Disclaimer: Os personagens de Harry Potter não me pertencem.


Estigmatizado


Mon Couer est plein – je veux pleurer!

(Meu coração está cheio – eu quero chorar!)

Lamartine


"Ruiva? O que você está fazendo aí em cima?"

Lily apoiou os cotovelos sobre as telhas e ergueu o tronco a fim de recepcionar o recém-chegado. Sorriu ao vislumbrar os cabelos negros e bagunçados que conhecia tão bem.

"Apenas olhando as estrelas." Ela respondeu, deitando-se novamente sobre o telhado de uma das torres de Hogwarts. "Suba aqui. Sente-se." Convidou, sinalizando o local vazio ao seu lado.

James pulou com desenvoltura sobre o parapeito da janela, abaixando-se levemente para observar o céu noturno. A temperatura estava agradável naquela noite, de modo que, quando a brisa morna tocou seu rosto, foi quase como uma carícia.

"Como descobriu esse lugar?" Perguntou, saltando para se sentar ao seu lado. Conhecendo-a como conhecia, tinha a incômoda sensação de que aquela expressão agradável e tranqüila escondia um segredo tempestuoso. Lily era ótima em fingir o que não sentia. "Aliás, Lily, como tem coragem de vir até aqui? Achei que tivesse medo de altura." Olhou para cima outra vez. Conteve o impulso quase natural de observá-la.

Como se ela fosse dona de um magnetismo anormal e inexplicável, nunca conseguia ficar muito tempo sem procurá-la com os olhos. A compleição delicada e o ar sabe-tudo tinham a capacidade de atraí-lo como mais nada no mundo.

Inteligente como era, ele bem sabia que se apaixonar fora o pior caminho a seguir. Mas, afinal, quem disse que havia tido escolha? Quando deu por si, já estava completamente obcecado, procurando chances, indiretas e sentimentos onde não havia.

Deu um pequeno sorriso sem felicidade àquela amarga lembrança, movimento que passou despercebido pela mulher ao seu lado.

Inconsciente dos seus pensamentos, Lily apenas sorriu. Piscou algumas vezes, deixando as perturbações para trás.

"Eu tenho medo de altura, sim." Garantiu, sacudindo a cabeça, distraída. "Mas precisava ficar um pouco sozinha."

Não havia em seu tom nenhuma indireta ou sugestão. Ele logo percebeu que aquela fora uma constatação, uma explicação desprovida de segundas intenções. Assim, não fez nenhuma menção de se despedir e se afastar. Ao contrário, resolveu tentar o diálogo:

"Problemas?"

Houve um segundo de silêncio. No rosto feminino não havia nenhum traço de tristeza. Tampouco aborrecimento.

Conforme a guerra foi se acentuando ao seu redor, acabaram por aprender a criar suas próprias defesas. De cabeça-quente e temperamental, Lily repentinamente se escondeu atrás de um muro de impassibilidade que às vezes parecia difícil demais de transpor ou de quebrar.

"É uma noite bonita, você não acha?" Ela comentou enfim, optando por levar a conversa para um assunto neutro. Virou levemente a cabeça para observá-lo. Os cabelos acaju caíam sobre os olhos verdes, que pareciam ainda mais brilhantes sob o reflexo da lua.

James a olhou de relance por um curto instante. Voltou-se mais uma vez para o céu – não queria vacilar em suas próprias proposições. Procurou, distraído, por alguma constelação que conhecesse. Queria se desligar da idéia de que a mulher que amava estava ali, ao seu lado, e que, para seu desgosto, simplesmente não correspondia aos seus sentimentos.

"É." Disse, a voz neutra. "É sim."

Lily suspirou, erguendo os braços para se espreguiçar.

"Sabe, já faz muito tempo que deixei de gostar da noite e da escuridão." Não citou motivos, mas tampouco precisava fazê-lo. As consequências da guerra ainda faziam com que James tivesse medo de fechar os olhos, às vezes. Não havia necessidade de despertá-la para as lembranças amargas. "Mas essa parece excepcional." Passou a mão pelo rosto, empurrando para trás da orelha os fios de cabelo que tapavam sua visão.

"Algo especial?" Indagou James, tentando aparentar simpatia. Olhou-a com curiosidade, um pouco de expectativa diante da resposta. Segurou forte no peito o suspiro dolorido e amargo que sempre queria soltar ao imaginá-la com outro. Por mais que tentasse ignorar, era sempre perturbador.

Lily riu, o riso agradável e doce que a caracterizava quando estava com a guarda baixa. Não respondeu de imediato. Voltou a se concentrar no céu sobre sua cabeça.

