Retratação: A obra a seguir trata-se de uma fanfiction inspirada na série de animação japonesa Saint Seiya, com fins exclusivos de entretenimento, sem lucro algum de minha parte. A série e todos os seus personagens aqui citados são de propriedade de Masami Kurumada.
Observação: Esta fic está relacionada á outras três de minhas fanfics, "Eu Irei Até Você", "Lírios" e "Sobre Dor, Amor e Amizade". Eu não acho que a leitura de todas seja realmente necessária para a compreensão desta, mas foi a opinião de uma das minhas beta readers. Se estiver com paciência, leia estas antes desta.
Observação 2: Os trechos em itálico destacarão sempre sonhos, delírios ou flashbacks. Não confundir com o tempo real da fic, doozoo!!!
o.O.o
Aqueles tempos eram, na melhor definição do sentido, estranhos.
Em outros tempos ele tinha o ódio de quase todos ali, e só não se sentia vazio pela certeza adquirida, numa noite chuvosa e não menos estranha, de que não estava sozinho.
Agora, toda a vez que o vento soprava com mais força, ao cair da tarde, só o fazia lembrar o quanto seu também não menos estranho lar estava vazio. E de alguma forma estranha, ele se sentia vazio também, tão vazio quanto as Casas de Gêmeos, Câncer, Capricórnio, Aquário e Peixes. A Casa de Libra havia sido desde sempre a lacuna vazia no meio de um objeto a fim de dar-lhe equilíbrio, e a Casa de Sagitário... Bem, essa nunca esteve vazia, mesmo que só ele soubesse.
Ele tinha algum vínculo com o lugar, algo além das lembranças e dos vínculos de sangue – era algo espiritual -, algo que ele chegava a ousar imaginar que poucos dentre os Santos de Atena, mesmo os Santos Dourados, tivessem. Talvez Shaka, no máximo, mas ainda assim, ele nunca havia se preocupado em confirmar tal fato, ou mesmo saber o que havia acontecido naquela noite, na saída do cinema, uns bons anos atrás.
Até aquele dia na Casa de Aquário...
o.O.o
-Eu não sei pra quê tanto detalhismo... – Aiolia falou, num muxoxo de reclamação. – Não bastava só contar quantos livros são?
Aldebaran o encarou de cenho franzido, mas expressão longe do irritadiço, estando mais pra pena do que pra qualquer outra coisa.
-Somos poucos dos que sobraram, e os bens dos falecidos precisam ser inventariados... Não só em quantidades, mas em valor. – terminou, dando ênfase ao "valor", especialmente por segurar um raro volume de A Odisséia, de Homero, em mãos. Que sozinho deveria custar umas boas centenas de euros, se não milhares. – Alguém tem de fazer esse trabalho...
Aiolia suspirou.
-Foi tão mais fácil na Casa de Câncer... – disse, num tom brincalhão, descendo mais cinco livros da estante.
-E muito mais nojento... – Aldebaran torceu o nariz em desgosto e riu.
-Mas pelo menos tinha menos coisas... Aqui, é livro e cd, e disco de vinil que não termina nunca!
-Ainda não chegamos na Casa de Peixes... Só de maqui...
O brasileiro não pode terminar a frase. Como numa cena de cinema, em câmera lenta, ele viu Aiolia tombar do alto da escada, com as pernas fraquejando, as mãos inutilmente tentando se agarrar ás bordas da prateleira, e que sem conseguir apenas a trouxeram junto: estante inteira, livros caindo desfolhados por toda a parte, e Aiolia por fim, tocando o chão já inconsciente, sendo coberto pelos tomos e só não pela estante, porque Aldebaran fora rápido em ampara-la e recoloca-la em seu lugar.
-Leão? Aiolia? – disse, ao sacudi-lo, espantosamente gentil para o tamanho daquelas mãos, após tê-lo acolhido junto de si.
Aiolia abriu os olhos. Sentiu no ar um cheiro estranho, que não estava ali antes, isso e um gosto ruim e velho entranhado na boca.
-Uhn...? – ele balbuciou qualquer coisa sem sentido, qualquer coisa que tentou parecer uma frase.
-Aiolia! – Aldebaran tentou de novo, cenho franzido pela milésima vez, tentando decifrar o que é que ele tinha dito. – Aiolia, está me ouvindo?
