e fartaram-se dos petiscos trazidos.
Bem mais tarde, Dean chamou o garçom e cochichou-lhe algo ao ouvido.
O rapaz retornou, em seguida, trazendo um pequeno bolo onde havia uma vela acesa. O músico dedilhou parabéns a você e foi acompanhado pelo coro dos poucos clientes que ainda permaneciam por ali. Sam sentiu-se corar, mais ainda do que já estava pelo excesso de sol, porém, ao ver a felicidade do irmão mais velho, não reclamou. Abriu um sorriso largo e soprou a vela.
