Céu de Sangue

Por Érika

"Saint Seiya" é propriedade de Masami Kurumada, Shueisha e Toei Animation.

Prólogo - O Regresso



Durante as primeiras horas de uma noite fria, duas divindades reuniam-se no centro do amplo jardim da mansão Kido. O vento uivava ininterruptamente e um intenso negrume revestia todo o firmamento. Aparentemente, estes eram os vestígios que haviam restado da guerra que provocara o extermínio do reino dos mortos de Hades.

Escassos minutos haviam transcorrido desde que Athena retornara à Terra, após seu triunfo no conflito que se desenrolara no mundo inferior. Em face disso, ela continuava trajando sua armadura.

Mantendo a cabeça ligeiramente voltada para baixo em um gesto que denotava respeito, a deusa ouvia silenciosamente as palavras proferidas por Zeus.

Como era a primeira vez que pai e filha se viam na sua atual encarnação, o encontro foi basicamente formal, com uma notória ausência de afeto. Isto se devia ao fato de que no presente não existia nenhum laço consanguíneo entre ambos, já que Athena fora gerada por seres humanos comuns, embora ela jamais tivesse chegado a conhecê-los. Ainda que na mitologia clássica Athena houvesse nascido da fronte de Zeus, este pormenor não era forte o bastante para que os dois deuses se aproximassem afetivamente. De certa forma, podia ser que continuasse latente o temor que o deus sentira durante a Era do Mito: o de que seu lugar fosse ocupado por Athena.

Mas enquanto falava, Zeus parecia perfeitamente controlado. Sua voz rouca possuía um tom isento de agressividade e seus estreitos olhos nigérrimos não continham nenhuma espécie de ameaça.

- Você conseguiu subjugar Hades. Supõe-se que quererá ressuscitar seus servos que morreram na batalha travada contra ele e seus espectros. Possivelmente você queira devolver à vida também os cavaleiros que perdeu em outros conflitos. Naturalmente, como deusa você está plenamente capacitada para trazer de volta quem bem lhe aprouver. Foi por esse motivo que me vi na obrigação de vir até você. Explico-me: diversos de seus guardiões que pereceram na luta contra Hades já tiveram rompidos por completo os fios invisíveis que os ligavam a este mundo. Assim, para evitar transtornos na barreira do tempo, o descanso desses indivíduos não deve ser interrompido. Bem, revelarei a você quais de seus guerreiros ainda podem ser resgatados.

Rapidamente, os deus enumerou os nomes dos combatentes de Athena que ainda mantinham um suave vínculo com a Terra. Não eram muitos. Logicamente, nenhum daqueles que haviam morrido em confrontos anteriores ao de Hades fazia parte desse grupo restrito. Teria sido impossível que qualquer um deles ainda pudesse conservar uma ligação com o mundo material, posto que fazia alguns meses que a morte já os tinha levado. Por conseguinte, estavam descartadas as ressurreições dos cavaleiros de prata que Seiya e seus amigos haviam enfrentado alguma vez.

Resignada, Athena aceitou as determinações de seu pai mitológico. Como deusa da sabedoria, ela compreendia que não deveria interferir no curso natural do tempo.

Zeus despediu-se dela e, flutuando, retornou ao Olimpo. Se ele nutrisse algum tipo de apreço por ela, teria aproveitado a visita para revelar-lhe algo muitíssimo mais relevante do que tudo o que dissera. Entretanto, Athena não era alguém importante para ele. E se não sentia interesse em combatê-la, era unicamente porque estava bastante satisfeito com as suas ocupações no céu.

De fato, ele se entretinha com algumas pelejas ocasionais que ocorriam entre as nuvens e, principalmente, com as suas amantes. E para arrematar, Hera já não representava um problema para o deus desde que se divorciara dele. Sendo assim, a ideia de governar a Terra não o atraía em absoluto.

Quando Saori se retirara do destruído mundo de Hades, retornando ao Japão, naturalmente levara consigo os cinco principais cavaleiros de bronze, já que quase todos estavam vivos. Tão logo eles chegaram à mansão Kido, a deusa deixou-os na sala de sua residência e retirou-se por uns momentos. Foi deste modo que ela acabou se deparando com Zeus, justamente quando tinha planejado ressuscitar todos os seus cavaleiros mortos em distintas guerras.

Agora, ela lamentava sinceramente que não tivesse ressuscitado todos antes da inesperada aparição do deus. Com tudo o que ele expusera, ela se sentiria culpada se por acaso ressuscitasse aqueles que já não possuíam quaisquer vínculos com a Terra. Efetivamente, deveria deixá-los em paz.

Então, fechando os olhos, ela dedicou-se à expansão de sua cosmo-energia para ressuscitar os guerreiros que ainda não haviam se desligado de todo de suas existências terrenas.

