Disclaimer: os personagens de Naruto não me pertencem.


"agora que decidiu ficar

nós permaneceremos juntos

você não pode me abandonar

você pertence a mim"

(Evanescence – Surrender)


Sakura

Uma kunai passou zumbindo pela minha orelha, por muito pouco não vindo terminar cravada em minha testa. Eu a teria repelido com minha própria kunai, não fosse o homem que se jogou para cima de mim. Estava ocupada demais arremessando-o contra a parede mais próxima quando o parceiro dele, um sujeitinho franzino e de sorriso arreganhado, decidiu que esse seria o melhor momento para atacar.

Consegui mover os ombros a tempo, tirando minha cabeça da rota letal. O corpo do ninja que golpeei atravessou a divisória de madeira, indo parar do lado de fora da casa. O lugar todo estremeceu e depois começou a desmoronar, sem mais conseguir se manter de pé após termos arrasado com mais da metade de toda a estrutura.

Com tocos de madeira caindo sobre mim, protegi a cabeça e saltei, vendo tudo se desfazer numa pilha de escombros abaixo dos meus pés. Ainda estava no ar quando senti a irritante, familiar presença atrás de mim. No mesmo instante braços finos, mais fortes do que aparentavam, fecharam-se ao redor do meu pescoço.

Minha garganta emitiu um ruído seco ao ser comprimida, o som parecendo estimular a força do meu agressor.

Conforme íamos caindo, empurrei o cotovelo para trás, atingindo-o no estômago. Ele urrou e soltou uma tossidela engasgada, afrouxando o aperto em meu pescoço o suficiente para que eu pudesse ser capaz de agarrá-lo pelos braços e atirá-lo para baixo. Minha força fez com que seu corpo se chocasse contra o solo violentamente, de modo que ele foi quicando e rolando para longe.

Pousei no chão já em pose defensiva, preparada para um novo ataque. Os segundos transcorreram e nada se moveu em minha direção. Olhando ao redor atentamente percebi que meus oponentes não estavam mais aptos a se levantar e tentar uma nova investida, todos eles devidamente nocauteados.

Enquanto recuperava o fôlego, algo captou minha atenção pela visão periférica. Virei a cabeça a tempo de ver um trio dos clones de Naruto passarem correndo pelos telhados do vilarejo, indo em direção à grande pira de fogo que começava a consumir todo aquele deprimente lugar. Em algum ponto mais adiante, uma coluna de fumaça ia se erguendo para o céu de fim de tarde, já quase escuro. Instantes antes eu havia escutado uma grande explosão, sentindo o chão vibrar sob meus pés. Não pude parar para me preocupar com Sasuke-kun ou Naruto naquele momento, estando eu mesma presa num combate com dois daqueles degenerados que vinham tentando se livrar de mim com um empenho admirável.

Eles não haviam sido os únicos a me afrontar, aqueles dois. Quando adentramos o vilarejo semiabandonado, Sasuke-kun, Naruto e eu nos separamos, para que cada um fosse vasculhar um perímetro. Naruto imediatamente fez clones seus, que se espalharam e seguiram por caminhos diferentes.

O silêncio era quase absoluto, rompido apenas pelo uivar do vento e pelo ranger incessante das tábuas soltas. Folhas secas rolavam pelo chão e não se via uma alma viva vagando pelas ruas. Eu não havia sentido nenhuma presença pelas redondezas, enquanto entrava e saía de estabelecimentos e residências que haviam sido desocupados há anos, dado o estado decrépito em que se encontravam.

Estava empoleirada no telhado precário de uma torre de vigilância quando senti o primeiro pico de chakra. Logo em seguida uma kunai foi atirada aos meus pés e eu só tive um átimo de segundo para fugir antes que o selo preso a ela explodisse.

Daí por diante, como se conjurados das sombras, dúzias de ninjas convergiram para cima de mim. Não parecia haver ninguém especialmente habilidoso entre eles, o que me fez duvidar se o esconderijo que procurávamos estava mesmo localizado nessa área desolada ao pé da montanha.

Estralei os dedos e sorri, animada ante a perspectiva de bater em alguém. Depois de três dias correndo pela mata, era bom enfim poder me livrar do torpor ocasionado pela longa viagem.

Pelo que me pareceu meia hora depois, após toda aquela ação, havia suor em minha testa e meus trajes já apresentavam uma densa camada de pó. Também senti a insignificante ardência de um pequeno corte em meu braço e outros dois na perna esquerda, causados por uma saraivada de shurikens das quais não consegui me livrar por completo.

Não havendo mais ninguém com quem lutar por ali, muito menos um possível cativeiro a ser descoberto, decidi seguir em direção à torre de fumaça, para onde os clones se dirigiram, sabendo que seria bastante provável me deparar com Naruto por lá, perpetrando sua própria onda de destruição, agitado como ele era.

