Maverick Heart
Capítulo I - Culpa
Ano 21XX.
Aquele tinha tudo para ser mais um dia comum na vida da Babá Repolid, Nanny Vênus. Ela estava a serviço dos Dalton, uma família humana desde o nascimento de sua filha única, um pequeno furacãozinho curioso de cinco anos chamado Dorothy. Fora "contratada" pela família antes da bebe nascer. Na realidade ela fora construída para este propósito, um modelo especial, edição limitada dos Laboratórios Cain para pais de primeira viagem, que possuíam recursos para não só ter uma babá reploid a inteira disposição de sua criança, mas ter a melhor babá reploid do mundo. Fisicamente iguais a ela só existiam outras quatro e ela fora o terceiro modelo a sair da linha de montagem.
Os Daltons, pensava ela, eram bons patrões. A tratavam bem e não exigiam coisas absurdas de seus reploids empregados. No geral os humanos eram intransigentes, pois a maioria não considerava os reploids como seres individuais. Contudo os Daltons não faziam parte desse grupo. O Sr. Dalton era o CEO da companhia de energia elétrica da cidade e, portanto, tinha um padrão de vida bem acima da média. Tinha uma grande reserva em relação aos reploids, pois por duas vezes esteve no centro dos levantes Mavericks, no entanto sabia diferenciar bem aqueles que eram maus dos que eram bons e tratava a babá com todo o respeito devido. A Sra Dalton, era uma organizadora de eventos da alta sociedade e estava sempre muito ocupada. Ela nunca desligava o celular, nem mesmo para banhar-se.
Nanny sabia que a pequena Dorothy se ressentia da falta de atenção de seus pais e tentava suprir essa carência lhe dando toda a atenção que podia. As duas tinham um relacionamento muito estreito e por vezes, quando em perigo ou vergonha era para ela que corria gritando pela mãe. Nanny amava aquela pequena e energética criatura loira. Costumava brincar com ela, dizendo que seus pais devem ter implantado uma pilha de lítio no coração da menina que nunca ficava quieta.
As duas adoravam sair para fazer compras com a Sra. Dalton. Mas os passeios eram sempre interrompidos por alguma emergência no trabalho ou por algum novo contato de cliente. No final, eram apenas as duas que compravam alguma coisa.
Naquele dia a pequena Dorothy se encantara por um lenço rosa choque que vira numa vitrine no novo shopping center da cidade. A mãe estava ocupada discutindo algum novo problema de seus novos clientes e apenas concordava sem nem mesmo olhar para a criança enquanto ela desfilava diante da mãe toda serelepe com aquele lenço, muito maior do que ela.
Nanny acompanhava tudo com divertimento, torcendo para que a ligação terminasse logo e a mãe passasse a dar atenção que a filha praticamente implorava. A pequena Dorothy conquistou todos na loja, todos exceto sua própria mãe, que simplesmente estava absorta demais no trabalho para perceber as estripulias da criança. Percebendo que ela já começava a se incomodar com a insistência da filha, a babá sutilmente a afastou da mãe atraindo sua atenção para outras roupas, da mesma cor berrante. A Sra. Dalton suspirou aliviada quando percebeu que a filha já não estava pulando ao seu redor e pode se concentrar no que dizia aos insistentes clientes do outro lado da linha.
- Nanny. Vamos comprar roupas pra você! – Exclamou a menina entusiasmada com a nova idéia.
- Dorothy, eu não preciso de roupas novas. Na realidade eu não preciso de roupa nenhuma. Só humanos usam roupas.
- Humanos usam roupas... Nanny, como chama mesmo o que você é? – Perguntou confusa.
- Sou uma reploid lembra? Uma humana de lata. Como na história do Mágico de Oz, que eu te contei outro dia. Lembra?
- Sim! Com aquela menina que tinha meu nome! – Falou entusiasmada por se lembrar de sua história predileta.
- Sim exatamente! Humanos de lata não precisam de roupas. Só humanos de verdade, como você, sua mãe...
