Neologism
Nico ouvira falar de amor diversas vezes durante sua vida. Não de todas as formas de amor. Daquelas que todo mundo fala a respeito, como se fosse material liberado para todos experimentarem. Amor de amigo, amor de irmão, amor de marido e mulher, amor de mãe, amor de tudo.
Foi de tanto ouvir falar daquilo, enquanto sozinho jogava com suas cartas de Mythomagic, procurando novas formas do mesmo sentimento, que Nico considerou seus sentimentos por Percy como uma das tais variações.
Aconteceu rápido como o bater do coração de um beija-flor. Foi num mero segundo em que ergueu os olhos e depois os baixou, dirigindo-se às cartas mais uma vez.
Naquele piscar de olhos vira Percy sorrindo.
A imagem ficou se repetindo em sua mente num loop ininterrupto, incansável, multicolorido e palpitante em cores quentes. Tentou inúmeras vezes repetir a experiência, encarar Percy por longos períodos de tempo, em outros ângulos, em outras luzes, porém foi aquela imagem primeira que ficou gravada em sua memória como uma cicatriz, uma ferida que não se fecha, que dói por ser constante, mas que não fere a ponto de ser ruim. Que não chega nem a ser ferida.
Num lugar remoto de sua alma, desejou em várias situações que Percy fosse capaz de gravar na própria mente uma imagem sua, também. Que desse àquela imagem um nome. Quis não sentir aquilo sozinho, petrificado num espaço do tempo que parecia ter sido reservado ao seu coração preenchido por ilusões infantis - e pelo sorriso de alguém que jamais seria seu.
Quando sozinho, tomado por uma redundante necessidade de estar com ele, Nico procurava em suas cartas alguma resposta impossível de se encontrar. Perguntava a elas - e a si mesmo - qual o sentido de dar o nome "Amor" ao que sentia, quando Amor parecia ser nome de tantas outras sensações tão díspares, dadas a várias pessoas por outras várias pessoas, tão comum e repetido a ponto de parecer banal, sem graça, ao alcance de qualquer um.
Começou a criar milhões de neologismos para nomear o inominável.
Indefinismo, endoidamento, exagerice, amolecência, juvenilouquice, paixonitismo, bobagice.
Não compreendia a grandeza do que sentia, mas conhecia o poder exercido por tais sensações toda vez que fechava os olhos e, ao invés da habitual escuridão pigmentada de pequenos pontos luminosos, via o sorriso dele se repetindo.
Migalhas de atenção se transformavam em memórias eternizadas. Um contato físico acidental ganhava significados codificados por seu espírito. Tudo ao lado de Percy parecia fantástico, verdadeiro e espetacular.
E único, como os neologismos que inventava.
Chamaria assim, de qualquer coisa que não fosse amor.
Nico compreendia que amar Percy seria crueldade consigo mesmo, uma vez que aquele sorriso tão bem guardado em seu coração, Percy dera a outra pessoa de presente e, para Nico, sobrara apenas a lembrança perfeita e cruel do afeto dedicado a qualquer ser que não era ele. Então jamais chamaria de amor.
Chamaria de qualquercoisa.
Nico qualquercoisava Percy, decidiu.
Qualquercoisava demais.
N/A: Eu quis transformar "qualquer coisa" em algo mais profundo que o amor, já que a palavra está sendo mais utilizada do que por favor e obrigado, hoje em dia. Sei lá. Saiu isso.
