Sorriu ao ver o sorriso do mais novo e não compreendeu as lágrimas que lhe queimaram os olhos. Piscou rapidamente numa tentativa de fazê-las desaparecerem, mas não foi bem sucedido. Esfregou o rosto ainda sem entender o que acontecera ou de onde as lágrimas vieram e voltou a encarar o irmão. Sentiu o peito apertar ao notar tudo que o outro perdera por causa desse negócio familiar, percebeu, como que de repente que perderam a chance de terem vidas normais. Enxergou a vida que o mais novo nunca tivera, e talvez nunca viesse a ter. Surpreendeu-se com o suspiro ao pensar em como suas vidas teriam sido se suas almas, infantis ainda, não tivessem sido corrompidas pela tragédia que ocorrera com a mãe. Era quase visível a linha traçada; marcando seus destinos; condenando seus futuros; os trancando nessa armadilha demoníaca que nunca os permitiria ter uma vida normal. Sentia pelo irmão, pelo qual sempre fora responsável. O mesmo garoto do qual prometera sempre tomar conta, pelo qual jurara, internamente, dar a vida caso fosse necessário. O menino pelo qual tanto lutara, já estava perdido; não pôde salvá-lo; não pôde dá-lo a vida que merecia. Não tinha muito tempo decidira fazer o possível para melhorar a situação; jurara ir ao inferno, se fosse preciso – e de fato iria. O faria por tudo o que passaram juntos. Assistiram as estações se fundindo; dias se perdendo em anos; fenômenos naturais passando despercebidos. Quando fora a última vez que foram à praia ou pararam pra olhar as estrelas? A memória mais nítida que tinha de tais situações foi na infância, nas noites em que o pai saía em serviço, lembra do menor – ou seria maior? – olhando encantado para o reflexo bonito das estrelas nas ondas do mar. Agora, em dias mais difíceis, mal lhes sobrava tempo para notar essas pequenas coisas que lhe foram – e talvez seriam – tão importantes em anos não tão longínquos.
Sentiu os olhos do outro lhe queimando e piscou sentindo os olhos cansados. Abriu a boca na tentativa de dizer algo para quebrar o clima, ou tentar fazer algum de seus comentários sarcásticos, mas sentiu que as lágrimas lhe trairiam e viriam à tona juntamente com as palavras. Ergueu-se simplesmente e se aproximou do irmão que lhe encarava confuso. Passou os braços ao redor da estrutura do, embora fosse mais alto, menor. Sentiu os ombros caírem relaxados ao sentir os braços dele ao seu redor, lhe apoiando. Sentiu falta da vida que jamais tiveram, e que jamais teriam, agora sabia. Mas agradecia por terem escolhido essa vida, pois ela os unira. As tragédias lhes obrigou a criar esse vínculo familiar tão forte, o medo da perca os fez se aproximar tanto. Sentiu que o irmão estranharia caso não o soltasse, mas seu corpo não parecia mais obedecer. Firmou o aperto ao redor do que restara de sua família e voltou a se surpreender com o suspiro e as lágrimas que voltaram a lhe atormentar. Notou que o irmão o compreendia ao sentir suas mãos lhe afagando as costas, como que tentando transmitir conforto. A questão é que ninguém tem conforto nessa parte da vida; no fim. Ninguém quer ver tudo pelo que passou, de repente, ficar pra trás. Ninguém quer perder tudo o que já teve. E ele, sempre tão forte, agora sentia medo; medo da morte. Sentiu a vergonha queimar-lhe ao admitir isso silenciosamente para si mesmo, pela primeira vez permitiu que o irmão lhe protegesse. Deixou-se ser o mais fraco, desejou desesperadamente que o irmão pudesse lhe confortar, que ele possuísse as palavras corretas que o momento exigia. E desejou que o garoto, ah sim, ainda o via como uma criança, soubesse que fizera aquilo por medo, estava quase habituado com o sentimento, por medo de perdê-lo.
Nunca vou te deixar cair. Ficarei com você pra sempre. Passarei com você por tudo isso. Mesmo que te salvar me mande para o céu.
