Nos encontramos de novo! Estou particularmente animada em continuar essa história iniciada em Wish I Had An Angel. Essa fanfic só me trouxe alegrias, espero que a segunda parte agrade aos leitores (as) que acompanhavam Wish. Novos também são muito bem vindos. Os leitores novos, aviso que podem ficar um pouco perdidos se não lerem a primeira parte - Wish I Had An Angel.
Decidi começar a segunda parte não continuando propriamente os acontecimentos do último capítulo de Wish. Angels Fall First possui um começo distinto, porém os fatos deste começo serão importantes para a trama. Devem lembrar que Ariel está novamente desmemoriada por obra e crueldade do arcanjo Miguel, grande mentor do Apocalipse que tanto tira o sono do grande mestre Saga. Na fanfic que começa, a frase que melhor define é 'retorno ao passado'. Ariel vai finalmente descobrir porque caiu, porque Miguel começou o Apocalipse e porque ama tanto o Saga. Além de outras coisas, é claro.
O começo vai parecer estranho, mas vocês confiam em mim? Se a resposta é sim, convido a continuar lendo.
Um beijo desta ficwriter viciada em Saint Seiya e anjos. Boa leitura! (Luna)
Disclaimer: Angels Fall First escrita por Luna Del Rey é uma fanfic sem fins lucrativos. Saint Seiya, assim como os personagens da série, pertence ao Masami Kurumada (mestre) e empresas associadas. Esta fanfic possui personagens originais.
Angels Fall First
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Sinopse: "Esquecer Saga foi o pior castigo que poderia ter recebido, pior até do que perder meu dom de Revelação e acordar paralisada numa cama. Mas isso não impediu de me apaixonar por ele assim que nossos olhares se cruzaram. Agora minha única alternativa é buscar a verdade sobre o meu passado e descobrir porque meu amor pelo grande mestre do Santuário de Athena sobreviveu a tudo e a todos, até mesmo à fúria dos céus." (segunda parte de Wish I Had An Angel)
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CAPÍTULO I – Página Em Branco
***S
Ariel não me reconhecia, não tinha a mais vaga ideia de quem eu era. Olhava-me como se eu fosse um completo estranho. Minha surpresa fora incalculável. Seus olhos assustados percorreram a sala, para então se fixarem no meu rosto. Cheguei mais perto, suplicando aos deuses para ela se lembrar de mim. Tentei tocar seu rosto mais vez, mas desisti quando o medo do seu olhar se transformou em pavor. Coloquei-me no lugar dela. Como reagiria se fosse tocada por um desconhecido? Eu estava fazendo tudo errado. Minhas emoções não estavam ajudando em nada.
Procurei manter a calma.
- Ariel, tente se lembrar. – pedi. – Faça um esforço.
Seu rosto se contorceu mais uma vez, demonstrando um profundo incômodo.
- Não sei quem você é. Não sei. – sua voz saiu estremecida. – Não consigo me lembrar. O que aconteceu comigo? Porque não consigo me mexer?!
Ela ficou em pânico. Só nesse momento percebi que ela estava paralisada. Braços e pernas, apenas seu pescoço se movia. A serva Kaliope nos fitava com olhos arregalados. Toquei os pés da Ariel delicadamente e fitei seu rosto para detectar se ela mostrava alguma sensibilidade. Lembrava-me que ela conseguia sentir apenas os meus toques, jamais os das outras pessoas. Observando bem o seu rosto, dei um pequeno beliscão em seu pé, depois outro. Em nenhum momento Ariel pareceu sentir o contato.
Meu coração acelerou.
Puxei meus cabelos para trás. Pelos deuses do Olimpo! Ela estava realmente paralisada e mais uma vez desmemoriada. Não lembrava quem era, nem o que havia acontecido, não lembrava de mim. Minha mente deu tantas voltas em torno dessa conclusão que achei que a taquicardia jamais passaria. Paralisada, completamente insensível, sem memória alguma... Mas o que havia acontecido para deixá-la naquele estado? Quem ou o que havia feito aquilo?
Ouvi quando começou a chorar.
- Por favor me diga o que está acontecendo... Por que não consigo me mover nem me lembrar de nada? Por que a minha mente é uma página em branco?
Respirei profundamente reunindo todas as minhas forças para enfrentar aquela terrível situação. Encostada a parede do quarto, a jovem Kaliope soluçava apertando as mãos contra o peito. Pedi que nos deixasse a sós. A menina lançou um olhar de piedade para Ariel e saiu do quarto. Voltei a me aproximar da Ariel. Encarar sua expressão de estranhamento e seu corpo marcado era muito difícil para mim. Causava-me um terrível sentimento de impotência. Eu não sabia nem por onde começar a ajudá-la.
Eu precisava contar toda a verdade. Fitei seu rosto molhado de lágrimas sentindo pena de mim mesmo. Vi minha coragem esvanecer. Se eu contasse que ela era um anjo caído, uma criatura de origem desconhecida, que despencou do céu a mais de três meses e tudo o mais que havia acontecido seria demais naquele momento. Ela estava muito frágil e confusa. Precisava de tempo.
Decidi contar só parte da verdade:
- Meu nome é Saga. Sou o grande mestre do Santuário de Athena. Somos uma confraria de guerreiros que protege a Terra. Não se preocupe, você está segura aqui. Está entre amigos. – falei o mais claro e controlado possível. – Você foi atacada há alguns dias e está sofrendo as consequências desse ataque. Não sabemos o que atacou você. – cobri sua mão com a minha lentamente. – Eu repito, você está segura. Estou aqui para te ajudar. Fui eu quem te trouxe para cá e cuidei dos seus ferimentos. Não vou permitir que nada de ruim te aconteça. Prometo fazer de tudo para te ajudar a recuperar os seus movimentos e a sua memória.
