Title: Frozen eyes

Author: Mery

Rating: PG-16/18

Warnings: Yaoi, cenas sexuais susceptíveis, linguagem imprópria

Genre: General/Romance

A/N: Tentei criar uma história um pouco original, embora baseada nalguns livros/mangas/animes/etc que já me passaram pela mão. Então, como a lista é muito vasta e já não me lembro de alguns elementos não vou estar a enumerá-los '


Aquela manhã parecia-lhe diferente, como se uma sombra espessa pairasse no ar e pudesse cair em cima dele em qualquer momento com toda a sua força. Diarmid conseguia sentir estas coisas, tinha um sentido mediúnico muito apurado e treinava todas as noites o seu subconsciente com o auxílio de um livro que tinha roubado da biblioteca municipal. Era apenas mais um livro em que ninguém tocava daquele poço de conhecimento, faria diferença trazê-lo para casa e dar-lhe utilidade?
Os olhos pareciam-lhe mais pesados do que o habitual e recusavam-se a abrir. Ah, lembrou-se da noite anterior, tinha desmaiado em frente da porta do quarto da mãe e empurrado a porta com o peso do seu corpo, fazendo estragar a noite de um dos seus raros clientes. Quando acordou, ainda tonto, teve de aguentar com a fúria do homem no seu corpo. Várias nódoas negras, um nariz a sangrar e um olho negro, para não falar dos músculos doridos e das costas massacradas. Shea não o tentou parar, ficou apenas na penumbra observando a cena, talvez rindo da fragilidade do próprio filho.
Tinha conseguido abrir os olhos, finalmente. A sua visão estava enevoada, mas conseguia ver uma réstia de luz das persianas a reflectir-se num espelho velho e ferrugento que tinha encontrado no lixo. Olhou-se a si próprio nele, um pequeno corpo enfiado por baixo de cobertores rasgados e sujos. Não tinha o colchão duro de antigamente, agora dormia no chão pois o colchão de Shea tinha-se estragado de tantas noites e ela precisava de um novo. O seu quarto agora limitava-se a uma cama no chão improvisada, um espelho velho pregado na parede e uma mala rasgada onde tinha as roupas que os clientes da mãe tinham esquecido em sua casa e que passavam a pertencer-lhe e alguns livros que tinha roubado, bem como uma escova de dentes que já tinha três anos e um pente sem alguns dentes.
Shea resmungava qualquer coisa da cozinha, e o barulho dos seus saltos agulha ecoaram pelo pequeníssimo corredor da casa. A porta do quarto de Diarmid abriu-se abruptamente e viu-se obrigado a semi-cerrar os olhos, pois tinha muita sensibilidade à luz.
- Eu disse-te para comprar leite magro, não leite meio-gordo seu inútil! -injuriou, atirando uma camisola verde com nódoas de líxivia à cara do seu filho.- Toma, o gajo que esteve aqui ontem esqueceu-se dela por causa de ti. Fica com ela, já a mergulhei na líxivia onde 'tão as outras roupas que lavaste ontem. É só secar e vestir.
Bran coçou a cabeça e atirou a camisola para cima da mala, onde batia o sol da manhã. Espreguiçou-se demoradamente e bocejou.
- Anda lá, mexe-te se não queres ficar o dia todo sem comer! 'Tou sem paciência hoje, fedelho, é bom que não me chateies muito! Tenho uma coisa para falar contigo lá na cozinha, despacha-te! -e assim como a abriu, Shea fechou a porta com um estrondo que fez vibrar o espelho da parede.
Era melhor apressar-se, então. Não convinha deixar a mãe à espera, visto que ela apenas esperava alguns segundos antes de lhe impôr algum castigo. A camisola verde encharcada de lixívia servia perfeitamente, as outras estavam todas a secar do lado de fora e ele não podia esperar que ficassem secas. A humidade no corpo provocou-lhe um arrepio na espinha, e enfiou-se por uns calções compridos pretos que lhe eram largos na cintura e que descaíam. A camisola encolhera na lixívia, e por isso mesmo estava moldada ao seu corpo e mostrava um pouco do umbigo.
