Uma estranha sensação de melancolia tomou conta de Gustavo Branstone quando ele se materializou no povoado de Ballycastle, na costa norte da Irlanda do Norte, onde sua mãe morava, e onde ele novamente passaria as férias de verão. Não, ele não era mais um dos estudantes de Hogwarts ao final de um ano letivo. Pelo contrário, já havia passado dessa fase há algum tempo; estava com vinte e três anos de idade agora e já nem morava mais com ela. Mas, mesmo assim, a história, como em todos os anos, se repetia.

O motivo que levava um jovem adulto a ainda passar as férias de verão na casa da mãe era justamente uma terrível tragédia da qual ele, por mais que tentasse, jamais poderia se esquecer: quando tinha apenas quatorze anos, Gustavo foi mordido por um lobisomem. Contaminado pela maldição, viu-se obrigado a passar o resto da vida se transformando num terrível monstro uma vez por mês, pois, para isso, não existe cura.

Mesmo que ele já tivesse tentado superar este problema e decidido dar um novo rumo à sua vida – há dois anos, tinha se mudado para Londres e conseguido um emprego como fotógrafo no Profeta Diário; até uma namorada ele arranjou –, sua sensação era a de derrota ao caminhar em direção à casa da sra. Branstone, observando a estranha névoa que pairava no ar comprimir as vidraças das casas na distante vizinhança. De fato, tudo o que ele menos queria naquele momento era estar de férias; o volume de trabalho no jornal aumentara consideravelmente nas últimas semanas por conta dos recentes e alarmantes acontecimentos. E não era por menos: o Ministério da Magia tinha resolvido, enfim, admitir que o maior bruxo das trevas de todos os tempos havia retornado, e agora toda a comunidade bruxa se juntara para exigir a renúncia do ministro. Mesmo assim, Gustavo não podia simplesmente permanecer em Londres e se hospedar no Caldeirão Furado, como costumava fazer; com a aproximação da lua cheia, corria seriamente o risco de ser descoberto. A única solução que lhe restou foi tirar umas férias forçadas na casa da mãe, e talvez fosse exatamente esse o motivo que o fazia se sentir mais infeliz do que de costume. Até o tempo estava lúgubre; toda essa névoa gelada em pleno verão... não era certo, não era normal...

Parou de andar; a névoa gelada que comprimia as vidraças e que persistia desde a última tempestade de raios flutuava sobre a estrada de terra diante de uma casinha de pedras bem cuidada, onde ele sinceramente gostaria de não estar. Apesar disso, respirou fundo e passou pela entrada; não podia privar a sua mãe, nem mais um instante, da oportunidade de lamentar como ele estava magro.

Aproximou-se da porta e abriu-a. A sra. Branstone, que parecia aflita ao amarrar um pergaminho à perna de uma velha coruja, pôs a mão sobre o peito e suspirou aliviada.

- Filho! Há quanto tempo você não aparece; me deixou preocupada! Eu já estava até mandando uma coruja ir atrás de você – ela caminhou em direção ao rapaz. – Entre, você parece cansado; vou preparar um chá. Fazem você trabalhar demais naquele jornal, já disse isso mil vezes.

O rapaz entrou na casa e percorreu a sala com o olhar. Tudo estava exatamente como se lembrava: uma sala pequena, abafada e excessivamente atulhada. Apesar disso, ninguém podia dizer que era desconfortável; havia um sofá grande e velho e descanso para os pés, almofadas fofas, um relógio de carrilhão, candeeiros a óleo em cima da escrivaninha, e uma vasta coleção de enfeites de porcelana refulgia pelas prateleiras acima da lareira.

- Não falei que ele vinha? – disse a voz de uma garota vinda da cozinha; Gustavo esticou o pescoço e deu de cara com Léa, a sua única irmã, que já havia chegado à casa há alguns dias.

- Tentei falar com você no Caldeirão Furado – a sra. Branstone bateu com a varinha numa velha chaleira amassada, que aterrissou no fogão com um baque sonoro e começou imediatamente a borbulhar. – Mas me disseram que você não está mais hospedado lá, e eu fiquei sem saber o que havia acontecido...

- Bom, é que já faz um tempo que eu não me hospedo no Caldeirão Furado. – explicou Gustavo. – Desde o ano passado, quando precisei viajar para Hogsmeade a serviço do Profeta Diário.

- Ah, menos mal – a sra. Branstone deu outra batida na chaleira, que se ergueu no ar, voou até a mesa e se inclinou; ela encaixou três canecas sob a chaleira bem a tempo de aparar o chá fumegante em cada uma delas. – Eu estava preocupada por conta dos dementadores à solta provocando essa névoa, mas pelo menos em Hogsmeade você fica mais protegido...