E tão de repente quanto havia caído, o ruivo se levantou, levando uma das mãos ao rosto e sacudindo a cabeça com força, vislumbrando pasmo o ambiente perfeitamente ordenado que Camus havia deixado, transformado no mais perfeito quadro do caos.
-Que merda foi que aconteceu...? – questionou em voz baixa e espantada.
-Você caiu da escada... – apontou o objeto metálico, agora jazendo de viés no meio da sala. – Não se lembra?
Encarou o gigante índio de olhos arregalados, o espanto infantil de uma criança que descobrisse que o fogo queima estampado nas íris verde-escuras. Só chacoalhou a cabeça de um lado pro outro, em negativa, tateando sem olhar um livro com capa de couro que jazia sobre seu colo. Acabou estremecendo violentamente, como se um jato de água gelada lhe percorresse a espinha.
Aldebaran, assustado, já ia discursar sobre leva-lo ao médico e ver se estava tudo bem com ele, mas Aiolia de pronto se ergueu sobre as plantas dos pés, estendendo uma mão em direção ao taurino como exigência de que se calasse.
-Alde, eu estou bem, sério... – e começou a recolher os livros espalhados, verificando com cuidado qualquer dano.
-Não senhor! – bradou o mestiço, tirando os livros dos braços de Aiolia na marra. – Você teve um desmaio, e isso não pode ser bom, indo ao médico ou não, vá pra casa!
O tom de autoridade paternal provindo dele só se tornava ainda mais intimidante pela voz potente, e pelo porte de seu dono. Mas nem diante disso o leonino se rendeu, aliás, fez o contrário: empinou o nariz e o encarou com uma expressão plena de fria indiferença. Uma expressão bem pouco comum em Aiolia, por sinal.
-Há um trabalho que precisa ser terminado, meu amigo brasileiro... – era impressão ou ele impostava a voz de uma maneira diferente? – E eu quero ter certeza de que essas coisas estarão seguras...
O Santo de Touro já não entendeu mais nada. Primeiro fizera birra pra vir ajudar, agora fazia questão de terminar o serviço?
-E porque é tão importante pra você agora? – perguntou Aldebaran, seriíssimo, sobrancelha erguida, cosmo e intuição pressentindo que havia algo de errado ali, especialmente no modo como ele segurava o pequeno caderno de couro marrom, cadeado na lateral.
-Você gostaria de ter as recordações de toda uma vida possivelmente jogadas no lixo, meu caro?
-Aiolia... – o coração do brasileiro se remexeu desconfortável no peito, e ele se aproximou, postando-lhe uma mão em seu ombro. – Do que você está falando?
-Eu... – os olhos do grego reviraram nas órbitas, e com um gemido de sofrimento ele dobrou os joelhos e caiu desacordado novamente, não havendo mais nada que conseguisse despertá-lo.
E Aldebaran notou, só não menos intrigado pela preocupação, que mesmo ao cair, ele ainda segurava o caderno marrom.
o.O.o
O corpo inteiro doía. As lembranças entorpecidas sequer o deixavam se lembrar do como e do porque de ter ido parar ali.
Tentara levantar-se, mas a cabeça zunira em protesto. Tudo o que ele conseguia discernir com a visão borrada era uma poça disforme de vômito, logo a seu lado, e, diante daquela cena indigna, preferiu estar morto a ser encontrado naquele estado por alguém, especialmente, um certo alguém.
Mas pelo inferno, o som daqueles passos sempre fora inconfundível...
Aiolia deu um pulo na cama. Não encontrou ninguém no quarto, nem nenhuma poça de vômito ao seu lado. Graças a Zeus.
Estava em seu quarto, são e salvo, ao que parecia. Mas a Casa não estava vazia. A imagem de Mu, ainda surreal ante seus olhos, pela falta de convivência, despontou porta à dentro, posteriormente ao seu despertar, possivelmente pelo estado de alerta no qual seu cosmo se acendera.
-Espero que me perdoe por ter entrado sem convite... – o silfo de cabelos róseos sorriu humildemente. – Aldebaran teve de sair, e me pediu pra ficar com você, até que acordasse.
-Por quanto tempo eu apaguei? – Aiolia quis saber, encarando Mu de maneira incisiva.