- Nanny... Eu não gosto que você seja de lata. Quando vai ser que nem a gente? – Perguntou em sua pura inocência, esperando uma resposta direta e positiva.
A babá ponderou. Como explicar a uma menina de cinco anos a complicada diferença entre Reploids e Humanos? Como, se nem mesmo os adultos eram capazes de compreender plenamente? Diante da demora da resposta a menina ergueu uma das sobrancelhas num sinal de interrogação impaciente.
- Eu só posso me tornar uma humana de verdade quando você se tornar uma mulher de verdade. Até lá tenho que ser sua humana de lata. – Respondeu num tom solene e cheia de segurança.
A menina desapontada com a resposta evasiva coçou a cabeça tentando entender o que ela acabara de dizer. Parecia que crescer levaria muito tempo e, portanto, sua babá continuaria para sempre daquela forma. Não que ela realmente quisesse a mudança. Pelo contrário. Em seu pequeno coraçãozinho acreditava que Nanny só era atenciosa e próxima dela por ser assim, diferente. Se fosse uma "mulher de verdade", como sua mãe, certamente não daria a mínima para ela. Convencida de que era melhor as coisas continuarem assim tornou a erguer o rosto e encarar a babá, proferindo em seguida.
- Nanny eu não quero ser uma mulher de verdade. Eu quero ser sua menina para sempre!
A babá invejou os humanos naquele momento. Se as tivesse derramar-se-ia em lágrimas de emoção diante de uma declaração tão inocente. Sentiu uma confusão nos sentidos, sinal de que estava emocionada. Achava curioso terem lhe dado o poder de se emocionar com coisas simples, contudo não lhes darem todo o poder de expressar essas emoções aos demais.
Para selar aquele emocionante momento, abraçou tenra e demoradamente a menina que sorrindo a principio retribuiu o abraço, mas logo começou a se sentir incomodada com a demora e entediada com aquele gesto tentou se libertar com vigor até conseguir. Assim que estava livre começou a correr pela loja com seus amigos imaginários.
- Nanny! – Chamou a Sra. Dalton – O que a menina escolheu? Muita coisa? Não deixe ela correndo por ai, as coisas aqui são caras e meu cartão de crédito está mais que comprometido.
- Ela só quer este lenço, senhora. No mais está só divertindo-se com a sua fértil imaginação. – Respondeu sorrindo. Contudo a Sra. Dalton não lhe retribuiu o sorriso. Entregou o cartão aos cuidados da vendedora, e antes de atender uma nova chamada ordenou que ela pegasse a menina, as compras e a acompanha-se de volta para casa, ela teria de interromper o passeio, pois um problema sério ocorrera em seu novo evento.
Nanny e Dorothy saíram de mãos dadas da loja. A mãe já as aguardava do lado de fora e pela exacerbação com que falava ao comunicador o problema era sério. Andava apressada a frente delas e a todo instante lançava olhares furiosos às duas todas as vezes que paravam para olhar alguma vitrine, notadamente de brinquedos novos.
Ganharam as movimentadas ruas rapidamente e avançaram várias quadras a busca de um táxi, mas não encontraram nenhum disponível. Como a casa delas não ficava muito longe dali decidiram seguir a pé até lá, onde a Sra. Dalton pegaria seu carro, que ela odiava dirigir, e seguiria para seu compromisso.
Dorothy adorava a cidade, todo aquele alvoroço, aquela vida em ebulição. Maravilhava-se com os enormes arranha-céus, entortando o pequeno pescoço até não poder mais na vã tentativa de ver até onde eles iriam. Normalmente abria a boca quando fazia isso, gesto que Nanny repelia com um leve toque no queixo fazendo-a fechar a boca e arrancando risadas alegres da menina.
A babá também gostava do ambiente da cidade. A casa dos Dalton era uma grande cobertura num dos prédios mais valorizados da cidade. Estava sempre cheio de empregados reploids, mas sempre vazio de seres humanos. Apesar de não achar isso tão ruim, Nanny sabia que Dorothy também deveria aprender a conviver com outros humanos, afinal eles eram seus semelhantes, sua espécie.
