Eu nunca pensei que ela poderia ficar tão mais pálida do que já era, mas lá estava: branca como um pedaço de papel. Uma palidez que apenas contrastava com o vermelho, e este tomou conta de tudo. Ou talvez eu não estivesse acostumado, pois nunca havia visto tanto sangue na minha vida até então.
Nessas horas, o lógico a se fazer é correr o mais rápido possível até a vítima e prestar socorro. Eu sabia disso. Mas nada - nenhuma aula, nenhum treino de campo, nenhum seminário com um herói experiente -, me prepararia para aquela cena, e, portanto, contra tudo que eu sabia que era lógico, meu corpo simplesmente não se mexeu quando eu entrei no salão de banho e a encontrei dentro d'água. Tinha a cabeça recostada sobre uma pedra e os cabelos espalhados pela água vermelha, pelo chão e pela testa franzida numa careta de dor. Era como se ela estivesse tendo um pesadelo – apesar de, na verdade, achar que aquele pesadelo era meu. Talvez eu não tenha hesitado tanto assim - um ou dois segundos, no máximo -, mas tenho certeza que para mim eles pareceram horas. Horas de torpor e sem conseguir respirar, encarando o corpo ensanguentado dela.
Eu sempre me apeguei a detalhes. Não é algo que eu controle, simplesmente acontece. Eu absorvo todas as informações que me chegam e as guardo para mim, estudando cada uma para encontrar a solução mais lógica de cada situação. Porém, naquele instante, a única informação que eu era capaz de reter era todo aquele vermelho, ofuscante e ameaçador. Todo o resto se tornou cinza, por mais que o salão fosse bem claro e iluminado, com lanternas coloridas penduradas no teto. Eu não as via, não ali, e meu corpo não me pertencia mais.
- ...N-não. Não, não, não! – eu me ouvi dizer, com o coração subindo à garganta. Para minha surpresa, as palavras se formaram automaticamente, e foi como ouvir outra pessoa falar com a minha voz. Minha consciência estava distante e distorcida, mas meu corpo reagiu àquelas palavras repetidas e ao desespero que elas deixaram escapar, e se pôs a correr como um tufão.
Aquele aperto no peito, como se alguém pisasse nele, naquele dia foi a primeira vez que o senti. A sensação de impotência em saber que eu estava prestes a perder alguém importante para mim. Perder de vez, sem retorno. Sem segundas ou terceiras chances. Mas apesar de ter sido umas das coisas mais dolorosas que já havia sentido, foi aquela dor que me fez cair em mim. Se eu não fizesse algo rápido, ela morreria.
Tirei a camisa no processo e me joguei ao lado do corpo imóvel sem o menor cuidado, escorregando numa poça de sangue. Larguei a camisa por um instante, apenas para afundar as mãos na água e agarrar-lhe pelas axilas, tentando puxar-lhe para fora. As roupas encharcadas e o peso extra dificultaram a tarefa, então precisei afundar ainda mais para segurar em algum lugar mais estável. A abracei pela cintura e a puxei com toda a força que meus braços tinham. Foi quando nossas bochechas se tocaram e o frio que me correu pela espinha seria algo do qual eu jamais esqueceria. Sua pele estava gelada, mesmo que a água do salão fosse constantemente aquecida. Eu parei de respirar quando pensei que havia chegado tarde demais.
Caí sentado para trás com ela entre as minhas pernas. Sentia que já estava completamente sujo, mas não ligava – a adrenalina que mantinha meu corpo em movimento não permitia que eu prestasse atenção em mais nada. A virei de barriga para cima em meu colo – apoiando suas costas em uma de minhas pernas de maneira desajeitada e apressada - e ao me certificar de que ela ainda respirava, mesmo que debilmente, soltei todo o ar dos pulmões sem antes ter notado que o havia prendido. A brusquidão e a minha voz a fizeram entreabrir os olhos em confusão, no que eu tateava seus braços de um lado a outro para encontrar o ferimento e tentar estancá-lo.
- Shouta... N-não era... não era pra você ver isso... Nenhum de vocês... – a voz estava tão baixa, tão fraca, mas ela sorria. Era uma das poucas coisas que realmente me irritavam nela. Aquela mania de querer esconder tudo com um sorriso. Não importava o quanto as coisas desmoronavam ao seu redor, ela sempre sorria para nós. Como se isso fosse me deixar menos preocupado em qualquer uma das vezes.
- O que foi que você fez?! Por que tem que ser tão estúpida?! – minha voz embargou conforme a realidade me penetrava os poros. Não era aquilo que eu queria dizer. Não mesmo. Eu queria dizer que eu estava ali com ela, que ia ficar tudo bem. E que boa parte de mim morreria com ela se ela partisse. Mas como eu disse, as palavras se formaram automaticamente. Principalmente após encontrar a fonte do sangramento e descobrir que tínhamos pouco tempo.
