- Está tarde. Acha que ela está por aqui, sama?
- Sim... deve estar.

A noite era fria, obscura, sombria. O céu negro não tinha nuvens, nem estrelas. Apenas o luar iluminava aquela trilha abandonada por onde andavam dois indivíduos.

Um era maior que o outro companheiro, e reluzia em uma armadura dourada. O outro, o menor, cobria o corpo em uma simples capa azul desbotada.

Prosseguiam na sua busca. O que procuravam? O que eles queriam?
Nada ficava claro. As sombras continuavam a se movimentar.

Até chegarem a um campo aberto, onde se encontrava uma jovem, com uma capa lilás, cabelo preso em uma fita da mesma cor e dividindo seu longo cabelo em duas partes.

Eles pararam na frente dela.

- Pandora... Isso termina por aqui. Não permitirei que continue usando as trevas para se tornar soberana deste mundo! – pronunciou o individuo da capa azul.
- Então... você é o mago Hu, certo? – perguntou ela, olhando-o com seus olhos roxos – Estive esperando... Para te mostrar o meu poder.
- Seu poder irá destruir tudo! Pare imediatamente ou eu terei de forçá-la!
- Hm... então eu desejo... que faça isso, se for capaz.

O mago não viu outra alternativa. Iniciou o confronto. Enquanto o seu companheiro confrontava contra um monstro vil, trajado em trajes que cobria seu corpo.

A batalha perdura a noite inteira, adentrando madrugada. Ambos feiticeiros gastaram quase toda sua energia naquilo, e o mesmo aos monstros.

- DESISTA, INSOLENTE! ESTE MUNDO PERTENCERÁ A MIM! EU SEREI A ÚNICA PODEROSA, A UNÍCA!
- Não... Não enquanto eu estiver vivo! Não enquanto eu tiver algo que você NUNCA terá!
- E o que seria, Dragon Hu? O que seria? Eu tenho TUDO!
- Não isso... Chegou seu fim, Pandora! – uniu suas mãos, conjurando uma esfera de luz.
- Não... NÃO!

A bruxa e o misterioso monstro se unem em um só, tornando-se um de sete pernas e oito olhos - Ogudomon.

- DRAGON-SAMA, E-ELES... – pronunciou o companheiro.
- Eu sei, Aegisdramon... Hora de terminarmos... com isso!
- C-como?
- Una sua energia... Está na hora de selarmos Pandora!
- S-Sim!

O intrépido digimon, revestido em uma forte armadura dourada, uniu suas mãos e concentrou suas energias em uma esfera.
Ele e Dragon Hu juntaram as esferas, e durante esse processo surgiram quatorze luzes, cada uma com uma cor e um símbulo.

- Em nome dos fragmentos contidos neste mundo... – começou Hu.
- ... Coragem, Amizade, Sabedoria, Confiança, Amor, Pureza, Bondade, Determinação, Energia, Justiça, Desejo, Felicidade, Esperança e Luz, ...
- Eu os invoco! Faça o Milagre divino abençoar-nos!
- PURIFIQUE ESTE MUNDO! BANA AS TREVAS E AQUELE QUE AS ESPALHOU!
- FINAL UNION BLASTER!

E aquele poder conjurado correu contra Ogudomon, causando um dano fatal.
O sol já estava nascendo, quando o mago materializou uma caixa negra, com um pentagrama em sua tampa.
Ele a abriu e apontou contra a fumaça negra que sobrara do inimigo, que foi sugada para dentro da caixa.

Em seguida, Hu caiu de joelhos ao chão, esgotado. Olhou para o seu parceiro que voltava a forma criança, um V-mon preto azulado de olhos azuis, com uma estrela na testa ( ).

- Sama! – correu até o mago – Dragon-sama! O que... O que houve?
- Kh... Star... E-eu estou enfraquecido... Acho que cheguei ao meu fim...
- Você... você vai morrer?
- Creio que sim m-mas... Antes disso... T-tenho que banir Pandora... para salvar meu mundo...
- N-Não se esforce t-tanto! – gaguejava, pois começara a chorar.
- S-sem drama, parceiro! – Hu se levantou, com dificuldade e invocou seu cajado, apontou para Pandora – Eu, mago Dragon Hu, invoco as forças do bem e da luz...! Levem a alma desta jovem, Pandora, para seu confinamento...!