Olhou-se mais uma vez no espelho, podia ser ingénuo e humilde, mas não deixava de ser um pouco narcisista. Comparava-se a uma tábua, esguia, magra e sem ombros. Receava que eles nunca se desenvolvessem, ele sempre fora muito franzino e nunca tivera músculos devido à vida sedentária que levava. Passou uma das suas mãos nos bícepes, e apenas uma fina camada de carne separava a pele do osso.
- A olhar-te, huh! -estremeceu e olhou rapidamente para a porta, onde uma das amigas da mãe olhava para ele com um sorriso torto.
- Não, estava a pôr a camisola direita. -desculpou-se, dando de ombros e enfiando as mãos nos bolsos, fazendo com que os calções caíssem mais e denuciassem uns boxers dobrados com a estampa de cerejas.
A amiga intensificou ainda mais o sorriso, e Diarmid podia jurar que vira ali uma réstia de perversão. Estava vestida provocantemente, assim como a sua mãe estava sempre. Corpete vermelho vivo que lhe aumentava e subia sensualmente os peitos e uma mini-saia preta justa sob umas meias de vidro que faziam reluzir as suas pernas cheias. Estava sempre com os lábios vermelhos e com uma sombra branca espalhada discretamente sobre as pálpebras que destoava com o castanho muito escuro dos seus olhos.
- Não há que ter mal nisso, fofo. -confortou, avançando pelo quarto para poisar a mão com as unhas compridas pintadas de preto sobre um dos ombros de Diarmid, os dois tinham exactamente a mesma altura.- Eu faço isso constantemente, e ainda para mais na tua idade. Estás-te a tornar um homem não é verdade! -emitiu uma risada estridente e colocou a mão livre à frente da boca para tossir.- Tenho de deixar de fumar.
Ele sentiu-se desconfortável com aquele toque nos ombros, ela estava a atirar-se a ele, não? Ele sempre pensara assim, quando se toca numa pessoa é porque se quer dormir com ela, era assim que acontecia com a sua mãe. Sentiu-se ruborizar e tentou atirar os cabelos loiros para a cara, tentando disfarçar o embaraço.
- DIARMID BRAN GILROY! -gritou a mãe da cozinha num apupo.
De novo ressoou no corredor os saltos agulha, e a porta semi-aberta foi empurrada com toda a força.
- Ah...Margareth... -desculpou-se Shea, com a voz visivelmente encabulada.- Já chegaste.
A sua amiga voltou-se e fitou-a com um sorriso afável, retirando a mão do ombro de Diarmid para sua felicidade.
- Não disseste que era para estar aqui às sete! -admirou-se Margareth, erguendo subtilmente uma sombracelha.
- Sim...Mas eu pensei que com os teus clientes e tudo só chegavas às sete e meia, oito horas. Mas espera um pouco na cozinha, ainda não expliquei ao fedelho. -disse, apontando com o braço a direcção que ela deveria tomar.
Margareth enviou um beijo no ar a Diarmid e este corou ainda mais. Quando ele e a mãe ficaram sozinhos no quarto, Shea avançou e fechou a porta atrás de si com um estrondo.
- Envergonhar-me em frente das minhas amigas, fedelho! -esbofeteou-lhe a cara com força e de seguida agarrou-lhe o pulso.- Queres piorar a minha vida ainda mais?
- Não fiz por mal Shea.
- Cala-te! -cortou, apertando-lhe mais o pulso e fazendo com que Diarmid gritasse de dor e mordesse um dos lábios.- Arruma as tuas coisas, vais-te embora.
- Vou-me...embora? -repetiu Diarmid, franzindo o sobrolho e tentando em vão libertar o pulso.
- Sim, vendi-te a uma família de ricos para trabalhares lá, deram-me muito dinheiro por um pirralho como tu. Pelo menos vou poder viver bem durante mais um tempo. -explicou rapidamente, puxando o seu filho pelo pulso, fazendo com que ele tropeçasse e caísse em cima da mala.- Agora DESPACHA-TE!