A Sra. Dalton continuava a falar, cada vez mais irritada, aos berros na verdade, atraindo a atenção dos outros transeuntes e assustando a filha que vez ou outra se agarrava às pernas da babá, assustada com a face retorcida de sua mãe. Tiveram de parar quando chegaram a um cruzamento e o sinal fechou. Nanny teve de conter a Sra. Dalton que já se projetava em direção à rua. A mulher se desvencilhou do braço da empregada lançando a ela um olhar furioso, mas percebeu que não conseguiria atravessar e teve de resignar-se a esperar a interminável fila de carros. Seu mais novo evento estava indo por água abaixo por causa da falta de segurança do local, muito próximo a um incidente envolvendo um Maverick. As autoridades alegavam que era necessário manter uma quarentena nos reploids da vizinhança para verificar se o surto podia se espalhar. Como muitos dos empregados do evento eram reploids o isolamento os impediria de trabalhar naqueles dias e, portanto, o evento teria de ser cancelado. Desde a manhã quando soube da notícia estava em contato com todas as pessoas importantes que conhecia na tentativa de furar o bloqueio, pelo menos para seus funcionários poderem trabalhar. Mas os incidentes envolvendo Mavericks eram levados a sério e todas as suas tentativas até o momento se mostraram infrutíferas.
De repente sua filha explodiu em alegria desenfreada saltitando e puxando a saia da mãe freneticamente. Do outro lado da rua seu pai surgira, carregando um leão de pelúcia. Provavelmente uma surpresa que estivera tramando, pois sabia que elas estariam fazendo compras e pretendia surpreendê-las ainda no shopping center. Ao avistá-las acenou e a menina não conseguindo conter-se tentava a todo custo avançar para encontrá-lo. Mas Nanny a segurava com firmeza pelo braço.
- Nanny! Meu pai! Me solta! Me solta! – Gritava eufórica.
- Dorothy, acalme-se vamos encontrá-lo logo. Lembra que te falei sobre o perigo de atravessar a rua sozinha? Hum?
- O sinal abriu! Me solta! Mãe fala pra ela me soltar! – Gritava a menina enquanto insistentemente puxava o vestido da mãe.
A multidão se adiantou, a mãe da menina acabara de ouvir uma péssima notícia. O evento fora cancelado. Meses de trabalho jogado fora. Seu rosto contorceu-se em uma máscara de fúria vermelha. As palavras do interlocutor foram ríspidas e duras sem margem para negociação. Sentiu o chão girar e sua cabeça era martelada pela voz irritante daquela menina insistente que não a deixava raciocinar. Tomada pela fúria virou-se para a babá e num berro ensurdecedor ordenou:
- MAS QUE DROGA! SOLTE LOGO ESSE INFERNO DE MENINA!
A frase surpreendeu a todos que assustados diante daquela explosão pararam para olhar.
Mas ninguém se surpreendeu mais do que a babá reploid. Nunca em sua curta vida um ser humano gritara com ela. Uma ordem imperativa e furiosa. Confusa, assustada, com os olhos esbugalhados ela abriu a mão num reflexo involuntário libertando a pequena Dorothy de sua segurança. Um gesto que a faria arrepender-se pelo resto de seus dias.
Foi tudo muito rápido. Mas para Nanny tudo pareceu uma eternidade. Do grito até a conclusão dos acontecimentos se passaram não mais do que dois minutos. Mas para ela foi uma vida inteira. Liberta de sua babá a menina avançou a toda velocidade na direção de seu pai, abrindo os braços e um grande sorriso enquanto gritava por ele. Seu pai primeiramente olhou para a rua, que estava estranhamente vazia de veículos, e em seguida para a filha se aproximando, quatro faixas de carros os separavam, um espaço relativamente curto para as passadas de um adulto, mas demasiado longo para uma criança. Os pedestres de ambos os lados já estavam com os pés na rua quando uma série de sons vindos do outro lado da quadra chamou sua atenção. Todos inadvertidamente olharam naquela direção. Todos exceto Dorothy, Nanny e a Sra Dalton. A primeira porque só tinha olhos para o pai. A segunda porque ainda estava se recuperando do baque causado pela explosão de fúria da patroa e a terceira porque voltara a falar ao celular na vã tentativa de reverter à situação.