"Talvez."

Ele arqueou a sobrancelha ante o tom levemente maroto.

"Não é especial." Disse, rebatendo sua resposta em tom acusatório.

"Não sei." Ela ficou em silêncio por alguns minutos. Mordeu a unha do polegar, um gesto muito comum quando estava nervosa ou simplesmente distraída. Encolheu os ombros. "A lua está linda, mas observá-la me deixa tão triste. Não é suposto que a beleza nos entristeça." Confessou, e então um pouco da calma havia desaparecido.

James parou de fingir que não olhava para ela e voltou o rosto na sua direção. Os óculos de aro oval caíam por seu nariz, fazendo-o se apressar em ajeitá-los. Fitou-a preocupação.

"Você está bem?" Perguntou.

Ela sorriu, mas era um sorriso abatido.

"Não se preocupe. Irei superar. Talvez seja uma questão de tempo..." Respirou fundo. "Ou meses." Acrescentou com alguma amargura. Deslizou a língua pelos lábios num gesto automático. "Apenas preciso esquecer. É isso." Enrolou uma mexa do cabelo no dedo, tentando demonstrar tranqüilidade.

Ele não precisava sequer encará-la para perceber que havia algo de realmente errado. Sentiu-se inútil por vê-la sofrer daquela maneira, sem poder fazer nada para impedir.

"Dor de amor?" Indagou, erguendo as sobrancelhas.

"Amor?" Lily riu, sem alegria. "Não chegou a ser considerado tanto. Não, bem... Não, nunca houve amor. Dor de desilusão. É uma palavra mais... sutil."

"Por quem?" James ajeitou os óculos, suspirando. Diante daquele tipo de situação, era difícil lidar com os próprios sentimentos. Depois de tanto tempo, toda a dificuldade e as trapalhadas que cometera para tentar se aproximar dela, precisava admitir que realmente havia perdido. Eram amigos agora, mas não sabia dizer se essa amizade era suficiente. Seu coração sangrava ao imaginar no quanto de coisas boas podiam estar vivendo e não viviam apenas por respeitar os desejos dela.

Não correra tanto atrás de Lily para saírem juntos apenas algumas vezes. Apesar do que falavam as más línguas, seu interesse era genuíno. Quando pensava nela, pensava na mulher ideal. Ideal para casamento, filhos, uma velhice feliz. Aqueles, é claro, eram desejos nunca proferidos. Podia ter sido persistente e intragável nas suas tentativas de conquistá-la, mas tinha seu orgulho.

Ou, sendo sincero, o pouco que restava dele.

Ergueu os olhos, pensativo. Mas logo virou o rosto, observando os olhos verdes que pela primeira vez naquela noite demonstravam verdadeiros traços de tristeza (tão decepcionados).

Do que conhecia de Lily – e era o suficiente, ele tinha certeza –, não havia maneira de colocar no seu rosto expressão de abatimento. Mesmo que um turbilhão de coisas estivesse desabando à sua volta, mesmo que estivesse sofrendo por dentro, ela jamais deixava transparecer qualquer coisa. Preocupava-se muito mais em não permitir que os outros se preocupassem com seu estado emocional do que se deixar levar pelas emoções e aceitar as próprias fraquezas.

Ela desceu as pálpebras suavemente, o brilho da sua íris sumindo pelos olhos fechados.

"Acho que ainda não te contaram." Falou, abrindo os olhos após um segundo, e olhou para cima.

"Contar o quê?"

"Nicholas terminou comigo." O ar deixou fortemente suas narinas.

James sentiu uma onda de perturbação crescer dentro de si. Aquilo era mau sinal, considerou. Detestaria vê-la chorar. Nicholas, pesou aquele nome em sua mente. Nunca o havia conhecido. Mal se recordava seu nome. Qual era a importância daquele homem em sua vida? Como todos os outros, ele era apenas mais um dos tantos inaptos a reconhecer o verdadeiro valor da garota que tinha em mãos.

"Ele não te merecia." Disse, mais para si mesmo do que para ela, apertando os punhos fortemente.

Lily se ergueu, apoiando o tronco sobre o peso dos cotovelos mais uma vez.

"E quem, então, você acha que me merece, James?"

Ele apenas a observou por alguns momentos. Lily era tão bonita que fazia seu peito doer e seu coração acelerar. O brilho da lua banhava seus cabelos vermelhos, deixando-os ainda mais brilhantes, e eles caíam em ondas sobre os ombros cobertos por um suéter verde que combinava com seus olhos.