Diarmid levantou-se e foi massajando o pulso dorido enquanto se dirigia à janela para apanhar as roupas ainda molhadas. Eram poucas, mas iriam fazer-lhe jeito; três camisolas e umas calças compridas demais. Atirou as peças de roupa para a mala aberta sob o olhar avaliador de Shea, fechando-a de seguida com um dos pés nus.
- Óptimo! Finalmente conseguiste fazer alguma coisa bem-feita! -disse sarcasticamente a sua mãe, esboçando um sorriso falso.- Agora calça-te e põe-te daqui para fora!
Ele assentiu com a cabeça, pegando desajeitadamente na mala e dando uma última olhada ao quarto e ao espelho antes de fechar a porta. Parecia-lhe que o seu reflexo estava com uma sombra de felicidade estampada, não, Diarmid tinha a certeza de que não era ele no outro lado do espelho. Era antes um rapaz com traços mais adultos e com um brilho nos olhos surreal. Espera, vinha alguém das suas costas, estava a agitar a mão energeticamente, parecia uma rapariga, um vulto preto.
- Queres que te ponha na rua à pancada ó retardado? -gritou Shea, empurrando-o pelos ombros até ao corredor e batendo a porta com força.
Um rapaz normal teria chorado naquele momento, afinal, ele estava a ser comparado a um objecto. Mas a Diarmid não lhe ocorreu sequer o desejo de chorar, mas saberia que na outra casa esperaria uma vida pior que a que levava. Seria provavelmente mal-tratado, passaria o dia todo a trabalhar e à noite apenas teria um canto qualquer na casa para dormir, junto dos cães. Não haveria livros, não haveria biblioteca, não haveria as amigas da mãe. Estaria sozinho, numa mansão onde toda a gente o olhava como um escravo, embora ele já estivesse bastante acostumado.
- Levo-o agora Shea? -perguntou Margareth, que estava sentada num dos bancos da cozinha.
- Sim, não vejo a hora para não ver mais a cara dele.
Empurrou-o para a frente, e Diarmid parou estaticamente à frente de uma Margareth que se levantava e o abraçava gentilmente.
- Não sejas tão bruta com o rapazinho. Eu acho que não o deverias.
- Não deveria o quê Margareth! -interrompeu, pronunciando tónicamente a palavra "quê".- Eu não o quis, ele só me faz gastar dinheiro e estraga tudo, ele suja-me a casa. Vendi o fedelho, claro! Ganha ele e ganho eu.
- Tu amavas o Franz. Eu vi-te com ele muitas vezes, Shea, e como prostituta sei distinguir o que é do que o que não é. E passaste a odiá-lo quando ele te deixou na ilusão com um filho. Tu odeias o Bran porque amas o Franz.
Diarmid ouviu atentemente o que Margareth dizia, raramente falavam no seu pai. Não sabia como ele era, nem por fotografias.
- Não... -murmurou Shea, com os olhos marejados.- Eu nunca o pude amar, eu...Eu não posso amar. Ele não me amava também.
- Não podes, mas amaste. Ele era um óptimo homem, e deu-te o que precisavas. Tu precisavas.
- Eu sei o que precisava Margareth! E ele foi-se embora lá com a mulherzinha arrogante dele, ele voltou à Alemanha e deixou-me com esta vida, com um filho dele, com tudo dele aqui. -começou a chorar compulsivamente, e atirou os cabelos pretos encaracolados contra a cara.- Leva-o Margareth, por favor. Ele lembra-me demasiado o Franz.
Margareth pareceu por momento compreende-la, e sussurrou ao ouvido de Diarmid:
- Anda, vamos embora.
O rapaz assentiu, e saiu pela porta do apartamento coberta de frases que os vadios escreviam e que ameaçavam matá-lo. Nunca mais teria de suportar aquele odor a podre, nunca mais teria que ouvir de novo os tiroteios de noite e de ter medo de ser atingido pela janela, nunca mais teria de suportar a mãe. O carro velho de Margareth nunca lhe parecera tão cativante.

Consegues entrar sozinho? -perguntou Margaret, parando o carro em frente de um portão preto em estilo vitoriano.