Logo em seguida surgiram quatro Chasers em alta velocidade descendo a rua numa alucinada perseguição. O mais adiantado deles era pilotado por um reploid que disparava rajadas de seu blaster para trás indiscriminadamente tentando atrasar seus perseguidores e não prestando atenção ao que tinha a sua frente. Os outros três, claramente Maverick Hunters, faziam o mesmo, disparando eventualmente contra o irregular na tentativa de detê-lo.
Assim que tiveram idéia do que se tratava, os pedestres voltaram à calçada procurando abrigo. Dorothy estava no meio da rua neste momento. E parou assustada para ver o que era tudo aquilo. Nanny recuperada da catarse em que se encontrara segundos antes voltou seu rosto primeiramente para a menina e em seguida para os motoqueiros que se aproximavam a toda velocidade. O Sr. Dalton abandonou o bicho de pelúcia numa tentativa desesperada de salvar sua filha. Neste momento até a mãe percebera o que ocorria.
O Maverick Hunter que estava mais atrás visualizou toda a cena. Uma menina humana estava no meio da rua, o Maverick olhando para trás não percebera que se chocaria com ela em alguns segundos. Ele tinha de agir rápido, armou seu blaster mirou na parte dianteira do Chaser e no momento em que tinha o disparo perfeito foi encoberto por um de seus aliados. Ele só tinha alguns segundos antes que a tragédia anunciada se concretizasse. E a única maneira de salvar a menina, embora com chances muito pequenas, seria disparar contra as costas de seu companheiro com um disparo de força suficiente para atravessá-lo e torcendo para que a rajada tivesse força suficiente para deslocar o Chaser do Maverick, poupando assim a vida da garotinha. Segundos preciosos! Estava tudo calculado. Ele hesitou. Como poderia abrir mão de uma vida por outra. Como ter sangue frio para disparar as costas de alguém que confiava nele. Como ter certeza de que daria certo. O tempo passou, o tiro não foi dado. O destino da criança humana estava lançado. Não havia mais nada o que fazer.
O pai correu, seu coração pulsava violentamente contra o peito, seus olhos escureceram seus ouvidos ensurdeceram. Tão perto e tão longe. Suas pernas não respondiam. Era tarde demais. Não havia mais nada o que fazer.
A multidão que procurava se proteger daquela confusão deu-se conta do que estava prestes a acontecer. Todos olharam para trás na esperança de que o Maverick fosse detido antes de atingir a menina. Um clamor elevou-se de todos ao mesmo tempo. Mas não havia mais nada o que fazer.
Dorothy teve pouco tempo para reagir, viu uma luz crescendo em intensidade e um barulho ensurdecedor se aproximando. Ela não teve tempo de pensar. E seu último e instintivo gesto foi olhar para a única pessoa que acreditava poderia protegê-la de todo mal.
No último momento, o reploid olhou para frente e viu uma criança humana parada diante dele. Segundos antes do choque ele teve uma escolha. Poderia ter desviado, ele a atingiria de algum modo, mas agindo rápido o dano poderia não ser fatal. Contudo essa atitude o deixaria a mercê dos perseguidores e ele não tinha intenção de ser preso. Não. Era só uma menina humana idiota no lugar errado e as chances de escapar depois do choque eram maiores do que se quisesse bancar algo que ele não era. Ele fez sua escolha.
Nanny viu tudo passo a passo, segundo a segundo. O pai se aproximar, o hunter refugar o disparo a multidão se abrigar, o maverick decidir e os olhos suplicantes de sua amada Dorothy encontrarem os seus antes do violento choque que varreu sua curta vida da Terra. O som de seus ossos se partindo foi abafado pelo clamor da multidão e pelo som do Chaser se chocando com o chão mais à frente.