Atrás de Pandora surgiu um feixe de luz branco, da onde saíram correntes. Ela foi acorrentada, porém tentou resistir e escapar. Vendo que não tinha outra alternativa, a maga atirou um raio mortal contra Dragon Hu, que foi empurrado pelo digimon dragão.

- STAR V-MON! – berrou ele, atônito.
- GAAAH! D-desculpe-me... S-sama... – o digimon caiu no chão, e logo se transformou em dados.
- S-STAR!
- E-eu... Posso ter sido derrotada, mago Hu... Mas tirarei seu precioso amiguinho... antes! – disse Pandora, esboçando um sorriso maquiavélico.
- S-SUA... – com seus últimos esforços, apontou o cajado e disparou uma esfera luminosa dourada contra a rival, que recebeu o ataque em cheio e foi levada pelo feixe.

Estava acabado. Pandora foi aprisionada no Mundo das Trevas, o lugar onde as almas mais traiçoeiras e sombrias iriam parar depois de morrerem.

Por precaução, antes de morrer o mago realizou outro feitiço, com o seu sangue. Todos os seus herdeiros alquimistas e feiticeiros da família Hu estariam encarregados de manter Pandora longe daquele mundo.
Caso ela se libertasse, uma hipótese meio possível de se acontecer, os seus herdeiros teriam a missão de expulsá-la outra vez. Caso a caixa fosse aberta, aquele quem a abriu teria de realizar o seu feitiço para selá-las novamente.

Magicamente, Dragon Hu deixou um livro que continha sua história. E também um outro que levava seus feitiços, incluindo o que usara para selar as trevas e banir Pandora.

Estas foram as únicas coisas deixadas pelo grande e célebre mago Dragon Hu.
Porém, haviam pessoas que diziam ter o visto a vagar pela floresta. Era os fragmentos de sua alma, que continuavam por lá.

Os tempos passaram. E nasceram duas crianças gêmeas, um menino e uma menina. Herdeiros do trono de um reino, denominado Kuroboshi. O mesmo nome da família que comandava o país, de geração a geração.

Aquele reino era tranqüilo, bonito e pacífico. Governado por reis que amavam seu povo e suas tradições.
Seus filhos eram educados da mesma forma que eles foram: Pelos ministros e sarcedotes do reino.

Eles cresceram felizes, um ao lado do outro.

- Oniichan!
- Oniichan, onde você está?

O menino era o mais velho dos gêmeos. Bondoso, corajoso, solidário e um tanto atrapalhado, brincalhão e distraído. Além disso, era esperto e leal, mas quase ninguém notava isso.

- Oniichan!
- Ah, não faz isso comigo! Apareça!

A menina era a mais nova. Carinhosa, gentil... Sempre se preocupava com os outros e nunca consigo mesma. Amava seu irmão como mais ninguém o amava.

- Onde você está?
- Oniichaaaaaaaaaaan!

Ela, com mais ou menos seis anos de idade, saiu procurando por ele, na vasta floresta.
O seu irmãozinho havia dito que iria colher algumas frutas e já voltava. Porém passou horas e nada. Decidiu por si mesma ir atrás dele.

- Oniichaaan?
- Oniichan!
- Onde você está?
- Oniicha- - Algo a agarrou pelas costas, assim que passou por uma árvore.
- Aaaah! – gritou, assustada.

- Shh, sou eu! – respondeu o individuo, sorrindo.
- Oniichan! Não faça mais isso! – respondeu ela, um pouco aliviada ao ver o rosto do irmão – Eu não gosto dessas brincadeiras!
- Perdão, Yami-chan... Mas só assim pra não estragar a surpresa – riu.
- Surpresa? O que você aprontou Lance-oniichan?
- Nada, nada... Vem comigo e feche os olhos – pediu, enquanto a puxava pelo braço.

Lance a guiou até um campo florido, com árvores nas laterais, que formavam uma parede ao ar livre. Lembrava um grandioso salão sem teto, apenas abençoado pelos raios de sol, e com a sombra das nuvens quando passavam pelo astro.

Aquele local era na extremidade de Kuroboshi, na divisa com outro reino.