Ela não disse nada, apenas ficou me olhando com aquele ar confuso. Seus longos cílios piscavam a cada frase minha.
- Você entendeu?
- Eu acho que sim.
- Está sentindo alguma dor? – perguntei já imaginando a resposta.
- Nada. Não sinto nada. Isso é o mais estranho. Não consigo entender coisa alguma a minha volta. – ela me olhou nos olhos novamente sem se dar conta de quem eu era, ou do que significava para ela. Céus, como isso dói. Ariel havia esquecido também que me amava. Tentei segurar a lágrima que se formou em meu olho direito, mas foi em vão. – Meu estado é tão ruim assim, por isso está chorando, grande mestre?
- Não. – pisquei com força. – Na verdade, precisamos te examinar com mais cuidado, agora que despertou, para ter alguma ideia do que está te afetando. Estávamos esperando você despertar. Estou chorando por que... – minha voz ficou embargada. – Você é muito importante para mim, me dói muito te ver nessa situação.
Ousei fazer um carinho em seu braço arranhado. Ariel observou a carícia com um olhar inicialmente assustado. Fitou o meu rosto, então notei que aos poucos ela ficara mais calma. Aceitou o meu toque mesmo sem senti-lo. Ela parecia estar mais calma, já eu... Eu queria dar um berro.
- Eu vejo que sim. – ela fez uma pausa. – Eu queria lembrar de você. Queria sentir a sua mão. Queria muito.
Pus a mão em sua testa e detectei febre. Em questão de segundos as cores sumiram do rosto da Ariel.
- Tenha calma, acabou de despertar depois de vários dias dormindo. – falei acariciando de leve sua testa. – Você está com febre. Vou chamar um médico para ver você agora. Eu não demoro.
Com o peito desabando de angustia sai do quarto. Relaxei os ombros de costas para a porta fechada. Eu não tinha a menor ideia do que fazer, mas precisava pensar em alguma coisa, qualquer coisa, em meio todo o choque. Olhei para a serva Kaliope chorando num banco no corredor e tive uma ideia. Ariel não podia ficar sozinha. E quem sabe suas memórias voltassem estando perto da amiga?
- Fique com ela no quarto, Kaliope. Não saia de lá até eu voltar. – falei para a menina. – Ariel não pode ficar sozinha. Não fale nada sobre o que aconteceu, procure apenas acalmá-la, você entendeu?
- Sim, grande mestre.
A menina correu para o quarto imediatamente. Marchei pelo corredor e rapidamente formulei um plano. Liguei para meu auxiliar na fundação e pedi que me conseguisse o melhor neurologista do mundo para ontem e que ele podia dar adeus ao emprego dele se esse profissional não estivesse na minha frente bem antes do fim do dia.
***A
Sozinha eu só conseguia sentir pavor. Eu queria apenas levantar daquela cama e sair daquele lugar, mas mal conseguia mover meu pescoço agora. Achei que o desespero estava me deixando mais fraca. Fechei os olhos, e comecei a organizar meus pensamentos. Aparentemente minhas faculdades mentais e conhecimentos estavam intactos, eu apenas não sabia quem eu era, quem eram aquelas pessoas que estavam comigo, onde eu estava nem como havia ido parar ali.
O belo homem disse que eu estava segura. Seu nome era Saga. Ah, e ele não era belo, era lindo. Uma emoção estranha e contagiante me invadiu quando fitei seus olhos acinzentados. Por alguma razão a imagem de um dia chuvoso se formou na minha frente. Saga, grande mestre Saga. Repeti mentalmente várias vezes para guardar aquele nome.
Ele também disse que eu era muito importante para ele e que iria me ajudar. Essa parte era reconfortante de lembrar. Eu queria muito confiar nele. Contemplei o teto branco do quarto. Porque ele me deixou sozinha?
De repente minha visão ficou turva. Só depois de alguns segundos me dei conta que estava chorando. Manchas em meu vestido me indicaram que estava suando. E a fraqueza aumentava cada vez mais.
Miguel. Miguel era o culpado de tudo, mas quem era Miguel? Eu não fazia ideia de como aquele nome havia emergido da minha mente, nem do que ele era culpado. O mais estranho era que ele me causava a mesma reação que o nome de Saga, que eu devia guardar aquele nome muito bem, que de alguma forma, era boa coisa lembrar dele. Saga e Miguel. Minhas únicas referências?
Provavelmente havia outros nomes a desencavar, mas quais? Como fazer isso? Fechei os olhos tentando me concentrar. Tempos depois o terceiro nome não surgiu. Nem nomes nem coisa alguma. Minha mente era uma infinita página em branco. Comecei a ficar angustiada, depois desesperada. Agora fazia força para lembrar o meu próprio nome, o nome pelo qual o dono dos belos olhos cinza me chamou mais de uma vez, e a página em branco só crescia.
A sensação era de abrir os olhos pela primeira vez na vida e se deparar com o inferno. Eu sentia que acordava de vários pesadelos seguidos. Tudo o que mais queria era fugir, correr para o mais longe possível daquele quarto. Porém era impossível estando paralisada do pescoço para baixo.
Sem pânico Ariel! Tente lembrar alguma coisa, tipo o que fez isso com você... Página em branco. Página em branco. Página em branco. Perdi-me completamente na página em branco. Meu nome é...
- Ariel? – olhei na direção da porta e me deparei com uma jovem vestida de branco. Havia flores em seus cabelos dourados. O rosto cheio de sardas combinava com os grandes olhos azuis inocentes que piscavam sem parar. Os cílios estavam úmidos, ela havia chorado. Ela me olhava como se me conhecesse muito bem. Ela estava no quarto quando acordei, mas não lembrava seu nome, embora tivesse a sensação de saber. – O médico logo virá, não precisa se preocupar. – ela disse com um tom de voz meio nervoso, mas amigável, como se falasse com uma amiga querida.
