Era oito de novembro...
E eu levantava, me arrumava, ía para o meu trabalho, voltava, reclamava com meu vizinho, comia, e dormia. Não tinha amigos. Não tinha namorados.
Eu não tinha nada.
Uma.
Duas.
Três vezes, a lâmpada piscou antes de se apagar.
É, tinha sido assim desde que o inverno havia começado.
Havia alguém na minha sala. Alguém cujo eu não conseguia nunca enxergar, alguém que velava meu sono, alguém que tocava meus cabelos enquanto fingia dormir.
Esse alguém estava hoje, fora da minha casa, sentado observando a neve. Eu só enxergava uma sombra. Não era uma pessoa normal, pois ela congelaria com aquela nevasca.
Uma. - A pessoa se levantou.
Duas. - Ela desapareceu.
Três. - As luzes se acenderam e apagaram novamente.
A presença estava ali. Não era algo ameaçador. Eu o sentia ali a semanas, e nada de mal me aconteceu todo esse tempo. Ouvi um farfalhar de asas.
As luzes piscaram e se acenderam novamente.
Nesse pouco tempo, vi os cabelos negros esvoaçantes, olhos castanhos e asas negras.
Eu sabia quem ele era. Na verdade, eu até já desconfiava. Sim, Sasuke. Meu vizinho arrogante e insuportável.
-Eu não estive na sua casa ontem. – Ele respondeu indiferente, e não me dirigiu o olhar.
-Você tem irmão?
-Ele morreu.
Fiquei surpresa.
-
Mais tarde naquele dia, saí de casa e fui andando pelas árvores por perto. As árvores estavam eternamente sussurrando e chamando meu nome. 'Sakura, Sakura!´ - Elas chamavam. ´Venha até aqui. ´ Eu andava entre elas, e perguntava o que queriam, mas em resposta, só ouvia risos.
Deveria ser o vento.
Voltei para casa, e todas as luzes estavam acesas.
..e todas elas se apagaram ao mesmo tempo.
-Estava me esperando? – Eu sussurrei - Eu sei que está aqui.
O vento passou pelas brechas da janela.
-Eu menti. – A voz rouca dele sussurrou no meu ouvido, me causando arrepios. – Hoje mais cedo, eu menti para você.
-Eu já sabia.
-A semanas eu te observo. –Ele fez uma pausa – Percebo que vive numa triste rotina. Você só sai de casa por obrigação, praticamente não fala, não se diverte e não tem amigos.
-Eu tinha. – Respondi amarga.
-Aqueles que te traem não são seus amigos. – Sasuke rebateu. –A traição deles te fez perder pessoas importantes. A minha pergunta é: como consegue viver desse modo?
-Não consigo. Já morri á muito tempo. - Meus olhos arderam. – Só não acabo com tudo isso por falta de coragem.
-Te procurei e te vigiei todo esse tempo por que sua rotina era semelhante á minha. – Ele me fez encará-lo. – Também perdi pessoas importantes, Sakura.
-Seu irmão?
-Sim, ele. – Ele pôs meu rosto entre suas mãos quentes, me causando estranhas sensações. - Sakura, eu sou um demônio fadado a viver nesse mundo, por castigo. Eu matei diversas pessoas somente por ambição. – Sasuke pausou. - Mas ainda acho que eles me jogaram aqui por algum outro motivo.
Por alguma razão, não me surpreendi com as palavras dele. Por que eu não me importava com o fato dele ser um demônio? Talvez, todos os tipos de seres já tivessem passado subliminarmente na minha vida. E talvez, por isso, eu já estivesse acostumada.
-Não há um motivo melhor para um demônio ser posto para fora do seu mundo. – Eu o encarei com fúria. – Você não está aqui por outro motivo.
-Há sim. – Sasuke sorriu tristemente. – Ninguém merece ser infeliz para sempre, Sakura.
Essas palavras ecoaram na minha cabeça. Foram as mesmas palavras ditas por um outro alguém importante para mim.
-Eu quero te pedir ajuda. - Ele pegou minhas mãos e foi beijando meus dedos, um por um. – Ajude-me a ser feliz. Ajude-me a te fazer feliz. Ajude-me a quebrar nossa terrível rotina.
E então, ele me beijou lentamente.
Era oito de novembro...
A neve caía, as árvores sussurravam, e um novo amor nascia.
Ninguém merece ser infeliz para sempre.
Nem mesmo o ser mais pecador.
