De maneira majestosa, o céu petróleo da noite anterior ganhava lentamente uma aquarela de cores: as cores do novo dia. Aos poucos, os pássaros declamavam sua melodia natural acompanhados pelo farfalhar do barulho de suas asas a cortar o alegre céu que rodeava a cidade. Mais um dia se iniciava, de fato. Contudo, não era um dia comum. A padaria da esquina não se prontificou a adornar o perímetro com o almejado cheiro de pão fresco tão pouco os estabelecimentos fizeram questão de escancarar suas pesadas portas metálicas. Aos poucos, o silêncio sucumbia-se aos grunhidos oriundos das silhuetas cerúleas que definhavam vivas pelas ruas da cidade. O cheiro de pão fresco dava lugar ao cheiro de morte, salpicado pela essência do medo: naquela instância, a esperança não era a última que morria.

Uma silhueta passava apressadamente entre as ruelas de Richmond usando apenas um sobretudocomprido e um par de coturnos pretos. O capuz em sua cabeça deixava escondido todo seu cabelo e uma grande parte de seu rosto.

Marchava em direção a uma bela casa amarela, estilo vitoriano, no final da rua Sales Drummond, onde uma mulher com cerca dos seus sessenta e poucos anos se balançava no balanço de madeira na varanda. Estava envolvida por um xale vermelho e um vestido simples preto que chegava até seus tornozelos magros, onde começava suas botas de couro marrom, velhas e surradas, de bico fino. O esmalte vermelho em suas unhas estava começando a descascar e, entre seus dedos, encontrava-se uma piteira com o cigarrojá pela metade.

A pessoa sob o capuz fez um breve aceno com a cabeça ao passar pela portinha de madeira branca, que combinava com as cercas, do jardim. Demorou-se ao passar pelo pequeno caminho de pedras para aproveitar ao máximo o maravilhoso cheiro das gardênias espalhadas por ali.

– Por que a demora, Sidney? – perguntou a mulher após a figura encapuzada se postar ao seu lado e encará-la dando outra tragada no cigarro.

– Se você não tivesse me proibido de aparatar, poderia ter chegado mais cedo, Sibila – rosnou Sidney cerrando os punhos. Sua voz era grossa, talvez estivesse resfriado – Vamos logo, tenho mais o que fazer do que olhar para sua cara velha e enrugada!

Sibila pulou de seu balanço e lançou um olhar mortal para Sidney, que retribuiu com um sorriso irônico nos lábios. A mulher girou sobre os calcanhares e abriu a porta de madeira branca que dava para um belo aposento, grande e espaçoso, com sofás de couro negro, uma lareira e escada em curva de mármore, estantes cheias de enfeites de cristal e livros com capas de couro e um extenso corredor que dava para a cozinha de onde vinha uma mulher jovem, com cerca dos seus vinte e poucos anos, trazendo em uma bandeja de prata dois copos e uma garrafa de vidro cheio de um líquido amarelado e a colocando sobre a mesinha de centro.

– Xerez, Sidney? – perguntou Sibila tirando o cigarro da piteira, o colocando sobre o cinzeiro e derramando o líquido nos copos.

Sidney parou em frente a tal mulher que trouxera a bandeja, era linda, porém o que mais lhe chamava a atenção além dos cabelos louros, os seios avantajados e sua boca rosada era seus perfeitos olhos azuis. Arregalados de uma forma demente e a visão desfocada, como se estivesse morta. Não se mexia nem almenos ao respirar e olhava fixamente para um ponto a sua frente.

– O quê fez com ela? – perguntou Sidney andando em círculos em volta da moça.

– Maldição Imperius – disse Sibila dando de ombros. – Você não esperava que eu lhe receberia na minha casa, não é? – perguntou estendendo o copo para Sidney e dando uma grande golada do seu.

"A história da nossa querida Lauren Hall aqui me chamou a atenção. Como poderia uma mulher tão jovem, bonita e recém-formada na área de direito acabar em um fim de mundo como este? A resposta é muito simples: homem. Lauren, durante a universidade, se envolveu com um de seus professores e dizia estar apaixonada pelo velho, barbudo e milionário, Horácio Allen. Bom, pelo menos, estava até encontrar o desgraçado comendo sua irmã mais nova em seu próprio apartamento. Admito que pensei que a corna viraria as costas e ia embora, mas não. Lauren assassinou os dois a sangue frio, foi lindo. Em um curto espaço de tempo os dois já estavam mortos… Tudo isso usando apenas uma agulha de crochê e ainda conseguiu se livrar de todas as provas, sem nenhum erro. Se mudou para cá há cerca de dois meses tentando recomeçar e esquecer tudo o que ocorreu, como se fosse conseguir. Às vezes me surpreendo com alguns desses trouxas, não são tão diferentes de nós como pensamos."

A mulher soltou uma risada horrenda e malévola como se o que acabara de contar fosse a história mais engraçada que já ouvira na vida.

– Pode ir, estrupício! – mandou e, com um breve aceno de cabeça, Lauren se retirou batendo os saltos de seus sapatos no piso de madeira enquanto os outros dois se dirigiam ao sofá.

O xerez barato que bebiam fedia e o cheiro de cigarro misturado com o perfume doce que Sibila usava fazia com que o estômago de Sidney gritasse por socorro mas, por educação, aceitou tomar mais de um copo com a velha.

– Agora me conte: O quê de tão urgente você tinha para me dizer? – perguntou Sidney batendo o copo sobre a mesinha de centro.

– Só digo se você me explicar o motivo de ainda estar com este capuz sobre a cabeça – riu ela dando outro gole no xerez fedorento.

– Sabe que ninguém pode me reconhecer – sua boca, o único músculo de seu rosto que não estava coberto, tremeu.

– Ninguém lhe reconheceria porque ninguém nunca prestou atenção em uma merda igual a você…

– Já chega! – gritou dando um pulo do sofá e sacando a varinha em direção a bêbada – Não me faça perder a cabeça, Sibila. Depois de tudo que passamos eu não…

– Exato – interrompeu ela dando a última golada no xerez e indo em direção a grande janela ao lado da lareira. – Tudo o que passamos. Tudo o que fizemos. Tudo sem nenhuma resposta de como faríamos para que o Lorde das Trevas retornasse…Até agora.

A pouca parte do rosto de Sidney que não estava coberta pelo capuz empalideceu como uma folha de papel. Depois de anos e mais anos buscando respostas finalmente conseguirão aquilo que mais desejavam no mundo: O renascimento de Lorde Voldemort.

– E c-co-mo f-faremos? – gaguejou Sidney sem conseguir esconder sua satisfação ao ouvir aquela maravilhosa notícia e se esquecendo do estresse que a velha havia lhe feito passar.

– Não faremos nada – disse simplesmente enquanto desenhava algo no vidro da janela com suas unhas compridas. Aquele barulho chegava a dar um certo arrepio na espinha e um frio na barriga de tão horrível que era.

– Do que está falando?

– Tive uma visão. Lorde das Trevas renascerá. Porém, não precisaremos fazer nada além de recebê-lo. Lorde Voldemort renascerá com a ajuda do rebento daquele que o eliminou, o precioso Harry Potter.

Sibila sorria de orelha a orelha ao se virar para encarar Sidney, que caminhou lentamente em direção a vidraça e tocou o desenho com a ponta de seus dedos: Um crânio com uma cobra saindo de sua boca como se fosse uma língua. A Marca Negra.