VOCÊ SABIA
por mrsdellicourt.
Você sabia. Você sempre soube.
Quando você me olhava com seus olhos de Snap Explosivo e Cerveja Amanteigada, estava escrito dentro deles que você sabia. Era por isso que você me abraçava do jeito certo, na hora certa, pela quantidade certa de tempo. Você me conhecia. Mais do que ninguém naquele castelo, você sabia dos meus gritos à meia-noite e do meu medo de altura. E queria me levar à loucura com aquilo tudo, porque você sempre soube. Do meu medo de me entregar e da minha paixão pelas folhas amareladas dos livros, das penas e dos tinteiros, das cartas. Você lera as cartas. Tinha que ter lido.
Era por isso que você tinha cheiro de canela. Era por isso que você não deixava a gravata nem muito frouxa nem apertada demais, e os botões da sua camisa nunca estavam completamente fechados. Por isso, nos dias frios, você nunca tomava café: o chá lhe era suficiente. E o seu cabelo vivia desalinhado, mesmo quando não havia vento, porque você sabia que eu gostava de te repreender. E você passava bilhetes com o meu nome para os seus amigos, e deixava que eu os pegasse de propósito. Por isso você tinha aquele interesse genuíno por exatamente tudo que não lhe era interessante.
Você beijava o meu rosto, porque se beijasse a minha testa, me respeitava demais; se beijasse os meus lábios, não me respeitava. Você invadia o meu espaço mas nunca ao ponto da insegurança, já que os alarmes não soavam para você. Você não me perguntava nada de absolutamente tudo porque lhe era engraçado ver o meu esforço para que me notasse. Você se aproximava, porque me conhecia, e sabia que eu não teria forças para te afastar. E sabendo disso se apoderava dos meus pensamentos, organizando-os com o calendário que deve ter construído naquela sua caligrafia em papel machê.
E diante de tudo aquilo, - os abraços e os carinhos. As tardes quentes com as folhas presas ao meu cabelo e as frias de narizes gelados, respirações desiguais, olhares furtivos. Os presentes e o fato de que com você nunca faltava, tudo era sobra. O toque dos nossos dedos, os aromas da nossa receita e o gosto dos beijos. Mentiras para ferir e agradar. As músicas que flutuavam e se transformavam em lágrimas tarde da noite, tarde demais. Sua risada que preenchia meu ouvido todas as manhãs, rasgando. E é claro, aquele sentimento que você transformou em um amor de historinha para dormir - meu coração era machê¹, mas você não sabia.
Você não sabia. Você nunca soube.
N/a: ¹ Machê - do francês mâché: picado, amassado e esmagado.