A jovem loira parou ao lado da cama piscando e fitando o meu rosto. Olhar para ela me trouxe uma inesperada calma. A grande página em branco havia sumido por causa da presença dela.
- Quem é você?
- Sou a Kaliope. Somos amigas... – ela fez uma pausa e afagou os meus cabelos. – Você consegue lembrar de mim? Consegue lembrar que salvou a minha vida... – cobriu a boca com a mão – Não! Não! Não posso falar sobre essas coisas. O grande mestre disse que eu não podia.
Encostei a cabeça no travesseiro. Fiquei com vontade de rir da forma atrapalhada daquela menina.
- Onde ele está?
- Quem?
- Saga.
Logo percebi que aquela jovenzinha não era lá muito inteligente.
- Ah, o grande mestre! – abriu um sorriso. – Ele foi buscar o doutor. Logo estará de volta. Você se lembrou dele, pelo menos? – neguei com a cabeça. – Oh, que tragédia... – ela voltou a afagar meus cabelos. – Athena e os cavaleiros vão ajudar você. Vai ficar boa e logo voltará a cair nos braços do Saga.
"Athena, cavaleiros... do que aquela menina estava falando?", meus olhos agora queriam a todo custo se fechar. Por que Saga não voltava? Espere, ela disse que eu logo cairia nos braços dele...? Novamente tive que lidar com aquela emoção contagiante. Só depois de um tempo consegui compreender que era algo bom. Eu gostava do homem que se apresentou como grande mestre. O queria perto de mim. Havia entrado em pânico quando ele me deixara.
- Você está muito quente, Ariel... – disse a menina. – Está com febre... Deve estar com sede...
No momento seguinte havia um copo de água na frente da minha boca. Kaliope me ajudou a beber segurando a minha cabeça. Não senti a água descendo pela minha garganta. Eu não sentia nada. Manchas vermelhas dançavam na minha frente, mas a fraqueza havia diminuído. Pedi mais água a Kaliope que me atendeu com toda a paciência. Após o segundo copo, deitei a cabeça sobre o travesseiro e respirei fundo. Conseguia pensar direito e as manchas haviam sumido do meu campo de visão.
- Obrigada. – falei para a jovem que me mostrou um sorriso bondoso em resposta.
Kaliope cobriu meu corpo com o lençol e sentou na cama. Suspirou olhando para mim.
- Você disse que eu salvei a sua vida? – perguntei.
- Sim. Mas eu não posso falar mais nada. Queria muito que se lembrasse de mim. Nós éramos amigas, muito amigas. Enquanto você dormia, eu fiquei muito preocupada. Todos ficamos. O grande mestre não saiu do seu lado o tempo todo. Ele gosta muito de você, Ariel, pode acreditar. Você ficou corada!
Voltei a sentir vontade de chorar. Uma tímida vontade que era quase como uma previsão remota. Agora era tudo o que eu conseguia sentir, sensações remotas. Nítido apenas a sensação de estar completamente isolada do mundo. O ar que saia do meu nariz existia porque eu podia ouvir se respirasse fundo, mas não sentia, mesma coisa se eu soprasse o cabelo do meu ombro, os fios negros se moveriam, mas a pele não reagia. Não havia um mínimo sinal que eu pudesse sentir de alguma forma a mão da menina sobre a minha testa.
Tudo isso me perturbava de uma maneira tão avassaladora que eu tinha a impressão que se eu parasse para pensar piraria. Olhei para a menina loira por um tempo, concentrei-me nela. Percebi que era fácil gostar dela e não só porque ela procurava me agradar e cuidar de mim, mas porque ela era boa e sincera. Uma menina pura que estava feliz por me ver acordada e falando com ela. Seu carinho era sincero. Eu quis muito me apegar a ela, e foi assim que esqueci por um bom tempo que era incapaz de sentir, observando bem as reações de Kaliope.
Observei que meus pés começaram a tremer, Kaliope então, os segurou e começou esfregá-los com as mãos, dizendo que estavam gelados. Meu queixo batia e só por isso eu sabia que estava com frio, mas não sentia frio.
- Ariel, você está piorando e eu não sei o que fazer... – ouvi Kaliope sussurrar.
E fora um sussurro tão baixo, mesmo assim eu consegui entender perfeitamente. Minha audição era boa apesar de meu corpo debilitado, logo constatei. Eu podia ouvir até as batidas do coração dela se me concentrasse. Isso não me causou nenhum estranhamento. Como se já estivesse acostumada a ouvir o coração das pessoas baterem.
- Fale-me sobre o Saga. – pedi.
Minha voz tremia por conta do bater de meu queixo. Eu não queria me entregar a fraqueza, por isso puxava assunto. Só queria ficar acordada.
- Ele gosta muito de você. Vocês eram tipo... – ela deu um risinho. – Namorados. – ignorando o meu espanto com aquela revelação, a menina emendou: - Não sei se deveria estar conversando isso com você...
Ouvi meu coração acelerar. Agora tudo o que eu não conseguiria era descansar depois daquela revelação. Saga e eu éramos namorados. Por isso ele me chamou de amor quando eu acordei, por isso ele me fitava daquela maneira tão carinhosa, por isso ficou tão desolado quando soube que eu não lembrava de nada e quando percebeu que eu não podia me mexer. Éramos namorados... Isso explicava aqueles sentimentos todos que experimentei quando o vi de perto, quando o cheiro dele invadiu minhas narinas. Toda aquela vontade de vê-lo de novo, misturada a boas doses curiosidade.