- E então, gostou? – perguntou ele, esperando a reação da menina.
- L-Lance... como... como você fez isso?
- E-eu só achei esse lugar uns dias atrás! Não fui eu, foi a natureza!
- Ah sim... é lindo! Muito... Muito lindo!
- Acha que o papai e a mamãe vão gostar de conhecer este lugar?
- Não sei... acho que...
- Que...?
- Deveriamos guardar isto como um segredo só nosso! Afinal tenho medo que outras pessoas destruam este paraíso...
- Hm... Não pensei nisso antes...
- Como sempre – riu, e o abraçou – Lance-oniichan... Me promete uma coisa?
- Ahn? O que?
- Que nós, quando crescermos, iremos continuar os mesmos... Um para o outro. Seja quem for o próximo a subir ao trono.
- Certo... Eu também desejo isso, minha princesa. – deu um pequeno beijo em sua testa.

Ela riu e sorriu para o irmão, apertando mais o abraço.

E eles continuaram visitando aquele lugar todos os dias. Passando seu tempo admirando aquela paisagem, aquela paz e harmonia. Isso durante um ano.

Os demais... eles foram separados. Por algum motivo, eles foram separados um do outro.
Talvez por algum receio. Nada foi explicado direito... Ao menos ao que acontecera.

A rainha do reino havia falecido, e com isso o rei teve de se casar outra vez. Porém a Madrasta só conseguia gostar da garota, e não do garoto. O acha um tanto idiota, irresponsável e incapaz de governar Kuroboshi ou de seguir as tradições da família.

Oras! Como uma mulher como aquelas, severa e seca, pode mandar num pobre viúvo? Sim, ela mandava e desmandava no reino.
E por não gostar de Lance, este foi expulso do castelo. E foi viver nas ruas.

E nessas ruas conheceu a vida dura de um simples cidadão... E conheceu também os miseráveis, que não possuíam nada para comer, beber... A não ser migalhas e restos.

Nessa pobreza, que existia em um reino onde pregavam a solidariedade, existia sim aqueles que não se importavam com os outros. Não eram muitos, mas existia.

Conheceu também... outra raça que vivia por lá... diferente dele. Monstros.
Criaturas que viviam nos becos graças a uma discriminação que os humanos possuíam.
O Kuroboshi não chegou a ter contato direto com eles, visto que sempre que um deles o via, este avisava os outros e fugiam.

Ele ficou naquela miséria por... quatro semanas. Até ser abençoado.
Naquela semana, bateu uma chuva tenebrosa no país, o que causou vários estragos e desabrigou boa parte dos mendigos que vivam no beco. Incluindo ele.

Graças a isso, foi dormir naquela noite em cima de uma porta para o porão de uma simples casa. A casa da pessoa que se tornaria alguém especial para ele...

No dia seguinte, o menino acordou ao ouvir uma doce voz. Melodiosa e aconchegante.

- Ei, menino... O que está fazendo aí?
- Huh? – abriu seus olhos, ainda com sono, e viu uma imagem turva – D-desculpe... A chuva acabou... alagando o lugar onde eu...
- Ah! Então... Então você é aquele menino que vi uns dias atrás, não foi?
- Ahn? Nós já nos vimos antes?
- No mercado... No mesmo lugar onde você ia colher migalhas.
- Ah sim... E-eu já estou de saída, desculpe mais uma vez... – Lance levantou-se e quando ia sair correndo, a moça o segurou pelo pulso.
- Espera! Não fuja! Não precisa ter medo.
- N-não? Eu vi... Eu vi como é a vida aqui. Pode ser que... Que os reis preguem a paz, a solidariedade e a amizade... Mas a vida de uns é triste e melancólica! A pobreza é como uma doença... Pensei que só tinha nos países mais rígidos, nos reinos mais tiranos!
- Bem... Eu sei como é... Mas eu te asseguro que neste mundo há pessoas bondosas, que ajudam uns aos outros.

A jovem que usava um vestido vermelho, tinha cabelo ruivo alaranjado, olhos da mesma cor que o do menino, percebeu que ele estava todo encharcado devido à tempestade, e um pouco febril até.

- Você me parece um tanto exausto e... meio doente. Por favor, entre. Por ter pego esse temporal... fico preocupada com sua saúde.
- Huh? E-está bem... N-não está brava por ter... dormido ali?
- Não, não! Não se preocupe com isso. Ah, desculpe... Eu me chamo Yaku.
- P-prazer... L-Lance... – respondeu, um tanto tímido – E o-obrigado...
- Disponha, Lance-kun. – respondeu com um sorriso gentil.