Não havia feito menção de dar o primeiro passo – meus olhos ainda esquadrinhando a área ao redor – quando alguém veio correndo pelos telhados.

Sasuke-kun saltou e pousou à minha frente, silencioso como um gato, trazendo consigo um corpo que ele segurava pela cintura, o rosto expressando uma serenidade que entrava em desacordo com aquele par de braços e pernas pendendo no ar ao seu lado.

Meu coração falhou uma batida – e não porque estivesse diante do homem que eu amava. Sasuke-kun, com sua velocidade desconcertante, me deixou em completo estado de alerta ao se aproximar de modo repentino, me fazendo crer que seria atacada a toda velocidade, não me dando a chance de reconhecer seu chakra.

– Esse aqui se feriu – ele falou sem preâmbulos, deixando cair o corpo diante de mim.

O que parecia ser um jovem rapaz gemeu e resmungou alguma coisa, ainda que inconsciente, mas só pude concentrar metade de minha atenção nele. Tratava-se de uma atitude antiética, eu sabia, e uma parte de mim se recriminava por essa conduta, especialmente quando havia alguém, bem ali na minha frente, necessitando de cuidados. Contudo esse era um impulso inevitável, algo que estava além do meu controle.

Como sempre fazia, deixei meus olhos perscrutarem Sasuke-kun atentamente, sentindo um alívio imediato por não encontrar nele nada que indicasse ferimentos graves. Assim como eu, ele também apresentava pequenos arranhões e havia traços de fuligem em seu rosto, um evidente sinal de que usara o katon recentemente - ficava sempre aquela manchinha no canto de sua boca, um detalhe que passei a reconhecer após tantos anos.

Sasuke-kun me encarava com sua usual expressão de seriedade, o olhar impassível, sem demonstrar qualquer aborrecimento perante minha óbvia inspeção, embora eu soubesse que esse hábito o irritasse.

No passado, quando ainda éramos crianças, ele teria apenas estreitado os olhos e dispensado minha preocupação, talvez com um comentário rude – o que teria me deixado magoada, como sempre acontecia -, mas logo após sua jornada em busca de redenção, nos anos que sucederam seu retorno definitivo à Konoha, Sasuke-kun foi se tornando mais tolerante para comigo.

Passei meses sendo acometida por uma estranha sensação de medo e insegurança, temendo que ele fosse desaparecer se eu fechasse os olhos, mas ao mesmo tempo me sentindo abobada, feliz como uma criança, por tê-lo enfim ao meu lado, por sermos um par.

Voltei minha atenção ao rapaz estirado no chão, me sentindo culpada por tê-lo colocado em segundo plano.

Ajoelhei-me ao seu lado e tirei as luvas de combate, pousando as mãos sobre seu peito, começando a procurar. Ele tinha cabelos castanhos e era um pouco magro e mole demais, não havendo em seu corpo sinais de uma musculatura enrijecida pelo treinamento ninja. Observando o traço infantil do rosto, ergui as sobrancelhas, surpresa ao constatar que se tratava de um civil adolescente.

– Quem é ele? – perguntei, começando a aplicar chakra no corte em seu ombro, de onde havia sangue vertendo.

– Eu não sei – Sasuke-kun já estava a meio passo de me dar as costas.

Apenas suspirei, sabendo que seria inútil tentar mantê-lo aqui a fim de obter qualquer explicação adicional. Tanto ele quanto Naruto tinham essa compulsão sombria pelo perigo, de modo que eu via o brilho escaldante em seus olhares à promessa de uma boa luta. Às vezes isso me preocupava.

– Ei, você!

Desviei o olhar das costas de Sasuke-kun e franzi a testa. O garoto recobrara a consciência e agora me lançava um olhar hostil, sua mão fechada com força em torno do meu pulso, interrompendo o contanto entre meu chakra e o seu ferimento.

– Tire suas mãos de mim! – ele mandou, arreganhando os dentes. Apesar da sua confusa explosão, os olhos verdes emitiam um quase imperceptível brilho de pavor.

Não podia culpá-lo, pobrezinho. Ferido como estava, sua última lembrança sendo a de um golpe desferido contra si, para abrir os olhos e se deparar com um estranho.

Eu quase sorri diante da sua hostilidade. Quase, pois Sasuke-kun se moveu e tudo o que vi em minha frente a seguir foi o brilho metálico da Kusanagi.

– É melhor você se comportar – Sasuke-kun o olhava de cima, seu queixo proeminente visto daquele ângulo.

Tenho certeza de que sua intenção não era intimidar, apenas advertir, mas a frieza natural do seu olhar tornava sua expressão ameaçadora.