Fiquei eufórica. Meus sentimentos tornaram a ficar nítidos. Mesmo não o reconhecendo eu me sentia bem perto dele, tanto que estava louca que ele voltasse. Queria desesperadamente olhar para ele. Necessitava disso para me sentir segura. Para onde o desgraçado tinha ido?! Minha visão voltou a ficar turva e novas manchas vermelhas e laranjas cobriram meu campo de visão se confundindo com cabelo louro de Kaliope.
- Kali... – falei debilmente. – Tenho sede.
A água havia me aliviado uma vez, por isso pedia mais. Qualquer coisa para continuar consciente e pensando com clareza. Ela levantou apressada e encheu o copo de vidro com água, depois o posicionou em frente a minha boca. Bebi tudo o que eu podia. Esperei sentir o alivio de antes trazido pela água. A menina sentou na cama e ficou me olhando aflita. Eu estava enfraquecendo de novo. Fechei os olhos. Parecia que a água não havia funcionado.
Kaliope então fez algo muito doce e que me ajudou bastante: removeu o travesseiro debaixo da minha cabeça e sentou no lugar. Colocou minha cabeça sobre sua coxa e começou a fazer carinhos na minha testa, penteando meus cabelos com os dedos lentamente. Meio minuto depois as manchas sumiram, eu fiquei calma como um passarinho no ninho. Fui aos poucos me entregando ao sono. Eu só percebi que estava com sono quando notei meus olhos se fechando contra minha vontade.
Cai no sono embalada pelo som decrescente da minha respiração. Senti que estava perdendo minhas forças. Eu não queria dormir, mas sentia que não podia evitar.
***S
O especialista chegou à tarde. Fiz com que Ariel fosse levada ao hospital do Santuário, pois lá haveria mais recursos a disposição do médico. Ele examinou a Ariel demoradamente, passou mais de uma hora no quarto com as enfermeiras. Depois passou pela porta com um olhar preocupado. Disse que aparentemente, Ariel não tinha nada físico, que estava em perfeita saúde. Os ferimentos eram superficiais e não justificavam a paralisia nem a amnésia. Todos os exames clínicos não mostraram nenhuma alteração.
- Essa moça é um mistério médico! - ele exclamou.
Encarei-o com uma expressão neutra. Como explicar que ela era realmente um mistério, que não era humana e sim um anjo caído? Decidi não contar nada, para não expor a minha mulher. Era um médico de confiança da fundação, mas isso não lhe dava créditos para saber fatos da minha intimidade. Naquele momento eu só pensava em proteger a Ariel. Agradeci o tempo que gastou atendendo a minha solicitação urgente e toda a ajuda. Dispensei-o com um cordial, porém frio aperto de mão.
Encostei-me a parede. A medicina dos homens não ajudaria.
Se Ariel não tinha nada físico, significava que seu problema estava alem da compreensão humana. Algo relacionado a sua condição de anjo caído, logo eu não poderia ajudá-la, sendo apenas um ser humano. Dei-me conta que sabia muito pouco sobre o que ela era. Eu só sabia que ela havia me contado, que o anjo caído Ariel era imortal, carente de algumas sensações humanas, como fome e sede, calor, frio. Não possuía o sentido do tato para o mundo em geral, apenas conseguia me sentir. O fato dela conseguir ter sensações humanas comigo incluindo prazer sexual era um mistério para mim e algo que ainda não havia parado para pensar friamente. Fora isso, era bastante rápida, telepata e tinha o dom de ver o futuro.
Eram as únicas informações que eu tinha.
Começava a perceber que ela era um ser sobrenatural bastante distante do conceito de ser humano, embora conseguisse sentir todos os sentimentos humanos. Ela dizia que era capaz de sentir o que eu sentia, como se estivesse ligada a mim de forma profunda, não ao meu corpo ou mente, mas a minha essência. Ouvia-a falar coisas assim várias vezes.
Suspirei desanimado observando o extenso corredor vazio. Por que não tivemos essa conversa antes, Ariel? Sobre sua natureza. Infelizmente quando descobri que ela não era humana como eu, estourou a invasão ao Santuário liderada pelo anjo caído Dahariel, e eu também acabei me afastando dela depois dessa revelação. Também tive medo de machucá-la possuído pela minha personalidade maligna. Agora me arrependo disso. Eu fui muito negligente. Só quis saber de amá-la, não de entendê-la.
Por outro lado seria inútil porque, ela não sabia de nada. Nunca conseguiu se recordar do passado. Não poderia esclarecer minhas dúvidas principais. Arial não tinha culpa. Eu a imaginava como um ser de outro planeta que fora jogado na Terra sem prévio aviso. Às vezes ela imitava as outras mulheres. Ariel se comportava como uma mulher comum, me amava como uma mulher comum. Eu acabei me confundindo. Quando estávamos juntos eu era apenas um homem, esquecia-me da minha posição.
Preparava-me para abrir a porta do quarto quando me lembrei de um detalhe importante: Ariel era o anjo da revelação. Ela talvez não precisasse de meus esforços para se lembrar dos últimos dias ao meu lado, ou até mesmo como se curar da paralisia. Bastava usar seu dom. Já tinha visto acontecer antes. Ela me disse que simplesmente tinha uma visão onde a verdade aparecia. Visões repentinas. Mas ela possuía o poder, isso bastava. O dom de revelação era a chave, então ela mesma poderia se libertar de suas atuais limitações facilmente.
Acreditei nisso.
Acho que só queria me apegar a qualquer migalha de esperança para não entrar em desespero. Ao mesmo tempo sabia que não seria tão simples. Ariel acordou confusa e enfraquecida. Era de se supor que também tivesse perdido a capacidade de usar seu dom. Poderia ser uma limitação temporária, mas o fato era que eu não poderia esperar um milagre acontecer. E se ela não recuperasse suas capacidades nunca?
Eu precisava considerar todas as possibilidades. Precisava tomar uma atitude. Definitivamente, não dava para continuar esperando.
