Título

Ela abriu a porta do apartamento e entrou com as sacolas. Exatamente como havia feito no dia anterior. E no anterior ao anterior, e no outro, e no outro, e no outro... Sempre a mesma rotina. Agora, não havia mais poço para pular, não haviam mais fragmentos para achar, não havia um templo antigo, nem um avô cheio de histórias para contar. Da outra era, restara apenas uma lembrança, e não era uma boa lembrança. Mas, enfim, para que pensar nisso agora? Nada voltaria a ser como era antes.

Kagome entrou na cozinha, e com um mero pensamento ascendeu a luz. Essa era uma das únicas utilidades de seus poderes agora. A jóia de quatro almas estava completa, guardada dentro de seu corpo. Fora melhor assim. Mas parecia que, mesmo sem nenhuma dificuldade para ser enfrentada, ou qualquer tipo de treino, os seus poderes continuavam evoluindo, e ela podia afirmar quase com certeza que havia ultrapassado o nível de Kikyou. Também, a sacerdotisa havia morrido antes que pudesse alcançar a totalidade de suas habilidades.

"Mas por que pensar nisso agora? Por que eu estou lembrando de tudo isso hoje?" pensava a garota. Mas ela sabia a resposta: não era agora, não era hoje. Ela nunca tirara aqueles dias de seu coração, e em tudo o que fazia, ela encontrava, mesmo inconscientemente, um jeito, qualquer detalhe que despertava as lembranças que ela se esforçava tanto para manter afastadas. E, é claro, acima de tudo, o sonho.

A três noites que sonhava com ele. A três noites o mesmo sonho, os mesmos cabelos prateados, os mesmos olhos dourados, a mesma voz. A três noites a tortura de acordar e descobrir que fôra apenas um sonho.

Ela não agüentava mais. Sua vida havia perdido o sentido desde aquele dia. Tudo havia desmoronado. Mesmo sua família, que fôra seu único suporte, agora se desfizera: seu avô e sua mãe haviam morrido em um acidente três anos atrás, e Souta morava com uma tia em outra cidade. E ela estava sozinha. Com as amigas da escola, perdera o contato a muito tempo. Mesmo Houjo a havia esquecido.

Ninguém lembrava do seu sorriso, nem mesmo a própria Kagome, embora ela vivesse de memórias. Memórias de um passado que jamais voltaria...

"Então, por que me torturar? Por que trazer de volta a velha Kagome, se ela estará ainda mais sozinha do que eu? Hoje eu vejo como eu era ingênua! Uma garotinha tola e bobinha, que sorria e chorava por qualquer coisa. Mas... que bom se eu pudesse voltar a ser como ela! Eu... Eu quero chorar..."

Mas as lágrimas não vinham, com certeza por falta de prática. Há quanto tempo ela não chorava? Cinco, seis anos? Sete, talvez... desde aquele dia, quando ela prometera a si mesma que não se deixaria molhar o rosto com o líquido salgado outra vez. A promessa fôra cumprida à risca durante muito tempo, pois ela sempre tivera um colinho quente de mãe para desabafar, então as lágrimas ficavam para depois. Mas quando quisera chorar, gritar, colocar para fora as mágoas guardadas por tanto tempo e a dor pela perda de sua família, seus olhos permaneceram secos, e ela não chorara no enterro de sua mãe e de seu avô.

Kagome terminou de arrumar as compras no armário. Se dirigiu ao quarto, pegou algumas roupas e foi tomar banho.

"Hm! Quantas vezes eu briguei com ele por me espionar no banho..." esse pensamento lhe arrancou um sorriso imperceptível, ao mesmo tempo em que ela passeava os dedos pela superfície morna da água. De repente, uma brisa gelada invadiu o banheiro.

"Humph! Deixei a janela aberta!" e com esse pensamento a janela fechou-se estrondosamente.

Depois do banho, ela deitou-se. Não tinha fome, não tinha sono. Só sentia-se vazia. Sentia-se assim a anos, desde o dia em que selara o poço-come-ossos e deixara para trás seus sonhos, seus desejos e seu amor. Seu único amor: um certo hanyou com orelhinhas de cachorro. Nem tristeza, nem raiva, apenas um vazio aterrador. E ela sabia que quando os seus sentimentos viessem, seria com uma força assustadora, pois eles estavam sendo reprimidos a muito tempo.

Kagome agarrou-se no travesseiro, uma pontinha do vazio sendo preenchida com o medo do dia em que ela voltasse a sentir.

"Não preciso sentir, estou bem assim..."

Não, ela podia enganar a quem quer que fosse com um sorriso forçado, mas não a si mesma. Antes, talvez, como ela fizera por muito tempo. Mas agora ela se conhecia bem demais para fugir.

Enterrando a cabeça no travesseiro, mais uma vez Kagome não chorou.

Continua...

Bem, essa é minha primeira experiência com fics de Inuyasha, espero que vocês gostem e comentem, por favor! Não se preocupem, eu não vou parar com essa história pela metade, pois ela já está terminada, só falta o epílogo. Deixem reviews, ok?

Bjus da Queen!