Capítulo Único
Os dois tinham os olhos abertos, fixos um no outro. Permaneceram daquela maneira a noite inteira, deitados no chão, separados por alguns sentimentos, mão agarrada à mão. Ele teria de ir embora dali a alguns minutos, sabia disso... Estava morrendo.
Quando voltou aos Estados Unidos pensou ter ficado longe da guerra, longe das mortes, mas se não tivesse retornado, aquela altura estaria bem e sua esposa, morta, junto do filho que resolvera nascer no momento em que o ataque começou. Mas não se arrependia por um instante de ter voltado, ele a salvara, e o preço: suas duas pernas, esmagadas, pela casa que havia desabado, e posteriormente amputadas, era algo sem valor, comparado ao amor que sentia pela esposa e pelo filho.
No salão do que sobrara do hospital atingido pela guerra desenfreada que ocorria lá fora havia apenas lamentações. Gente chorando pela perda, gente sorrindo pela ida ter sido atrasada. Havia pais sem seus filhos e filhos que perderam os pais. Havia uma legião de enfermeiras e médicos com as mãos sujas a sangue e com seus corpos cheirando a suor. Sem camas para todos os feridos, os piores deitados no chão, esperando pelo abraço da tão querida morte, para o termino do sofrimento. Se quer havia medicamentos suficientes para todos.
Pode ser que em outro tempo, a guerra fosse apenas um mito.
Os cabelos bagunçados ainda tinham o brilho do sol e os olhos o encanto do céu. Respirou fundo, a dor tomava conta de seu corpo, a dor de ver a esposa sofrendo ou talvez a dor que os medicamentos opióides deixavam escapar de sua perna.
O filho estava bem, e isso era a única coisa que importava para um pai e uma mãe.
O esforço sobre-humano e masoquista de ter tirado a esposa da casa que ruíra com os primeiros tiros dos aviões japoneses não era nada comparado à vontade de querer ver sua família bem.
Fim