Chamei pelo cosmo outro tipo de especialista, um especialista em cosmo energia. Decidi esperar por ele no quarto. Arial dormia profundamente. Dispensei a Kaliope e tomei seu lugar na cadeira ao lado do leito. Shaka de Virgem chegou minutos depois. Permaneci ao lado dele enquanto Ariel era examinada. Quando terminou sua análise, Shaka inclinou o olhar na minha direção. Estava de olhos abertos.
- Infelizmente, eu tenho más notícias, Saga. Não consigo sentir o cosmo dela. – falou Shaka.
Aquilo não era novidade, eu também não conseguia sentir desde que a recebi na praia.
- O que ela tem? – perguntei.
- É difícil dizer. Os cosmos dos anjos caídos são difíceis de se decifrar. A energia deles não é como a nossa, é uma espécie de áurea, antes luminosa e divina que perdeu totalmente o brilho, mas não mudou de natureza. Como uma lâmpada queimada. Eu podia sentir a áurea cósmica da Ariel antes dela ficar assim. Um sopro de energia interior emitindo uma pulsação leve, porém profunda, algo parecido com uma melodia suave e natural. Eu só consegui sentir seu cosmo com precisão e entendê-lo depois de muita meditação e estudo. – ele ficou de pé. - Não consigo sentir mais essa energia. Desapareceu todo e qualquer resquício.
- Alguma ideia do porquê?
- Não sei dizer... É como se tivesse sido arrancada dela. Quanto a mente, as memórias dela foram apagadas. Varridas, define melhor. Talvez ela volte ao normal quando recuperar essa energia que mencionei. Este sono também não é normal, como já deve ter percebido. Acredito que não vá despertar tão cedo. Eu sinto muito Saga. Gostaria de ter ajudado mais.
Baixei a cabeça e me afastei dando alguns passos pelo quarto. Eu me sentia cada vez mais inconformado.
- Eu só queria saber o que ou quem fez isso a ela.
Senti o olhar de Shaka me acompanhando.
- Saga, Ariel precisa de você mais do que nunca, e nós... Precisamos dela também. Não sabemos se o apocalipse continua e ainda não sabemos como pará-lo. Ela é a única que pode ter respostas...
- Revelações, você quer dizer.
- Sim. Antes da invasão, ela disse que nós ajudaria. Athena contava com a ajuda dela. Athena acredita que ela desceu para nos ajudar, sendo um sinal de que o céu está do nosso lado. O fato do anjo da Revelação está entre nós é o nosso maior trunfo.
Shaka de Virgem estava pensando como um cavaleiro, diferente de mim que só pensava como homem apaixonado. Eu me sentia mal com isso, mas não conseguia evitar. Pelo menos não naquele momento. Conformava-me de tê-la de volta, mesmo sem dom de revelação algum que pudesse nos ajudar a combater o apocalipse. A mulher que eu amava estava gravemente ferida e eu me encontrava de mãos e pés atados. Era obrigado a lidar com a angústia, revolta e a saudade. Voltei a me aproximar da cama. Passei a mão nos cabelos negros da Ariel e contemplei seu sono por um tempo. Shaka se afastou querendo nos dar privacidade.
Abaixei o meu rosto e beijei sua testa.
- Eu te amo. – sussurrei.
Saímos do quarto e continuamos conversando sentados em um divã. Chamei a serva Kaliope para ficar aquela noite com a Ariel. Ainda não ficava a vontade em deixá-la sozinha por muito tempo.
- Quanto ao outro anjo? – Shaka quis saber.
- Virou fumaça pouco antes da Ariel acordar. – respondi com uma voz entediada.
- Ele sabe o que aconteceu. E não está por ai desmemoriado e paralisado como a Ariel, do contrário não poderia ter fugido.
- Ele vai voltar. Eu sinto isso. Ele gostava muito de ficar colado na Ariel para simplesmente desistir dela. E quando aparecer, vou arrancar dele a verdade.
Ouvi Shaka dar um suspiro preocupado.
- Você acha que ele é culpado?
- Eu acho que ele sabe por que ela está assim.
- Cada vez mais me convenço que as leis que regem o mundo dos homens e dos anjos são diferentes. Por esse motivo não podemos ajudar a Ariel, tão pouco julgar os atos do outro anjo caído. Eu acredito, patriarca, que os outros anjos caídos saibam o que ela tem e possam ajudá-la. Então é prudente permitir a aproximação de Ragiel.
Eu já havia pensando nessa possibilidade e não gostava nada. A idéia de mais seres como Ragiel vagando livremente pelo planeta não me agradava. Tão pouco a ideia de me aliar a eles, tal como Shaka sugeria implicitamente. Não havia garantias que todos fossem puros como a Ariel, eles poderiam ser arredios como o Ragi ou cruéis e malignos como o Dahar. Era irônico eu ter sido protegido por um anjo caído e torturado por outro quase chegando a beira da loucura.
Fazer uma aliança com os anjos caídos era algo que tinha que pensar bastante. Shaka concordou que minhas desconfianças eram válidas. Pensem comigo, se eles se escondem do mundo, não devem ser boa coisa.
***S
Ariel dormiu por três dias. Shaka tentou várias vezes acessar o cosmo dela, eu tentei, Athena tentou, nenhum de nós obteve sucesso. Seu estado se assemelhava ao coma. Trouxe-a de volta para meu templo. No terceiro dia eu já não sabia mais o que fazer. Meu peito queimava de angústia cada vez que olhava para seus olhos fechados. Passava a noite no quarto dela, às vezes cochilava sentado na cadeira e tinha pesadelos em que Ariel nunca mais acordava e definhava lentamente naquela cama.
Aquela noite não consegui dormir. Levantei e fui até a cama. Analisei a expressão de Ariel por um tempo, tentando achar alguma mudança. Nada.