E o levou para dentro de sua casa, onde ele tomou banho e trocou suas roupas. A sorte que morava mais alguém naquela casa. Outra pessoa que no final das contas seria... seu melhor amigo.

Pequenas diferenças. O jovem logo ficou amigo dos moradores daquela casa. Ele era o mais novo, tinha 7 anos enquanto os outros dois... 10.

...

- Lance-kun, poderia me ajudar a arrumar a mesa?
- Claro, Yaku-oneesan – sorriu.

O menino pegou os talheres, e os levou para uma mesa.
Uma casa, meio pequena, mas organizada. Feita de madeira.

Colocou os garfos e as colheres na mesa.
Mas fez um corte pequeno em seu dedo, quando colocava as facas.

- Ai!
- Lance-kun! O que houve? – disse Yaku, preocupada.
- Não foi nada... E-eu só...
- Se machucou? Deixa-me ver..
- O-Ok... – mostrou o indicador direito, que tinha um pequeno risco em vermelho.
- Ah, venha comigo! – levou o menino até o banheiro e tratou do pequeno ferimento.

Lance observa o dedo, com uma simples faixa. Depois se focou na garota.

- Ahn, obrigada Yaku-oneesan.
- Tenha cuidado da próxima vez... Não se preocupe, isso vai sarar.
- Ok... Ok, Yaku-oneesan.

Segundos depois alguém bate na porta. Lance abre um grande sorriso e corre para atendê-la.
Ao abrir, salta na figura que aparecera ali.

- Saigo-san!
- Aah, Lance! N-Não faz isso! Ou vou derrubar o pão!
- Desculpe! Desculpe! – soltou o rapaz, que tinha uma cabeleira grande e castanha, e olhos da mesma cor – Estive feliz... S-só isso!
- Haha, eu sei como é... Relaxa.
- Saigo? Já chegou? – perguntou Yaku, aparecendo na sala.
- Oh sim. Voltei... Sabe como anda aquilo a essa hora, ne, Yaku...
- Sei... Então, como estão lá no castelo?
- Estão bem... Acho. A Rainha parece um tanto rigorosa com a princesa ultimamente.
- Sério?

Lance sabia que Saigo trabalhava no castelo. Era um simples serviçal da realeza, e morava com Yaku. Eram amigos desde pequenos, e se tratavam como irmãos.

Mas o que Saigo e Yaku não sabiam é que aquele menino que habitava a morada deles era um dos herdeiros da monarquia, que foi expulso pela própria madastra.

Sempre que Saigo vinha a contar sobre o que acontecia no castelo, o pequeno Kuroboshi se retirava. Eles não compreendiam os motivos dele, e também não sabiam por que Lance perguntava frequentemente como estava a princesa, se ela estava bem ou sofrendo.

Mas logo descobririam, anos depois.

- Yaku-oneesan! – o menino adentrou a casa, correndo e quase bateu com a cara na porta do armário, onde Yaku estava organizando-o.
- Huh? O que foi, Lance-kun?
- E-eu... Uh... consegui... consegui um emprego.
- C-conseguiu?
- Sim! De alguma forma os Kuroboshi querem um jovem responsável e que possa dar suporte à princesa!
- Espera...
- Yaku... Eu terei de ir embora.

O prato que ela segurava estraçalhou ao cair no chão, rompendo-se em diversos fragmentos.
O seu 'irmão mais novo'... indo morar no castelo? Será que o veria outra vez depois?

A essa altura, o menino já tinha completado seus 8 anos.
Demonstrava felicidade. Imediatamente fez as malas e voltou, vendo a 'irmã do meio' olhando-o.

- Lance, eu... Eu queria te dar os parabéns... – disse ela, gaguejando um pouco. Mal conseguiu conter as lágrimas e começou a chorar.
- Yaku-oneesan! Não chore! Eu ainda virei te visitar! M-Mas... a Yami-chan ela...
- Ela...?
- Ela é importante para mim.
- Como assim? Ela é uma monarca e você um simples menino.
- É difícil explicar... Mas um dia você entenderá, oneesan...
- Do que... Do que está falando, Lance-kun?
- Adeus... Ou até algum dia.
- E-espera...!

E ele saiu porta a fora, indo para o castelo.
Não mais como um príncipe, mas agora como um simples servo.

Pelo menos estaria ao lado de sua irmã mais uma vez.