O reploid recuperou-se rapidamente da queda. Os hunters já o haviam cercado, mas ele era rápido, mais rápido que eles. Disparou uma rajada contra as pernas do que estava a sua esquerda e quando o outro tentou atacá-lo esquivou-se e atingiu-o diretamente na face pondo-o fora de combate. Já esperava receber um terceiro disparo quando ouviu uma ordem imperativa que o surpreendeu.
- Renda-se!
O terceiro hunter já descera do Chaser e se aproximava com o blaster carregado de energia e apontado para ele. "Curioso", pensou. Os Maverick Hunters tinham fama de executores implacáveis, mas esse hesitava em finalizá-lo. Provavelmente não teria coragem de disparar. Ignorando a ameaça o Maverick fez menção de erguer o blaster na direção do atacante, mas foi atingido por uma rajada letal antes de completar o movimento. Estava acabado.
O terceiro hunter checou o amigo alvejado na face. Morto. O mesmo que entrara em sua frente segundos antes impossibilitando o tiro que salvaria a menina e possivelmente neutralizaria o Maverick sem necessidade de matá-lo. No final, a conta de mortes só aumentara. O outro hunter embora ferido estava a salvo. Neste momento um grito desesperador irrompeu atrás deles. Uma mulher lívida como um espectro aproximou-se do corpo disforme que provavelmente fora sua filha, mas que agora era só uma massa de carne envolta em sangue e gritava desesperada, arrancando os cabelos. O homem, possivelmente o pai, ajoelhou-se onde estava e urrou erguendo os braços ao céu, possivelmente amaldiçoando Deus por seu infortúnio.
- Que desgraça... – Murmurou o hunter, cheio de pesar, repreendendo-se por sua hesitação ter sido a causa de tanta dor. Não pode deixar de notar ao fundo uma reploid com olhar assustado, que começara a tremer convulsivamente. Buscando na memória os acontecimentos percebeu que a menina antes de morrer olhara em sua direção. Possivelmente a babá. O grito de dor da mãe logo se tornou um esgar de fúria que se voltou para a temerosa reploid.
- ASSASSINA! VOCÊ MATOU MINHA FILHA! – Berrou apontando em sua direção – VOCÊ MATOU MEU BEBÊ!
De repente tudo se tornou uma grande confusão. O povo revoltado com tamanha crueldade e não podendo descontar sua fúria coletiva no verdadeiro responsável cercou a pobre babá numa clara intenção de fazer justiça com as próprias mãos. Afinal, era sua responsabilidade proteger a menina. Se ela falhou a mãe tinha razão de acusá-la de tão bárbaro crime. A maioria da turba furiosa era de reploids que cansados de conviver com a ameaça Maverick sem nada poder fazer, estava disposta a descontar naquela pobre coitada toda sua frustração. Prenunciando um linchamento injusto o terceiro hunter aproximou-se rapidamente e afugentou a multidão ensandecida com alguns disparos para o alto.
- Ela é uma assassina! Uma Maverick Assassina! – Gritava alguém na confusão.
- Já chega de mortes por hoje! – Respondeu o Hunter, assustado com a reação das pessoas a sua volta. – Mesmo que seja verdade, o que acho pouco provável, ela deverá ser julgada por um tribunal e se for...
- Matem a maverick! – Incitou outra voz na multidão que avançou alguns passos na direção dela.
Instintivamente ela se agarrou à única pessoa que não desejava matá-la ali. Percebendo que seu palpite estava certo, o Hunter prosseguiu em um tom mais alto de voz.
- Ela será conduzida a Delegacia do Distrito! Está sob minha guarda e se alguém tentar atacá-la vou considerar isso como um crime de agressão e prendê-lo também! – Afirmou um tanto inseguro se realmente poderia protegê-la de tantas pessoas furiosas ou se acabaria linchado também.