- Não posso mais suportar isso. Não posso. – falei olhando para sua face pálida.
Eu só sabia que ela estava viva porque via seu peito subir em descer numa respiração tímida e silenciosa. Alisei os cabelos negros de Ariel enquanto imagens de nossos momentos juntos invadiam minha lembrança. Quando a tirei do mar, a primeira vez que falou comigo, quando nos beijamos pela primeira vez a beira de uma piscina num hotel em Atenas, quando fizemos amor, quando ela me contou chorando que era um anjo caído, e por fim, quando me beijou na sala do mestre quase destruída depois que derrotei o anjo caído que me atormentava.
Havíamos passado por tanta coisa juntos.
- Não sei o que será de mim se você não acordar, Ariel. – falei.
Não percebi uma lágrima rolar por meu rosto. Respirei fundo, já me preparando para chamar Shaka de Virgem pelo cosmo para que ele tentasse mais uma vez despertar Ariel. Antes olhei para a janela fechada do quarto e tive uma ideia. Certa vez Ariel me disse que os anjos caídos ficavam mais fortes quanto recebiam a luz da lua e enfraqueciam se ficassem muito tempo expostos ao sol.
Mas que idiota! A resposta estava na minha cara o tempo todo. Como pude esquecer esse detalhe tão importante? Imediatamente corri para a janela e a escancarei. Empurrei a cama de Ariel para mais perto da janela. O vento sacudiu as cortinas e os meus cabelos. Observei o céu noturno. A noite estava fria, pesadas nuvens tiravam o brilho das estrelas e da lua. Será que se fosse noite de lua cheia o processo seria mais rápido?
Segurei a mão de Ariel e chequei a pulsação. Sem mudanças. Talvez tivesse aberto a janela tarde demais... Não. Não. Os deuses não seriam tão cruéis comigo. Não seriam tão cruéis com o grande mestre do Santuário de Athena.
Chequei a pulsação novamente. Senti uma leve mudança. O fluxo de sangue corria por aquela veia com mais intensidade. Sorri em plena satisfação. Ariel acordaria! Mesmo sem memórias ela estaria de novo ao meu lado. E quanto às lembranças, não seria problema. Eu a faria se apaixonar por mim de novo. O sentimento que nos ligava era forte demais.
Tirei os meus sapatos e deitei na cama ao lado dela. O vento gelado que entrava pela janela havia deixado sua pele fria. Abracei-a querendo aquecê-la. Não me afastaria dela nem por um segundo.
***S
Acordei com o barulho da janela escancarada batendo na parede. O vento levantava as cortinas. A luz do sol forte me deixou cego por alguns segundos. Fitei o rosto de Ariel. Fiquei muito decepcionado ao constatar que ela ainda dormia, mas sua aparência apresentava melhoras visíveis. As cores haviam voltado para seus lábios. Sua testa estava um pouco suada, felizmente a temperatura corporal estava normal.
Ela ainda parecia dormir profundamente, mas estava com um semblante mais tranquilo. Realmente havia melhorado. Uma melhora graças à luz da lua, eu imaginei. Fiquei animado. Mal poderia esperar para anoitecer e submetê-la aquele tratamento de novo. Pensei até em instalar uma cama no jardim ou no terraço do templo.
Levantei da cama tomando todo o cuidado para não perturbá-la. Cobria-a com um lençol fino, depois fechei as janelas. A lua fortalece os anjos caídos e o sol os enfraquece. Eu jamais esqueceria disso novamente. Lavei o rosto no banheiro e sai do quarto. Não queria deixar Ariel sozinha por muito tempo, então tratei de procurar a serva Kaliope. Encontrei-a na cozinha tomando um adocicado café da manhã.
- Termine de comer e vá ficar com a Ariel, sim? – pedi.
- Ela já acordou, mestre?
- Não. Mas sinto que está perto.
O rosto sardento da menina se iluminou com um sorriso esperançoso. Dirigi-me aos aposentos do grande mestre. Eu ainda não conseguia dizer meu quarto, sempre saia aposentos do grande mestre em vez de meu quarto. Antes de chegar às escadas de acesso ao segundo andar, vi Marin de Águia entrando no templo. Murmurei um palavrão. Havia me esquecido da nossa reunião agendada para aquela manhã. Esqueci completamente. Ela certamente queria falar comigo sobre os aprendizes que treinava junto com Shina de Ofiúco.
Acenei para ela e esperei ela se aproximar.
- Bom dia, excelência.
- Bom dia, Marin. Poderia me esperar na sala do mestre? Estarei lá em cinco minutos.
Marin meneou a cabeça. Tive a impressão de ter ouvido um risinho sair por baixo da máscara de prata.
- Você está com cara de quem acabou de acordar, excelência. – ela falou.
Mostrei um sorriso amarelo e cocei a nuca. Certamente ela havia percebido que eu me esquecera do compromisso.
- Acho que vai precisar de mais de cinco minutos. – ela completou.
Eu concordei com a cabeça.
- Não vou demorar.
- Eu sei que não.
Ela fez a reverência tradicional dos santos e amazonas de Athena subordinados ao patriarca: inclinou o corpo e encostou minha mão na testa. Eu nunca exigi que ela fizesse isso, mas ela sempre realizava a reverência. Marin de Águia era uma amazona muito tradicionalista. Após receber a minha benção, subimos as escadas juntos e nos separamos quando tomei o corredor que levava aos aposentos do mestre.
Tomei um banho rápido. Comi enquanto trocava de roupa e fui cumprir minha obrigação matinal, na sala que havia feito certa pressão para que ficasse pronta logo. Os cavaleiros estranharam muito não ter um local apropriado, leia-se tradicional, para se reportar. Eles precisavam da sala do mestre mais do que eu. Não gostavam de me procurar na sala de reuniões ou em meu escritório particular. Ás vezes me surpreendo como alguns cavaleiros são apegados aos velhos hábitos.