Diarmid acenou levemente com a cabeça, olhando maravilhado para a mansão que se avistava ao fundo daquele imenso jardim, apenas um pequeno ponto no horizonte. Abriu a porta do carro inseguramente, voltando-se para trás e murmurando um agradecimento a Margareth. Provavelmente nunca mais a iria ver, desapareceria sem sequer lhe dizer que sentia algo por ela. Claro que não iria dar em nada, ele tinha 11 anos, ela 20, mas não controlava as emoções.
- Adeus. -encostou rapidamente os seus lábios aos dela e retirou-os o quão rápido conseguia, fechando a porta violentamente para esconder o embaraço.
Ficou estático na calçada da rua até ouvir o som do carro a afastar-se. Depois voltou a si e tocou com uma das mãos nos lábios, verificando se foi verdade o que aconteceu. "Eu consegui...Eu beijei-a.
Faltava-lhe a outra aventura, tocar à campainha da mansão e dizer que foi vendido para trabalhar ali, ultrapassando a sua fobia de falar para desconhecidos. Encheu o peito de ar e tocou no botão que se situava um pouco abaixo da sua cabeça. Curiosamente não ouviu qualquer som, talvez por a casa ser bastante distante.
- Mansão Creek, quem se encontra desse lado? -indagou uma voz masculina com interferências.
Diarmid respirou fundo antes de responder, sentia que a qualquer momento o coração lhe iria saltar do peito de tão rápido que batia.
- Diarmid Gilroy, fui...adquirido para trabalhar aqui. -pelo menos as tardes que passava a ler serviam-lhe nestes momentos em que carecia de palavras formais.
- Entre.
Dois homens fardados munidos de uma espingarda apareceram subitamente do outro lado, abrindo o grande portão com uma notável força de braços. Diarmid esgueirou-se timidamente pela abertura, não queria forçá-los a abrirem o portão todo. Os homens perceberam a sua generosidade e fecharam o portão de novo com um sorriso duro nos lábios.
Realmente, aquilo não se parecia com uma mansão, parecia-se com um palácio. Arriscava afirmar que os jardins tinham quilómetros, todos revestidos a relva verdejante com alguns canteiros de flores junto a um caminho de terra batida que iria provavelmente levá-lo até ao edíficio. Não estava habituado aquele aspecto rural, apenas conhecia os apartamentos e os graffitis do seu bairro, e de certo modo tudo aquilo lhe fascinava. Parecia que cada pequeno pormenor lhe ressaltava aos olhos mais do que a paisagem por inteiro. As borboletas passeando pelas flores, um bando de andorinhas construindo um ninho nas paredes de uma sala de chá, o suave barulho da rebentação do lago que se situava a alguns metros dali. E, ao fundo, estava o dito palácio, em tons cinzentos e bêges. Parecia-lhe pequeno dali, mas à medida que se aproximava tornava-se cada vez maior, e o brilho nos seus olhos aumentava ainda mais. Trabalharia no meio da riqueza, isso era uma honra para ele.
O caminho parecia interminável, como um caminho de nuvens que nos conduz até ao céu. E ele estava ali à frente dele, o palacete. Parou junto da porta de madeira e bateu na gárgula de pedra, esperando que alguém lhe abrisse a porta. Já estava mais confiante de si, mas ainda assim sentia um latejar perturbador no ventre.
O velho que lhe abriu a porta tinha um ar carrancudo, e olhou para Diarmid de alto a baixo antes de o deixar entrar.
- Desconfiei que uma pessoa da sua laia viria assim vestida. -disse, torcendo o nariz.- Tome, vista isto por cima do que tem vestido antes de se apresentar a Mr.Creek.
O mordomo indicou um monte de roupas que estava poisado em cima de uma cadeira com traços vitorianos, e Diarmid vestiu-as rapidamente. Quando olhou por momentos para o espelho da entrada, sentiu-se ridículo. A camisa tinha rendas nas mangas e um grande babado, e era de uma brancura cegante, as calças ficavam justas devido aos calções que trazia por baixo, e eram de veludo verde escuro.
- Mr.Creek aguarda-vos na biblioteca. -abriu uma das portas com uma vénia, mostrando uma grande sala coberta de livros e globos, onde numa mesa em mogno estava sentado um homem de cabelos escuros curtos.
