APARÊNCIAS DA ALMA.
O
piquenique dos Marotos havia sido divertido: era começo da
primavera, e numa sexta-feira decidiram experimentar as guloseimas
que Emma havia trazido da Suíça. Sirius e James se esbaldavam à
beira do lago, jogando água um no outro, divertindo Domenica e
Peter, que os observavam de uma distância segura. Remus ajeitava
muito compenetrado as sobras dentro das cestas e mal notava que uma
moça o encarava com um sorriso protetor. O sol descia do céu para
iluminar o outro lado do planeta, e a luz se extinguia com certa
velocidade. Emma não podia evitar passar longos períodos de tempo
observando os movimentos do jovem, tão delicado e ao mesmo tempo tão
firme, sutil e intenso. Antes que percebesse, ela pegou nas mãos um
pote de vidro que estava ao seu lado e o ofereceu ao rapaz.
Os
olhares quase puris se encontraram e Emma pôde refletir-se no mel
profundo dos olhos de Lupin. Ah, como delirava em silêncio por causa
do jeito dele de fitá-la, como um amante que suplicava! Como tremia
quando a olhava com aquela intensidade atordoante, irresistível,
avassaladora! A corvinal perdeu o chão e mergulhou nos devaneios da
paixão, aqueles segundos que os apaixonados ignoram da vida real e
os aproveitam em sua realidade calorosa e aconchegante. Remus podia
sentir-se elevado a níveis celestiais com a deidade que ela era, ali
tão paradoxal - angelical e terrena, passiva e dominadora - o
olhando com aquelas metades do Céu, e presença tão agradável.
-
Seus olhos Remus. - começou Emma, num murmúrio lânguido, quase num
fio de voz. Por quê era tímida, mas ao mesmo tempo tão ousada com
ele? Jamais agiria assim com ninguém. - São lindos.
O
jovem sentiu um arrepio indomado passar-lhe pelo corpo todo, e arfou
com a surpresa do comentário.
- Meus... olhos?
- gaguejou o licântropo, quase incrédulo. Inclinou a cabeça para o
lado, fazendo com que algumas mechas de seus cabelos castanhos
cobrissem-lhe a testa. Via-se encantador aos olhos da moça, que
adorava-lhe por um todo. Sentiu as bochechas ruborizarem, mas
manteve-se concentrado na pose.
- Sim. - Emma
não temia a honestidade, jamais. Ainda mais com Lupin, seu vrdadeiro
eldorado. - São de um castanho revestido de ouro. Nunca havia visto
nada assim. - O grifinório pegou o pote das mãos finas da jovem, e
pensou um pouco antes de responder.
- Obrigado.
Mas a verdade é que, se a genética fosse estritamente rigorosa, eu
devia ter olhos verdes. - explicou ele, dando um sorriso tímido. O
risinho contido, somado à levantada rápida de sombrancelha eram uma
marca registrada de Remus, que Emma sabia de cor e salteado. - Meus
pais têm, ambos, olhos verdes, como a grama e as folhas das árvores.
Mas não sei de quem eu puxei, vai saber. - ironizou, encarando o
chão. Ela permaneceu em silêncio por algum tempo. Ouviu-se ao fundo
uma balbúrdia dos dois Marotos populares.
-
Você tirou a sorte grande. - comentou a loira, hipnotizada pela
presença cálida e pacífica do monitor. Ajeitou um cacho dos
cabelos compridos e o fitou com doçura. - Herdou olhos invéjaveis!
- disse ela sorrindo. - Seus filhos terão essa sorte
também.
Remus surpreendeu-se com a sentença de
Emma, mas mal raciocinou para comentá-la. Arrumou a gravata com uma
das mãos e sentou-se de frente pra ela.
-
Depende. E se a mãe deles tiver olhos azuis, por exemplo? - indagou
ele, sem um pingo de malícia.
A herdeira dos
Ducotterd dobrava a toalha manchada quando se deu conta do que ele
havia dito. Parou imediatamente, sentindo o coração doer de tão
excitado que estava. Imaginou os dois caminhando num jardim de
outono, a brisa forte, com ela carregando o filho pequeno, sorrindo e
exultando a felicidade que a preenchia. Talvez o bebê tivesse os
olhos de um azul muito vivo, e os cabelos castanhos de seu Maroto
preferido. Talvez, porque a cena demorou muito pouco em sua
mente.
- Verdade, Lupin... Verdade... - murmurou
a corvinal, etérea e assustada.
O casal poderia
ter tranposto as barreiras que os separavam e finalmente acertarem
seus destinos, para um provável em comum. Mas não; as dificuldades
permaneceram as mesmas de antes, e apenas o sol testemunhou a
conversa tão reveladora e tão retrógada.
FIM.