Cheguei ao trono com o elmo dourado embaixo do braço. Dispensei o servo que se oferecia para secar o meu cabelo no caminho. Marin ajoelhou-se quando sentei no trono. Fiz um gesto rápido para ela se levantar. Não gostava de falar com as pessoas quando elas estavam mais baixas que eu, ajoelhadas diante de mim.
Um filme passou pela minha cabeça naquele momento. Eu jamais me incomodei de me ajoelhar perante o antigo patriarca, Shion, quando fui cavaleiro, mas quando a situação se inverteu e eu me vi sentado no trono no lugar de Shion, a sensação era sempre de puro desconforto. Ser reverenciado... Logo eu. Eu era apenas o homem mais próximo de Athena, estava muito longe de ser um deus.
Marin me contemplou por um tempo.
- Vejo que agora consegue usar o traje de patriarca sem problemas.
- Finalmente estou me acostumando. – falei com um início de sorriso.
- Que bom, excelência. Como está a Ariel?
- Ainda dormindo.
- Eu sinto muito, excelência.
Baixei a cabeça.
- Estou fazendo de tudo para acordá-la.
- Eu imagino que sim.
Silêncio. Contemplei a mulher de armadura prateada parada diante de mim. Marin de Águia. A única amazona que eu podia chamar de amiga, embora ela me tratasse com todo respeito e formalidade. Ela era uma voz de comando suave ao mesmo tempo firme que sempre acatava minhas ordens sem questionar. O santuário não seria o mesmo sem ela. Ela me ajudou inúmeras vezes. Quase sempre, quando se reportava a mim, vinha com problemas já resolvidos. Comunicava-me por tabela, por que era exageradamente atenciosa com todos a sua volta e gostava de me manter a par de tudo em sua área de atuação. Um cuidado excessivo que só ela tinha. As outras amazonas eram mais arredias. Eu nunca precisei intervir durante seus turnos de vigilância e treinamentos. Os soldados, cavaleiros e aprendizes a tinham como verdadeiro exemplo. Eu também tinha. Era realmente uma mulher admirável em todos os sentidos.
- Em que posso ajudá-la, Marin? – perguntei.
A postura dela se desfez desajeitadamente, como se tivesse tomado um susto ao ouvir a minha voz. Acho que interrompi seus pensamentos.
- Vim transmitir meu relatório semestral sobre meus aprendizes, excelência.
- Estou ouvindo.
- Tenho três pupilos com grande potencial, os quais pretendo intensificar a carga de treino. Se o senhor concordar com minha análise, é claro. Eles são...
A reunião com Marin de Águia durou mais de uma hora.
****S
Aquele dia foi longo. Após a reunião com Marin, tive três reuniões por videoconferência com os responsáveis pelos centros de treinamento no Egito, China, Itália e Austrália, respectivamente. Depois mais cinco com agentes do Santuário, da fundação e observadores que recrutei para a missão de detectar sinais do Apocalipse. Esses homens e mulheres trabalhavam vinte e quatro horas por dia. A ameaça dos nefilins estava contida, ou melhor misteriosamente extinta, já que eles não atacaram nem despertaram mais entre os humanos após a morte do anjo caído Dahariel.
Conclui que ele era a fonte do cosmo maligno que deu vida ao sangue ruim dos nefilins, tanto que os podia controlar, sendo assim, quando ele desapareceu, levou consigo tal ameaçava. Porém, eu não podia me dar ao luxo de ir até a sacada do templo e dizer com um sorriso de orelha a orelha que a tempestade havia passado e agora era hora de desfrutar a bonança. Eu sentia que nada estava definido e que a paz era um sonho ainda distante.
Por isso reforcei a vigilância. Se o Apocalipse e os nefilins voltassem a assombrar, eu queria ser o primeiro a saber. Eu queria estar preparado.
Assim que a última reunião terminou, fui para o quarto onde convalescia Ariel. Não havia colocado nada no estômago naquele dia, mas não me importei. Eu precisava vê-la.
Contra as minhas expectativas, Ariel não despertou. Eram cinco da tarde, esperei anoitecer para repetir o tratamento a base de luz da lua. Abri as janelas do quarto, empurrei a cama para mais perto da janela, sentei e esperei. Depois chequei seus sinais vitais para ver se houvera alguma mudança. Pulsação progredindo, cor da pele reavivando, respiração tranquila de quem dormia um sono bom. Ela melhorava a noite e piorava durante o dia. Encostei o ouvido em seu peito, para checar os batimentos cardíacos. Indo bem, assim como o resto do corpo dela, mas nada de seu cosmo dar sinal de vida.
Eu estava convencido de que a ausência de seu cosmo de anjo caído era a causa daquele sono persistente. Passei as mãos nos cabelos, relutando a ficar tenso. O que havia deixado passar? Então tive uma ideia. Imaginei que Ariel devia receber mais lua no corpo, diretamente na pele sem nenhuma barreira entre o satélite e ela. Joguei o lençol que a cobria para longe, em seguida comecei a despi-la.
Nesse momento meu raciocínio cambaleou diante do deslumbre que era contemplar Ariel nua. Uma parte bem específica de meu corpo deu sinais de querer acordar. Tive que me conter, acorrentar meus instintos masculinos firmemente. Nesse ínterim, me dei conta de que ela não estava nua. Ainda faltava a calcinha. Apenas esse pensamento me causou uma ereção violenta.
Fazia quase um mês que não via uma mulher nua, pouco tempo, mas o suficiente para me deixar sedento por conta do estímulo visual. Era mais do que natural. Deitada sem roupa naquela cama estava a mulher que eu amava e desejava. Jamais poderia fugir daquele desejo. Gritei foco para a minha mente acelerada. Talvez eu tivesse que bater uma punheta ainda naquela noite, mas agora tinha que tratar de curar a Ariel.