Diarmid entrou timidamente, e o latejar na sua barriga aumentou quando o mordomo fechou a porta por trás de si.
- Senta-te. -começou Mr.Creek, indicando uma das cadeiras de veludo que tinha à sua frente.
O rapaz sentou-se desconfortavelmente numa e permaneceu com os olhos baixos. O clima era de tensão, mas de qualquer forma todos aqueles livros em sua volta lhe davam uma certa segurança, estava no seu sítio.
- Diarmid Bran Gilroy... -suspirou Mr.Creek, e o rapaz viu-se obrigado a fitar os seus olhos esverdeados.- A tua mãe disse-te porque estás aqui, não disse?
Acenou com a cabeça sem afastar o olhar. Tentava descobrir o seu estado de espírito através dos olhos, mas aquele homem tinha o olhar de tal forma distante que ninguém lhe conseguiria adivinhar os sentimentos. Mr.Creek apertou as mãos e recostou-se na cadeira, observando uma pilha de livros que estava num dos lados da mesa.
- Sabes ler e escrever? -perguntou, fitando de novo os olhos do rapaz.
- Sei. -murmurou, e o latejar aumentou cada vez mais.
Mr.Creek sorriu torcidamente e cruzou as pernas com relativa calma.
- Óptimo...Que mais sabes fazer?
- Desenhar...E lavar roupa. -respondeu, gaguejando entre as palavras. Sentiu um arrepio na espinha quando olhou de novo para o homem, e pressentiu que isso não era um bom augúrio.
- Não sabes fazer tanto como o que a tua mãe me disse. Mas haverá alguma coisa nesta casa para fazeres, não posso desperdiçar o meu dinheiro em coisas sem valor, não é verdade? -ironizou, levantando-se da cadeira e dando uma volta à mesa com as mãos atrás das costas.- És bastante alto para a tua idade, qual era mesmo? Doze anos?
- Não, faço-os daqui a dez dias.
- Ah, sim! Onze anos, a idade perfeita. -sorriu e passou as mãos pelos seus cabelos pretos oleosos.- Disseste que lavavas roupa? Hm...Óptimo! Amanhã podes começar a ajudar o Zach na lavandaria. Sabes, no início ele era como tu, um rapazinho pequeno que não sabia fazer nada, agora é um dos meus melhores serviçais. Sabe fazer de tudo e obedece-me, se lhe pedisse para roubar algo tenho a certeza de que ele me traria tudo. -Diarmid detectou por momentos um brilho sádico nos seus olhos, e pela primeira vez na vida ficou realmente assustado.- Digamos que o domei razoavelmente bem. Oh, porque estás a tremer tanto? Eu não te aleijo, pequeno.
Diarmid abraçou-se a si próprio, muitas imagens estavam a passar ao mesmo tempo na sua cabeça. A sua mãe batendo-lhe, berrando-lhe. Os miúdos do seu bairro a espancá-lo quase até à morte, gritando-lhe injúrias. Os clientes da mãe a olhá-lo de alto a baixo, rindo da sua cara. Mas nenhuma das situação lhe pareceu tão perturbadora como a que estava a viver, não conhecia aquele homem, mas algo lhe dizia que a sua chegada aquela casa fora o pior erro da sua vida. Poderia ter fugido quando Margareth o deixou à porta da mansão, arranjaria uma maneira de sobreviver como sempre. Mas não, a riqueza daquela paisagem enfeitiçou-o e trouxe-o até aquela sala, até aquele homem. A sua cabeça começou a latejar cada vez mais e as estantes de livros começaram a ficar cada vez mais desfocadas. Iria desmaiar, como sempre. Não, não podia, não sabia o que aquele homem lhe poderia fazer enquanto estava incapacitado. E se ele o violasse, tinha atrevimento para tal. Espremeu os olhos, talvez assim voltasse a ver as coisas com clareza. De nada serviria, ele sentia-se fraco, muito fraco, como um cão vadio que vagueia pelas ruas na busca interminável de comida. Já não podia fazer nada, o corvo tapara-lhe os olhos com as suas asas negras e imobilizou-lhe os sentidos.