A mulher que agora era uma visão assustadora de desespero, raiva e frustração, aproximou-se gritando impropérios ao hunter. Chamando-o de defensor de Mavericks, traidor e protetor de assassinos. Percebendo que ela era o pivô da onda de fúria tomou a reploid hostilizada pelo braço e a afastou da mulher enlouquecida. Ao passarem próximos do pai este se agarrou à mão da babá. Seus olhos eram vazios e tristes.
- Você matou minha filha Nanny? – Perguntou em meio a soluços.
A reploid não conseguiu responder. As palavras não vinham a sua boca. Ela não conseguia reagir. Mas encontrou forças para negar a afirmativa com a cabeça num vigoroso gesto de injustiça. O homem pareceu-se conformar com aquela resposta, deixou-a ir e conteve a mulher que os perseguia, seguida de perto pela horda de linchadores. O hunter fez sinal para que seu amigo chamasse reforços e desapareceu rua abaixo com a reploid. Eles enveredaram por várias ruas, em passo apressado e depois por vielas pouco freqüentadas. Numa destas Nanny percebeu que estava sendo conduzida para um local ermo. Subitamente recobrou sua capacidade de raciocinar, temendo pela própria vida começou a suplicar.
- Por favor Senhor Hunter! Eu juro que não fui eu! Eu não matei minha Dorothy! Ela queria correr ao pai eu não deixei, mas a mãe dela gritou comigo. Eu sei que não devia tê-la soltado, mas eu me assustei. Me perdoe! Eu não fiz por mal! Por favor não me mate!
O hunter parou e olhou assustado para a suplicante reploid que se tivesse lágrimas agora estaria chorando rios delas. Ela a soltou e sem forças para se manter, devido ao medo e ao estresse ela caiu de joelhos no chão. Soluçando e tremendo.
Ela esperava um disparo misericordioso que acabaria com sua vida. Estava com medo. Sempre ouvira histórias sobre a brutalidade dos Maverick Hunters com aqueles que eram acusados de serem Mavericks. Esse mesmo hunter acabara de matar um reploid a sangue frio. Estava certa de sua morte. Uma morte injusta, uma vida dedicada ao amor de uma criança e um único erro a tornara um monstro aos olhos de todos.
O hunter ajoelhou-se ao seu lado, colocando uma das mãos sobre os ombros dela na tentativa de acalmá-la. Surpresa pelo gesto inesperado ela ergueu os olhos e fixou-os nos dele.
- De onde você tirou essa idéia de que vou matá-la? Porque faria isso? Você não fez nada de errado. Quem matou a menina foi o Maverick que estávamos perseguindo. Porém, a responsabilidade era sua e é possível que os pais da criança queiram prestar uma queixa de sua imprudência. Se isso acontecer você provavelmente será julgada, mas não se preocupe, vou testemunhar a seu favor. Já basta de mortes injustas por hoje. Eu estou cansado disso.
Ele se levantou e estendeu uma das mãos para ela.
- Além do mais, era eu quem deveria ter impedido tudo isso. A culpa é toda minha. – Afirmou com uma certeza desconcertante. - Vamos?
Surpresa com tantas declarações inesperadas e envergonhada com sua atitude para com aquele bom hunter, ela aceitou o convite sem em nenhum momento tirar os olhos dos dele.
- Seu nome é Nanny certo? – Indagou o hunter enquanto caminhavam lado a lado pela ruela estreita.
Ela assentiu com a cabeça. Estava confusa, desorientada. Em poucos minutos sua vida virou de cabeça para baixo, viu sua amada protegida desfazer-se diante de seus olhos, uma multidão ensandecida querendo linchá-la, um hunter que certamente a levava para a morte assumir toda a culpa. Mas agora se sentia tranqüila e protegida pela presença daquele bom reploid que a conduzia.
- Muito prazer Nanny, meu nome é X. – Disse esboçando um tímido sorriso. Os dois continuaram a caminhar lado a lado. A viela estava acabando e já podiam ouvir a agitação da rua seguinte. Um profundo e desconcertante silencio abateu-se sobre eles até que Nanny resolveu quebrá-lo.
- X... Muito obrigada.