Sai da frente dela e deixei que a lua fizesse o seu trabalho. Sentei numa cadeira um pouco distante, para que minha sombra não ficasse em cima dela e esperei. Respirei fundo, buscando paciência, ignorei minha calça apertada.
Vários filmes passaram pela minha imaginação. Todos eróticos. Relembrei cada noite de amor em detalhes, enquanto observava o anjo ressonando silenciosamente. Será que sonhava comigo? Eu queria acreditar que sim. Disse para mim mesmo que tiraríamos o atraso quando ela acordasse. Ariel teria gostado de me ver pensando assim. Ela sempre foi tão fogosa. Fogosa de um jeito que eu jamais imaginei que um anjo fosse.
Às vezes tinha mais pique do que eu, tenho que admitir. Não que isso me desagradasse, muito pelo contrário. Eu simplesmente adorava a sua disposição ninfomaníaca, também o fato dela estar sempre disposta a me agradar. Talvez as coisas fossem diferentes se nosso relacionamento tivesse começado em outra época, sem que estivesse atormentado por um anjo caído maligno. A insônia e os episódios consumiam as minhas forças. Mas sempre sobrava algo para Ariel.
Ela fazia aparecer energia não sei de onde. Sabia me provocar como nenhuma outra.
Depois de meia hora de exposição à luz da lua, levantei para a checagem de sinais vitais. Tudo promissor, menos o cosmo que continuava como se nunca tivesse existido. Ela estava arrepiada, um sinal de frio, mas eu não queria cobri-la. A ideia era deixá-la exposta a noite toda.
Será que vou ter que fazer isso toda noite? Até quando...? Indaguei em pensamento fitando a lua.
Quando amanheceu eu estava péssimo. A mulher na cama continuava dormindo. Recoloquei seu vestido mecanicamente. Chamei Shaka pelo cosmo. Ele entrou no quarto minutos depois. Observei Shaka examiná-la pela... Já havia perdido as contas das vezes que ele colocara a mão sobre sua testa e se concentrava para tatear o seu cosmo de anjo caído. Eu estava cansado e começava a ficar revoltado com aquela situação.
Atordoado sai do quarto. Encontrei Aioros no corredor. Vi sua expressão se entristecer.
- Ela ainda...
- Ainda.
- Você está fazendo tudo o que pode, meu amigo. – ele falou.
- Não estou. – fechei os olhos. – Na realidade não sei o que estou fazendo, não tenho a menor ideia.
- Está aqui ao lado dela dia e noite. Isso é grande coisa. Acredite. Além do mais, se a lua é a única coisa que fortalece os anjos caídos, você está fazendo a coisa certa.
- Assim espero. – respondi sem animação alguma.
Saímos do corredor juntos.
- Já reuni a equipe que pediu para achar os outros anjos caídos.
- Excelente. Comece a busca o quanto antes. Agora mais do que nunca, precisamos achar os outros.
Antes de tomar a decisão se me aliava ou não aos anjos caídos eu precisava encontrá-los.
- Vou colocar o planeta de cabeça para baixo se for preciso! – Aioros sorriu com entusiasmo.
Trocamos mais algumas palavras, então cada um foi para um lado. Eu voltei para o quarto e ouvi a mesma coisa de Shaka, que o cosmo de Ariel continuava indetectável. Ele deixou o quarto e no minuto seguinte, Kaliope e Uri passaram pela porta.
- Vim trocar a roupa da Ariel e dar banho nela como faço todas as manhãs, mestre. – falou a menina.
Ela segurava toalhas dobradas e um vestido novo em frente ao peito. Assenti com a cabeça. Olhei para Uri que me ignorou completamente. O Maine Coon pulou na cama e foi direto para o rosto de Ariel. Farejou, lambeu e esfregou-se nela amorosamente. Sempre ronronando alto.
Parecia com saudades. Não mais do que eu, amiguinho.
Com toda paciência, a jovem Kaliope retirou o gato de cima da Ariel. Ela não tinha mais medo dele. Os dois pareciam ter ficado amigos. Sorriu para mim ao colocá-lo no chão.
- Ele está me seguindo hoje. Ele pode ficar aqui, grande mestre?
- Claro.
O gato se esfregou nas minhas pernas e não lhe neguei um carinho nas costas. Ele parou ao meu lado e ficou observando o trabalho da serva. Realmente aquele gato não suportava a Kali antes dela se transformar numa nefilin. Será que ele sabia sobre sua real natureza por isso a hostilizava? Que outros segredos aquele gato gigante guardava além de reconhecer nefilins melhor do que eu, um cavaleiro de ouro treinado?
Kali trocava as fronhas dos travesseiros sussurrando uma canção triste. Dava para ver que aquela menina sentia muita falta da amiga, assim como o gato e eu. Sai do quarto quando outra serva entrou para ajudar Kaliope a banhar Ariel. Eu teria me oferecido para ajudar, mas era provável que as moças ficassem constrangidas com a minha presença no banheiro. Mesmo sabendo que Ariel era minha namorada e que nós dormíamos juntos muitas vezes. Nossa relação não era segredo para ninguém.
Voltei ao quarto alguns minutos depois. A serva mais velha terminava de secar os pés de Ariel estendida na cama e Kaliope penteava os seus cabelos úmidos. Já estava de roupa trocada. Quando terminou ela fez um carinho em seu rosto.
- Ela é tão linda, não é mestre?
- É sim. – respondi sentindo uma pontada no coração.
Uri pulou na cama e deitou com as patas esticadas olhando fixamente para o rosto de Ariel. Parecia admirar a beleza dela também.
E então? que acharam?
Até o próximo capítulo.
