Devil

"Quando você olha nos olhos do demônio, é como se toda a sua vida se tornasse insignificante e tudo que você queria era nunca ter nascido. Nessa hora, você odeia sua mãe por ter te colocado no mundo. Você odeia qualquer coisa com vida que não tenha que olhar naqueles olhos e mais; você odeia o dono daquele par de olhos com tanta intensidade que o faz sorrir. Você o alimenta com ódio, enquanto tenta desviar o olhar. Mas você não consegue.

Isso pode parecer loucura vindo de uma velha parteira. Mas eu olhei nos olhos do demônio certa vez, pude ver o fogo do inferno ardendo naqueles olhos negros. Tentei, por Deus, tentei desviar o olhar e ajudar a mãe que sofria. Mas os olhos da criança que berrava em meus braços me detiveram.

Naquela época, meados dos anos 30, eu trabalhava em um orfanato. Um orfanato cinzento e que eu temia que não pudesse dar conta de suas crianças. Nossa nova governanta era uma mulher de boa fé, mas muito nova para lidar com uma montanha de crianças sem pais.

Eis que em uma noite de chuva, bate a nossa porta uma moça muito jovem. Prestes a dar a luz. Como de praxe, fui chamada para que pudesse trazer a criança ao mundo. A dádiva de Deus. Com pouco esforço e lá estava o menino. Deveria ter o nome mais estranho que eu já ouvira, mas a pobre mãe – que sabíamos, viria a falecer -, havia feito seu último pedido: que ele se chamasse Tom Servolo Riddle.

Nos onze anos seguintes, vi Tom crescer. Vi o poder que tinha sobre as outras crianças e até mesmo outros funcionários do orfanato. Nossa querida governanta – a quem chamava de "gata velha" - era a única que não se intimidava com as ameaças do pequeno. Eu, pelo contrário, era alvo fácil em suas brincadeiras. Eu tinha medo dele. E não poderia não ter. Cada vez que seus olhos frios encontravam o meu, eu podia me sentir ardendo no fogo do inferno.

Vi Tom mentir, manipular, roubar, desdenhar, fingir, torturar e até mesmo matar um pequeno coelho. Eu vi tudo isso. E nunca me pronunciei. Só quem já viu o que eu vi em Tom, saberia explicar por quê. Só quem já sentiu o que eu sentia ao olhar nos olhos de Tom poderia entender o porquê de tanto medo, de tanta submissão. Eu me submetia à seus desejos e vontades, fazia qualquer coisa que o jovem Sr. Riddle decidisse que lhe era necessário. Eu sabia que era melhor tentar sorrir e obedecer-lhe do que contradizê-lo. Todos sabiam. Mas ainda havia aqueles que o contrariavam. E estes sofriam as devidas conseqüências.

Juro – e que Deus me perdoe por ter feito isso! -, comemorei quando vi Tom ir embora. Ninguém lamentou em vê-lo pelas costas. Tom foi estudar, longe, em um internato. Ainda tinha que voltar no verão: mas essa era a minha época de férias! Quando Tom nos deixou, as crianças passaram a viver mais felizes. Tudo parecia mais bonito e leve.

Eu sempre me perguntei: como pode uma criança ser assim? Se é assim hoje, o que será quando crescer? Dizem as más línguas que é melhor nem querer saber no que ele se tornou... Tenho dó daquela mãe, que sofreu tanto para carregá-lo na barriga por nove meses. Morreu para dar à vida alguém que, aparentemente, nem mesmo merecia viver.

Mas mais pena ainda, tenho do colégio que o levou. Se soubessem o que acabavam de fazer, jamais teriam tirado Tom de nós. A escola que abriu as portas para Tom certamente abriu as portas do inferno."