Voo Solitário – Confissões de Aamsel

O céu estrelado e sem nuvens quase conseguia me enganar, mas a nevasca que acabara de passar fora impressionante.

- Sinal do Fim dos Tempos, diria Susana. – Solto um suspiro e vejo minha respiração virar névoa diante de meus olhos.

O crepitar suave da madeira na lareira era pacificador, observava as brasas voarem e esperava me deparar com alguma fada passeando por ali. O livro pendia em minhas mãos inertes enquanto observava o fogo, ou as estrelas, sentada na poltrona ao lado de minha cama.

Meu quarto não ostentava todo o poder de minha família, mas não me importava. A única coisa que me importava era ter a minha estante sempre cheia com os mais diversos livros sobre folclore.

A porta foi aberta com certa delicadeza. Uma mulher loira de olhos verdes adentrou o quarto e se assustou quando nossos olhares se cruzaram.

- O que faz acordada? Já deveria estar dormindo!

Fecho o livro e o guardo delicadamente na estante.

- Sim senhora. Já estou indo.

Deito-me na cama e continuo a observar Susana, ela estava inquieta.

- Aconteceu alguma coisa..?

Sorrio ao pensar no que poderia estar acontecendo fora daquele quarto. Como estariam meus irmãos? E os negócios de papai, será que estavam bem? Esperava poder encontrá-los no dia seguinte.

- Gustav pediu para que arrumasse suas malas.

Meu sorriso se intensifica.

- Vamos viajar amanhã, mamãe!

Instantaneamente Susana dá um passo para trás, seu rosto uma máscara de terror.

- Já disse para não me chamar disso! E só você irá. A partir de amanhã já é maior de idade e pode sair da cidade.

Baixo o olhar para a lareira, entristecida pela notícia. "Realmente é o Fim dos Tempos."

- Tudo bem... Partirei amanhã assim que o sol nascer. Agradeço o tempo que passei ao lado de vocês.

A mulher se retira e o barulho do ferrolho sendo fechado ecoa pelo quarto vazio e estranhamente gelado.

- Ao menos agora poderei ir ao encontro das fadas!

Salto da cama e começo a organizar os livros e roupas nas malas. Já era mais que hora de sair dessa casa e começar minha busca pelas criaturas fantásticas que residem nesse mundo.

Tudo começou há quatorze anos. Susana estava grávida de gêmeos e nascemos, ou melhor, nasci. Meu irmão estava morto. Foi-se dito que eu matara o bebê ainda dentro do ventre de nossa mãe e que isso só poderia significar má sorte.

Considerando-se que tenho cabelos e olhos negros como a noite e meus pais os cabelos e olhos claros, logo foi dito que eu era filha do demônio. Não poderia ser morta ou abandonada, mas também nunca fiz parte da família.

Se sou filha do demônio ou não, eu não sei, mas que agora perseguirei essas criaturas fantásticas isso eu farei!

- Afinal vocês existem, não é?

Uma fagulha da lareira voou mais alto que as outras, pousando em meu travesseiro e eu sorri.

Era prova o suficiente.