Olhai os lírios do campo
Não há mais nada.
Não existe mais um campo para que eu possa olhar. Os lírios secaram e a grama virou um amontoado de nada.
As coisas se tornaram tão tênues e tão distantes que parecem estar em outra realidade. Uma coisa qualquer à qual eu não pertenço mais.
Não é esquecimento voluntário. Sou obrigado a conviver com cada lembrança minha por cada instante em que aqui estou. E é desesperador.
Olhar no espelho da sua consciência e perceber que só existe uma conseqüência ao fato de estar aqui: fracasso.
Já não dói mais, ao contrário do que possa parecer. Você se acostuma com o frio, com os gritos e até mesmo com a dor. O problema é se acostumar com você mesmo.
Encarar e conseguir superar não é uma coisa que aconteça por aqui – o mais certo é dizer que eu encaro a cada segundo tudo o que fiz, mas não consigo extrair nada de bom disso. Só se pode superar alguma coisa quando se tem esperança de que possa consertar, de alguma forma, o que foi feito. Mas eu não tenho mais chance de consertar nada – nem aqui, nem em lugar nenhum.
O que se pode fazer quando você matou seus amigos? Nada.
Então é isso que tenho feito.
Não tenho esperado, não tenho lamentado. Apenas tenho existido, dia após dia.
O que me mantém vivo é o arrependimento. E isso, ao mesmo tempo que faz com que eu não desista de respirar a cada segundo, me corrói lentamente, me machuca.
Eu já não tenho um motivo. Nem para continuar, nem pelo qual lutar. Muito menos um motivo para morrer.
Na verdade, não existem motivos para nada neste mundo. Tudo soa como um monte de ilusões. As coisas pelas quais eu sacrifiquei a minha vida nunca foram concretas. Coloque um pouco de poder, um bocado de heroísmo e meu gênio belicoso e pronto: aqui você tem a receita certa para destruir tudo em alguns segundos.
E foi isso que bastou pra eu estragar tudo. Segundos. Pelo menos é o que me parece agora, neste lugar em que o tempo não existe.
Foram os segundos necessários para que todo o jogo virasse contra mim e minhas idéias brilhantes. Foram em alguns segundos que Peter jurou ser o Fiel do segredo, e foram em alguns segundos, também, que eu acabei traçando o destino de todos os meus amigos.
As vidas que se extirparam naquela noite foram um preço muito alto para pagar. Foi demais pra mim.
Eu me arrependo. E eu sei que isso não é o suficiente. Então, é por isso que eu ainda continuo vivo.
Porque nenhum castigo, nenhuma dor, nenhuma súplica é o bastante para reparar o mal que eu fiz aos meus amigos.
Agora já não há o que olhar.
E no fundo, eu fico feliz com isso.