-Só algumas horas. O suficiente pra nos deixar bastante alarmados, porém...
-E eu nem sei qual foi o inferno que me deu... – o grego levou uma mão á fronte, massageando a testa.
-Desmaios súbitos assim não são um bom sinal... - Mu proferiu, em voz baixa.
Aiolia o encarou, de esguelha, pra depois soltar um "humpf" de desaprovação.
-Não me venha você também com essa história de médico...
-Você é adulto pra tomar suas próprias decisões. – o lemuriano afirmou tranqüilo, balançando a cabeça em negativa lentamente. – Mas se isso se repetir, eu não discordo de Aldebaran no que se refere a isso... Seria uma atitude sábia procurar um especialista, não acha?
-Não vai se repetir... – e deu de ombros.
"Seria ótimo você ter certeza disso, não seria?", pensou Mu, enxergando a insegurança evidente por detrás dos olhos dele. – Bem, você precisa de alguma coisa?
-Já estou bem o bastante pra ir pegar, obrigado... – disse, levantando-se devagar da cama, atordoado por uma forte dor de cabeça, que óbvio, não seria mencionada.
-Então eu me vou... – os olhos verdes de gato se cerraram, baixos, fazendo as vezes de despedida. – Só te aconselho a fechar as janelas, está entrando uma corrente de ar tão fria, aqui...
O ruivo assentiu e Mu, tão repentinamente quanto havia surgido se foi, com um meio sorriso respeitoso ao Cavaleiro de Leão. Lutando contra o peso na cabeça ele se pôs de pé, caminhando em passos vacilantes até a janela; Mas porque fecha-la? Ele não estava sentindo frio nenhum...
o.O.o
Depois de ter telefonado á um conhecido médico e relatado o acontecimento, ele simplesmente retornou ás Doze Casas.
O correto seria dar continuidade ao inventário – e ele tinha uma certa urgência – mas depois de tudo aquilo, não era capaz de encontrar ânimos para tal. Melhor era confirmar se Aiolia estava bem e se retirar pelo restinho de dia que ainda tinha em mãos. Ler um pouco não faria mal, por mais que os livros de Camus lhe apetecessem muito mais o interesse que os de sua própria biblioteca.
É, continuaria o inventário sozinho, foi o que ele pensou, enquanto um sorriso maroto se desenhava de orelha á orelha, mansamente. "Nobre companheiro falecido, eu espero que você não se importe...", continuou, nas próprias divagações. "Mas partilhar a cultura é o dever de todo o bom cristão!", e riu-se baixo, só pra si, se dando conta do fato de que, em suma, eles todos eram neopagãos.
o.O.o
Livros. Livros por toda a parte, espalhados, jogados, desfolhados.
Milo deparou-se com aquele cenário e de pronto soltou uma exclamação de pânico.
Que diabo de inferno tinham feito com a Casa de Camus?!
A situação apenas ficou mais confusa quando ele viu Aiolia ali, arrumando os livros – e não simplesmente os colocando na prateleira: eles eram separados por tamanho e, possivelmente, por autor...
Parecia tonto, trôpego, e isso lhe causou um desconforto imensamente estranho.
-Seu gato vira-latas pulguento de merda! – exclamou o xingamento infantil num tom sério e nervoso de adulto. – Foi você quem aprontou essa bagunça?
Caminhou alguns passos até ele, que estava abaixado junto da estante. E só nisso pareceu perceber sua presença ali.
-Você tem uma coleção de coturnos guardada ou usa sempre o mesmo par?
O loiro arregalou os olhos, instintivamente olhando pras próprias botas, reação quebrada ao meio pela pergunta inesperada.
-Sério... É muito bem cuidado pra ser um par só...
O escorpiano recuou alguns passos, respirando fundo, lutando pra reganhar a coragem, um frio incomodo alojado no estômago.
-MAS QUE MERDA DE BRINCADEIRA DE MAU GOSTO É ESSA??!! – rosnou entre dentes, os brios de animal orgulhoso, agora acuado, aflorando.
