Tale

Tinha cabelo vermelho. Vermelho, mesmo, cor de fogo de verdade, e lisos e brilhantes e compridos. Todo mundo elogiava os cabelos dela. Ele gostava de afundar o rosto neles, sempre que podia, porque não ligava tanto para a cor, ligava para a textura e o cheiro da nuca. E ela dava uma risadinha – lá vinha ela com aquelas risadinhas... Mas eram jovens, tinham o direito de rir. Se tem algum coisa a que os apaixonados são mesmo permitidos é serem bobos. E eram bobos. Eram bobos embaixo da árvore dos jardins, na beira do lago, na sala Comunal, nos corredores desertos, no dormitório masculino quando as luzes se apagavam. Eram muito, muito bobos. Bobos demais para a guerra – o menino-que-sobreviveu não sobreviveria por muito mais tempo, afinal, se continuasse limitando-se a enfiar o rosto em fios macios. Parecia que ia ser para sempre, parecia que nunca ia acabar. Dias ensolarados sempre parecem que nunca vão acabar. Mas até o sol vai apagar um dia, então que chances teriam os cabelos dela? Que chances teriam eles? Ele tinha cabelos negros. Ela não afundava o rosto neles porque não faz bem se afundar em escuridão. Tinha medo de que ele fizesse isso um dia. Tinha muito, muito medo. Então o deixou ir embora. Os dois sonharam com cabelos durante a guerra – vermelhos, cor de fogo, escuros, escuros. Não diziam que se amavam quando a maciez dos fios tocava o rosto dele e a respiração lenta encostava na nuca dela. Não diziam, mas talvez não fosse mentira. Talvez fosse. Separaram-se de frente para um rio, em outro dia ensolarado que parecia que já tinha acabado. Pensaram no cheiro um do outro – lamentaram não terem dito. E então foram embora.


N/A: Ficlet pro Projeto Find a Way, do 6 vassouras, situação do tempo do namoro dos dois. Sei lá, eu gostei. (L)