Por um longo instante, ao observá-la, majestosa sob a noite agradável, quis gritar "eu, eu sou", mas apertou os lábios, com medo de que sua ansiedade, sua confissão e seu desespero acabassem por destruir a amizade sensível que aprenderam a compartilhar.

Pegando delicadamente uma das mãos dela entre a sua, apertou-a com carinho.

"Não sei, Lily."

"Eu preciso que você me diga, James." Lily se virou completamente para ele, uma expressão de intensa determinação em seu rosto macio. "Preciso saber. Estou cansada de ficar com as pessoas erradas."

James arrumou os óculos outra vez (mais por força do hábito do que por necessidade) e a presenteou com um sorriso vacilante.

"Tentar fazer com que os relacionamentos deem certo é importante, mas você precisa confiar plenamente na pessoa com quem está se envolvendo. Se isso acontecer, pode ter certeza de que haverá amor, fidelidade, compreensão e respeito mútuo." Citou inconscientemente as palavras que sempre ouvira seus pais sussurrarem. Tendo compartilhado um casamento tão feliz, eles obviamente deveriam ter sabido o segredo para a felicidade. "É tudo o que uma mulher deseja, não é?"

"É, é tudo que eu desejo." Ela balbuciou, baixinho, pensativa.

"Então pode ter certeza de que irá encontrar alguém assim."

"Faltam coisas, James." Disse Lily, depois de algum tempo.

Ele levantou os olhos, como se estivesse refletindo a respeito, mas não achou nada de relevante. A ruiva sorriu, parecendo enxergar os pontos de interrogação que se formavam sobre sua cabeça.

"Que coisas?"

"Falta paixão." Ela respondeu, apertando com mais força a mão masculina pegada à sua. "Amor, fidelidade, compreensão e respeito são importantes, mas falta o essencial: paixão. Essa se tornaria uma relação amena se não houvesse paixão, atração, desejo. E eu quero algo explosivo. Algo que até hoje não encontrei. Estou cansada de procurar por algo que nunca consigo encontrar."

"Não se preocupe, Lily. Paixão por você é o que não falta. Olhe em volta. Tem homens e homens transbordando de desejo por você, que dariam tudo para que lhes presenteasse com um minuto da sua atenção. Acho que você não tem consciência do quanto é linda, Lily." Disse James, calmamente.

Ela sorriu ante o elogio, suspirando.

"Acho que ainda não te agradeci."

"Agradecer?" Ele ergueu as sobrancelhas. "Pelo quê?"

"Por estar aqui comigo."

"Isso eu faria até de graça, mesmo sob protestos e xingamentos." Disse James, divertido, lembrando-a do período em que se espezinhavam pelos corredores do castelo. Eram períodos caóticos. Eles conseguiram perturbar toda Hogwarts, conquistando muitas inimizades, mesmo dentro da sua própria casa.

Ela riu, tanto pela declaração quanto pelas lembranças, e passou uma das mãos pelo rosto, coçando o queixo.

"Depois de tudo que eu fiz, depois de todas as situações embaraçosas em que eu o submeti, depois de todas aquelas palavras rudes, por que ainda continua falando comigo, James? Por que ainda não desistiu? Por que não se afastou de mim pensando em como sou grossa e insensível?"

James passou a mão pelos cabelos. A expressão absorta deu lugar à de seriedade em dado momento.

"Porque você não é assim."

Lily o olhou, surpresa por aquela espontânea demonstração de conhecimento. Embora não compartilhasse, James conhecia todos seus trejeitos, todos seus segredos. Era a única coisa a animá-lo quando a encontrava com um novo namorado ou acompanhante. Sabia que eles nunca a conheceriam tanto quanto ele a conhecia.

Após um segundo de silêncio, mordiscando o lábio inferior, ela logo deu um sorriso torto e completou:

"Apesar de aparentar às vezes."

"Eu percebo os erros que cometi, Lily. Sei que era insuportável, inconveniente e que aparecia nas horas menos propícias para atormentá-la. Não pense que sou um anjo de candura, mas eu cresci, amadureci e acabei percebendo que não fiz nada além de aborrecê-la sem necessidade quando, na verdade, seria preciso apenas ser como eu sou." Admitiu James, com um suspiro.

Ela sorriu, apontando para um conjunto de estrelas.

"Está vendo aquelas estrelas ali?"

"Sim."

"Sirius me dizia que eram da sua constelação." Lily riu. "Claro que eu nunca acreditei, porque sei que Sirius não pode ser vista desse hemisfério. Mas sei que elas são como ele e como você."