Na sala da mansão Kido, Seiya abriu os olhos. Ele havia sido posto deitado no sofá do recinto por Hyoga. O cavaleiro de Cisne e os demais guerreiros de bronze observaram atentamente o despertar de Pégasus. O jovem de cabelos cor de chocolate fora o único que efetivamente morrera dentre todos os cavaleiros de bronze maiores. O cosmo de Athena devolvera-lhe a vida, porquanto ele estava entre os combatentes que ela podia ressuscitar sem que isto viesse a prejudicar as areias do tempo.

Ao ver o amigo vivo novamente, Ikki despediu-se e partiu rumo a um destino desconhecido, como fazia comumente. Shun tentou impedi-lo de ir embora, mas o cavaleiro de Fênix não se deteve.

Colocando a mão no ombro direito de Andrômeda, Shiryu disse gentilmente:

- Não se preocupe. Você sabe que o seu irmão sempre reaparece.

Shun sentiu-se um pouco mais confortado ao ouvir essa frase, ainda que seus olhos refletissem tristeza e dúvida. Outra vez Ikki se fora. Quem sabia se voltaria a vê-lo realmente?

Seiya soltou um longo bocejo e falou:

- Sinto-me esgotado. Queria dormir.

Hyoga retrucou, com certa ironia:

- Pois você foi o único dentre nós que teve a chance de repousar um pouco.

- Eu morri na luta contra aquele deus maldito, não é? - falou Seiya, tocando o buraco que havia em sua armadura. Era como se ele ainda pudesse sentir a espada de Hades cravada em seu peito.

- Sim. Mas não deve pensar nisso. O que importa é que você já está conosco de novo - comentou Hyoga, com um sorriso amigável.

O guerreiro de Pégasus concordou e também sorriu. Sem embargo, não tardou em ficar sério e indagou, olhando em torno de si:

- A propósito, onde está Saori? Noto que a cosmo-energia dela está bem perto daqui.

- Está lá fora. Disse que depois voltava para cá - respondeu Shiryu prontamente.

- É bom saber que ela está bem - declarou Seiya, contente.

Na manhã do dia seguinte, Saori viajou à Grécia. Seguiram-na Seiya, Shiryu, Shun e Hyoga.

Quando chegou ao Santuário, o cavaleiro de Pégasus viu Seika. Junto com ela estavam Marin, Shaina e os cavaleiros de bronze menores. Feliz, Seiya abraçou a irmã longamente.

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Já fazia mais de quatro meses que Athena e seus cavaleiros haviam derrotado Hades. Desde então, nenhum novo inimigo surgira. Vivia-se uma tranquila rotina de treinos no Santuário. Cavaleiros e amazonas se exercitavam e aqueles que tinham aprendizes treinavam-nos com afinco, como não poderia deixar de ser.

Estando Dohko irremediavelmente morto, Shiryu resolvera convidar Shunrei para viver no Santuário. Contudo, a intensa timidez de ambos impedia que começassem a namorar, de modo que eles conviviam apenas irmanamente.

Seiya viajava com frequência ao Japão para visitar Miho e as crianças do orfanato. Nessas viagens, Seika sempre acompanhava o irmão. A pedido dela, o guerreiro havia começado a treiná-la para que ela se convertesse em uma amazona.

Uma espécie de namoro não oficial iniciou-se entre Pégasus e Miho. Ele não desejava formalizar nada, pois sentia que Saori era quem verdadeiramente dominava seus sentimentos. Mesmo assim, e apesar de seus modos descontraídos, intimamente o cavaleiro não deixava de sentir-se acanhado em relação a Athena. Achava que não tinha o direito de pensar na deusa como uma possível parceira amorosa, já que ele era tão somente um guardião.

Saori por seu turno nada fazia, esperando talvez que Seiya tomasse a iniciativa. A jovem de cabelos púrpuras não sabia exatamente se ele gostava ou não dela. Era difícil ter certeza. Além do mais, nos últimos tempos, ele havia passado a adotar uma postura mais distante para com ela.

Assim, a deusa procurava se distrair de suas frustrações sentimentais dividindo suas atenções entre o seu Santuário e as empresas que herdara de seu avô adotivo Mitsumasa Kido. Outrossim, como ela ainda era menor de idade, pois contava atualmente dezesseis anos, sempre precisava receber assistência de especialistas para não cometer equívocos graves nos negócios.

Durante suas viagens ao exterior, Saori normalmente recrutava algum cavaleiro para acompanhá-la. Em épocas recentes vinha viajando constantemente com Saga, já que estava considerando a possibilidade de promovê-lo ao cargo de Mestre do Santuário. Para tal, queria mantê-lo por perto para observar seu comportamento. Embora ele houvesse se arrependido das graves faltas que cometera quando estivera possuído pelo espírito de Ares - e o seu arrependimento era talvez a principal razão por que Athena acreditava que ele poderia ocupar honradamente o posto que pertencera ao falecido Shion -, a deusa ainda não confiava totalmente nele. Era uma sensação quase inconsciente, mas bem real.