Aiolia parecia ignorar completamente o fato de Milo estar tremendo violentamente, á beira das lágrimas e do estado de choque, e mantinha firmeza pungente no olhar transbordante de indiferença. Ignorava inclusive o efeito que causara nele, o medo incompreensível que despertara na psique de caráter frágil, não tendo olhos para os dedos de sua mão direita que se curvavam em posição de garra, se erguendo devagar, e da unha do indicador que sobrenaturalmente aumentava de tamanho, tomando a forma de um ferrão tinto de sangue.
-AGULHA ESCARLAT- -!?
O hercúleo punho de aço se cerrou em torno do pulso de Milo, partindo novamente em socorro de Aiolia.
O Santo de Escorpião respirava duramente, o peito arfava no mesmo ritmo do coração em descontrole, as lágrimas caindo dos olhos azuis feito as águas de uma cascata. Não lutou pra escapar da contenção, e tampouco havia ódio no olhar fixo que mantinha na direção de Aiolia.
Se aquilo não fosse simplesmente pavor, pânico irracional, talvez fosse a hora de se aposentar do cargo de Cavaleiro de Touro...
Sabendo plenamente que não adiantaria argumentar com Milo, e que Aiolia ainda deveria estar com seqüelas do ataque recente, Aldebaran simplesmente empurrou o loiro contra o sofá mais próximo, obrigando-o a se sentar.
-Acalme-se... – disse, olhos fixos de maneira assustadora nos dele. – Eu quero saber direitinho o que aconteceu, depois.
Aiolia já tinha abandonado o olhar fixo em Milo, mas não a indiferença que carregava na face; possivelmente retomara a tarefa de por ordem nos livros, na estante, cada um em seu devido lugar, como se jamais tivessem caído.
-Leão... – o segurou pelos dois ombros, sacudindo-o com vigor. – Acorde...
Pediu, sem assombro ao dizer tal coisa. Depois de deixa-lo inconsciente na cama, após tê-lo visto perder os sentidos subitamente, duas vezes num intervalo bastante curto, o mais fácil era acreditar que houvesse sido acometido por alguma espécie de sonambulismo, mista com a obsessão pelos pertences de Camus...
Embora tal coisa fosse deveras absurda.
O ruivo precisou de pelo menos três sacudidelas fortes pra finalmente "despertar", gemendo de dor, uma das mãos indo de encontro á testa com força, mas, ao contrário da ultima vez, não desfaleceu.
-Minha cabeça dói... – murmurou o Leão, olhos cerrados com força pela forte vertigem que sentia.
-Eu imagino... – disse, em voz confortadora, o puxando devagar pra longe da estante de livros. – Hoje, terminantemente, você não deveria ter saído da cama...
Aldebaran o tirou dali, não sem antes soltar um suspiro de cansaço, ao cruzar o olhar com o de Milo, transformado no olhar vidrado e catatônico de um comatoso.
o.O.o
Capítulo concluído em: 20 de Setembro de 2007.
Eu queria ter escrito mais, BEM MAIS capítulos dessa fic antes de postar um capitulo novo, mas como sempre, eu acabo não resistindo... Atualmente, já estou com o capitulo dois quase saindo, e o três na cabeça...
Dessa vez não vou contar como foi que tive a idéia dessa fic, como quase sempre faço. Essa fic, aliás, nem uma música tema tem, ao contrário de quase todas as outras TAMBÉM.
É que se eu contar qualquer coisa perde a graça! E o maior lance dessa fic é os mistérios dela, e – modéstia á pqp! -, essa foi uma das melhores idéias que eu já tive.
Agradecimentos especiais á Enfermeira-chan, sem a qual minha cabeça não teria começado a criar caraminholas (xD), à Tanko pela betagem, à insanebluecat por ter solucionado minhas dúvidas de dinâmica autor/leitor, ao Setzer, que nem gosta de yaoi, mas leu mesmo assim, e á minha querida Deneb Rhode, que me fez sentir uma filha da puta de tão feliz por ter lido a fic!
Quanto á vocês, demais leitores, me cobrem até a última gota do meu sangue pra chegar ao final dessa fic. Sim, eu deixo, eu quero MESMO completá-la!
Sabem como se faz isso? Ta vendo o botãozinho roxo ali? Ele faz as fics serem continuadas! Milagrosamente! É só você ler a fic, apertar ele, e dizer o que achou! XD
Beijos galera, até o próximo capitulo!
Dark Lupina