James a fitou de relance, surpreendido.

"Não sabia que eu era tão bom a ponto de ser comparado a uma estrela." Zombou, divertido.

Lily maneou a cabeça em negativa diante do tom convencido das suas palavras.

"Estrelas demoram muito tempo para desaparecer, James." Disse, suavemente. "Diria até que para nós, que não vivemos um décimo do que elas vivem, são eternas. Como vocês para mim. Porque viverão eternamente no meu coração." Olhou-o, sorrindo.

"Você já vive no meu há muito tempo, Lily." Confessou James após uma curta pausa.

Outra vez houve silêncio entre eles.

Lily fechou os olhos, deixando o vento suave bater em seu rosto, bagunçando os cabelos acaju. Por todo o tempo em que o vento soou, uivando, ela não fez nenhum movimento, aceitando sua carícia.

"Eu o fiz sofrer?" Perguntou, baixinho.

"O suficiente." James sorriu, desconfortável. Não se sentia à vontade para falar de seus sentimentos. Os tempos de desentendimentos e brigas aleatórias haviam acabado com qualquer segurança que pudesse ter com relação a uma confissão. Às vezes, tinha até mesmo medo de pensar a respeito.

Lily voltou o rosto na sua direção. Sua expressão séria lhe causou frio na boca do estômago.

"Desculpe-me por tudo isso. Essa situação..." Gesticulou, frustrada. Sua voz não passava de um sussurro infeliz. "Você é a única pessoa que vem me apoiando de verdade ultimamente. Tenho me sentido tão sozinha." Disse, contendo as lágrimas. Abraçou-se de modo quase inconsciente.

James se ergueu, aproximando-se, e segurou seu rosto entre as mãos. Passou a ponta dos polegares pelas gotículas de lágrimas que começavam a despencar pelas bochechas macias. Observou-a com carinho.

"Sei como o assassinato de Cassandra foi horrível para você." Começou, sério. "Acredito que tenha sido um baque para todos nós, na verdade. Não fiquei tão estremecido quanto você, dado o fato de que eram melhores amigos, mas posso dizer que, pela dor de ter perdido meus pais, tenho alguma idéia do quanto se sente solitária e impotente."

Ela concordou num maneio curto, mordiscando o lábio.

"É como se os dias da minha vida demorassem continuamente a passar e, dentre todas as milhares de pessoas que estão ao meu redor, eu continuasse me sentindo sozinha." Murmurou, a voz abafada.

"Não, você não está sozinha, Lily. Eu vou estar sempre aqui para você. Não deixarei que nada te aconteça. Eu prometo. Já perdemos Cassandra. Não posso perder você também." James afirmou, circunspecto. Acariciou-lhe o rosto, tentando fazê-la acalmar a respiração desnorteada.

Lily deu um sorriso triste, soluçando.

"Eu me lembro dela, do seu sorriso, dos seus cabelos, seus olhos. Minha melhor amiga, minha irmã, minha Cassandra. Um dia ela estava ao meu lado, rindo porque eu havia derrubado um copo de cerveja amanteigada sobre o suéter e no outro ela tinha sido assassinada." Ela parou para recuperar o ar, o lábio inferior tremendo. "Eu vivi os melhores anos da minha vida ao seu lado e de repente tenho que lidar com o fato de que só a encontrarei nas minhas lembranças mais queridas."

James nada disse. Era chegado o momento de deixá-la desabafar. Por mais que houvessem tentado convencê-la a recuar por um minuto e admitir seu pesar, Lily havia se mantido firme mesmo durante o velório. Quase como se estivesse enfeitiçada. Com aquela idéia em mente, ele limpou-lhe as novas lágrimas, mas não pronunciou uma palavra.

"Eu passo meus dias de folga no parque, observando as pessoas enquanto elas passam. Eu quero um pedacinho desse sonho. É pedir demais? Ter uma casa segura e uma cama quente, numa ruazinha quieta. Ter algo em que me apoiar, alguém em quem confiar." Lily murmurou, fungando. "Quando isso tudo vai acabar? Quando ele vai parar de matar e matar? Preferia que ele tivesse assassinado a mim, porque não suporto ver as pessoas que amo morrendo."

"Não, não diga isso, Lily." Pediu James, apertando as sobrancelhas. "Cassie não gostaria de saber que está desperdiçando sua vida por ela."

"Cassandra sempre me apoiou. Sempre perdoou meus erros, meu temperamento, minhas escolhas erradas. Já não consigo viver sem a presença dela. É d-doloroso demais." A voz feminina falhou na ultima frase, se perdendo em meio à escuridão e vastidão da noite.