O jovem imediatamente soltou meu pulso e arregalou os olhos para a lâmina que tinha apontada diante do nariz. Parecia tão assustado, abandonando a pose ofensiva que assumira um segundo atrás, que cheguei a me condoer do medo que se apoderou do seu rosto.

– Ele vai se comportar – eu intervi, lançando um olhar benevolente para o garoto. – Não vai? – forcei, de modo sugestivo, para que ele cooperasse.

– Si-sim – Seus olhos claros ainda encaravam a Kusanagi, como se temesse perdê-la de vista.

– Sasuke-kun – eu pedi gentilmente.

Ele voltou seu olhar para mim durante um segundo, depois embainhou a espada e nos deu as costas novamente.

Fiquei olhando até que ele saltou sobre um edifício e desapareceu na noite.

Tornei a colocar minha mão sobre o ombro do garoto, atraindo a atenção dele para mim.

– Você vai ficar bem quietinho enquanto eu dou um jeito nesse machucado.

– Aquele sujeito é assustador – foi sua resposta.

– Sim, ele é – concordei. – Mas ele te trouxe até aqui.

– Tsc – fez o garoto. – Não sei o que isso significa.

Eu sorri.

– Significa que provavelmente salvou a sua vida.

Ele fechou a cara e desviou o olhar, como se a ideia de ter sido salvo o desagradasse.

– Qual é o seu nome? – Essa era só a primeira de muitas perguntas que eu tinha para ele.

Ele hesitou por um momento. Era óbvio que não confiava em mim, especialmente levando-se em conta sua abordagem inicial.

– Você não precisa ter medo de mim – garanti, percebendo que seu corte estava quase sarado.

Ele se ofendeu.

– Não tenho medo de garotas!

Apenas balancei a cabeça. Ah, o orgulho masculino.

– Meu nome é Yuzo – escutei dele algum tempo depois, num tom murmurado de má vontade.

Fitei seu rosto infantil, sabendo que se ele fosse um ninja, jamais poderia ser avaliado pela idade que tinha. No mundo shinobi éramos todos iguais – não havia homens ou mulheres ou crianças, apenas guerreiros. Sasuke-kun e Naruto eram tão jovens quanto este garoto na época em que lutaram contra Kaguya. Konoha era uma vila cheia de prodígios, crianças fortes e habilidosas que poderiam obter com facilidade o status de Jounin se lançassem mão de suas heranças genéticas. Sempre fomos ensinados que os mais velhos, em hipótese alguma, deveriam subestimar os mais jovens. Experiência era uma vantagem no campo de batalha, mas não uma garantia de vitória.

Quantos ninjas adultos o time 7 havia vencido no passado? Quantos deles haviam desdenhado da nossa juventude? E éramos apenas uma percentagem, olhando o panorama geral.

Mas aquele garoto – Yuzo, como dissera – não era ninja. Eu podia sentir, podia ver o quão frágil ele era. Apenas uma criança, era assim que eu o via naquele momento. Uma criança que, seja quais fossem as razões, havia saído da sua zona de proteção.

Quando terminei de curá-lo, calcei as luvas de volta e me levantei. A luz baça do luar caia sobre nós, fazendo projetar nossas sombras no chão escuro. Mais ao longe, o fogo alaranjado vinha se alastrando pela vila fantasma. Era quase possível ouvir o crepitar das chamas dali de onde estávamos.

– Muito bem, Yuzo – Eu estendi a mão para ele. – Você e eu vamos ter uma conversinha. E para começar – determinei, puxando-o para cima quando ele aceitou minha ajuda – você vai me dizer o que diabos está fazendo aqui.


N/A: olá, pessoas! Antes de mais nada, quem por ventura - ou desventura, no caso - estava acompanhando Dama de Mentira, peço desculpas pela falta de postagem. Talvez ela vá ser excluída e repostada futuramente, ainda não sei bem. Espero que me perdoem. Depois do Gaiden, eu simplesmente fiquei com esse comichão pra escrever alguma coisa SasuSaku no universo original, coisa que nunca fiz pra valer.

E sim, a fic foi batizada de Cisne Negro por causa do filme. O enredo em si não tem nada a ver, como puderam perceber aí pelo primeiro capítulo. É o conceito de dualidade que me instigou. A personagem do filme é assombrada pelo Cisne Negro, essa persona suplente que toma uma vida própria e age fora do controle consciente de Nina. Sakura sempre possuiu uma personalidade interior, sua inner. No mangá ela é a voz interior de Sakura, infantil e brigona e sincera de uma maneira que Sakura não podia ser, por razões óbvias. Sempre quis brincar com a inner, torná-la má e ver no que dava. Bem, e é isso. Espero que gostem! Até o próximo capítulo.