James sabia que havia dores que não podiam ser remedidas. Provavelmente teria reação semelhante se qualquer dos seus melhores amigos tivesse o mesmo destino. Porém ele, ao contrário de Lily, tinha Peter, Remus e Sirius e, mesmo quando acreditar precisar de algum espaço, sempre tinha pessoas confiáveis ao seu redor. Ela, por outro lado, havia rompido os laços com a irmã após a morte dos pais e precisado forçosamente a lidar com o assassinato da sua melhor amiga, a única a quem realmente considerava daquela maneira.

O mundo podia ser um lugar muito assustador e sombrio às vezes, ele havia aprendido. E o melhor a fazer em momentos como aquele era demonstrar seu apoio incondicional, fazendo-a perceber que continuaria ao seu lado, independente das circunstâncias.

"Lily, estarei aqui enquanto você precisar de mim." James hesitou por um momento. "Sei que não muda os fatos, que não atenua a dor. Também sei que minha presença talvez não seja tão reconfortante e que provavelmente não é o que você quer ou precisa no momento, mas quero que você saiba. Conte comigo."

Ela o observou por um instante, encarando-o docemente, e apertou sua mão.

"Sabe o que eu mais amo em você?" Perguntou, ligeiramente rouca.

"O que é, Lily?"

"Você nunca me julgou. Não importa o que eu tenha feito, você nunca me julgou." Disse Lily de repente, a voz um pouco mais firme. "E eu sei que te machuquei, que fui rude e estúpida e que, francamente, não merecia nada além da sua raiva. Mas você sempre enxergou em mim aquilo que muitos parecem ser incapazes de enxergar. Você sempre me viu como a pessoa que está falando com você agora. Lily. Apenas Lily. Não a garota autossuficiente e insensível de sempre."

Ele acariciou os dedos dela, sorrindo.

Lily sempre tivera uma fama implacável durante os anos letivos. Havia sido uma monitora exemplar, tirava notas acima da média e fora considerada uma aluna referência para grande parte dos professores. Dado o fato de que parecia manter uma distância saudável de quase todos ao seu redor, as pessoas raramente a viam alterada ou precisavam lidar com a tempestade que era sua personalidade quando irritada.

Ao longo daquele período, James parecia ter sido um dos únicos capazes de destruir sua barreira. Chamava sua atenção a fim de suscitar sua fúria, já que parecia incapaz de se aproximar adequadamente da garota dos seus sonhos, o que acabou tornando sua fama lendária e suas discussões, um mito.

"É porque eu sempre soube quem você verdadeiramente é, Lily, independente de quantas fachadas possa usar para encobrir sua dor." Confessou. "Sempre vi como você é por dentro e o quanto seu interior é lindo. É essa Lily que eu amo e vou amar eternamente. A minha Lily."

Houve um curto silêncio outra vez enquanto ela o encarava, processando sua confissão.

"Não mereço tanto amor, James." Maneou a cabeça em negativa, os lábios apertados, embora sem romper o contato entre eles.

"Não posso fazer nada quanto a isso." Ele precisou concluir enfim, encolhendo os ombros.

Lily o presenteou com um sorriso trêmulo, os olhos verde-esmeralda brilhantes pelas lágrimas que ainda não havia derramado. Passou os dedos pelas bochechas molhadas, numa parca tentativa de secá-las.

"Desculpe por aquelas coisas." Disse, timidamente.

"Que coisas?" James ergueu as sobrancelhas, curioso.

"Você sabe, tudo aquilo de riquinho metido, egomaníaco insuportável e demais variantes." Gesticulou, pigarreando, e desviando o rosto do dele, como se não pudesse lidar com as lembranças do seu terrível comportamento.

Ele piscou, surpreso pelo teor do pedido (que pareceu surgir tão espontaneamente após tanto tempo de atraso) e pelo súbito rubor no rosto feminino, que fazia com que ela parecesse uma pequena criança travessa, mas não pôde conter a risada.

"Não se preocupe, Lily. Nunca levei esses comentários a sério." Garantiu, piscando.

Deixando-se levar por sua reação espontânea e agradável, ela riu, a voz doce e feminina soando como sininhos que faziam o estômago de James revirar de um jeito muito excitante e desagradável, tudo ao mesmo tempo, e fitou o céu escuro por alguns segundos antes de se virar para ele, calma, mas com uma expressão subitamente decidida.

"Eu amo você, James."

FIM