O rapaz coçou a nuca, imaginando se devia ou não explicar à mãe que ele, como um lobisomem, era quem oferecia perigo.

- E também assim você esquece um pouco a história com aquela moça... – prosseguiu a sra. Branstone. – Como é o nome dela mesmo?

- Penélope – Gustavo respondeu estarrecido; era um absurdo que a sua mãe tivesse esquecido essa informação. – Penélope Clearwater!

- Sim, os Clearwater. Fiquei sabendo que o pai dela foi demitido do cargo de bruxo-presidente do Gringotes. Daí você já percebe com quem estava se metendo...

- Ele agora é professor em Hogwarts – informou Gustavo, os olhos lacrimejantes após engolir um grande gole do chá escaldante. – Foi aceito no cargo de professor de História da Magia.

- As aulas dele são demais – disse Léa animada; a garota agora estava indo para o terceiro ano do colégio dos bruxos. – Outro dia ele ateou fogo ao próprio corpo para mostrar como funciona o Feitiço para Congelar Chamas que as bruxas usavam na Idade Média quando eram condenadas à fogueira! E vocês precisam assistir às aulas dele sobre os bruxos do México antigo...

- É, mas agora que Dumbledore foi reconduzido ao cargo de diretor, em breve irá devolver o emprego do Prof. Binns.

Gustavo sentiu o chá quente entalar em sua garganta; a ideia de ter o sr. Clearwater novamente por perto impedindo-o de se encontrar com a sua filha de alguma forma não o agradava.

- Tomara que ele e o Prof. Binns ensinem a disciplina – comentou Léa. – Se bem que eu gostaria que o diretor tivesse conseguido se livrar do fantasma do Binns para sempre...

- Com licença – Gustavo se levantou de repente com uma zoeira estranha nos ouvidos. – Preciso ir para o meu quarto.

- Não... – ouviu-se a voz fraca de Léa.

Foi só ele abrir a porta do quarto para entender o motivo do lamento. A garota já havia se instalado; suas roupas já haviam sido guardadas no armário, sua mala estava encostada ao lado da cama, seus livros de magia estavam empilhados caprichosamente sobre a mesa de cabeceira, ao lado do tinteiro e da coleção de penas, na qual ela havia apoiado o porta-retratos com a foto da sua banda bruxa favorita, o Fictícia, tocando em Hogwarts durante o Baile de Inverno.

- Filha, você pode dormir comigo – interveio a sra. Branstone. – Deixe o quarto para o seu irmão porque ele é mais velho.

- Eu cheguei primeiro – choramingou a garota. – Não é justo; todas as minhas amigas têm um quarto!

- Tudo bem – Gustavo disse; era simplesmente ridículo ter que disputar o quarto com uma garota de treze anos. – Eu durmo no sofá.

Ele se dirigiu à sala e se sentou no sofá velho e puído. A sra. Branstone, que observara a cena, aproximou-se e se sentou ao lado do filho.

- Eu estive mesmo pensando nesse assunto – disse ela. – Você certamente tem acompanhado as últimas notícias do Profeta Diário...

- Sim, por acaso é lá que eu trabalho.

- Pois bem; essa semana veio a notícia que Fudge foi demitido, e nomearam Rufo Scrimgeour para o cargo de ministro da Magia. Nestes tempos perigosos, a comunidade bruxa precisa da liderança de alguém decidido e enérgico como ele.

- Eu sei; fui em quem tirei aquela foto dele acenando para o teto.

- Agora, recebemos um folheto do novo ministro da Magia por correio-coruja sobre as medidas de segurança que devemos tomar para nos proteger dos Comensais da Morte. A comunidade bruxa está em guerra declarada; acho que está na hora de você voltar. Você bem que podia construir um quarto integrado à casa; assim cada um ficaria com o seu próprio quarto e...

- Não! – Gustavo exclamou inesperadamente.

Todos na sala ficaram muito quietos. Gustavo permanecia irredutível; ele normalmente teria concordado com a mãe só para não a contrariar, mas não podia aceitar a ideia de morar com ela permanentemente.

- Eu só quero o melhor para você – retorquiu a sra. Branstone, os olhos altivos fixos no rapaz. – Você não pode se hospedar em Hogsmeade às custas do Profeta Diário para sempre!

- Eu não estou hospedado às custas do Profeta Diário – defendeu-se Gustavo, que percebeu que se levantara. – Na verdade, eu não estou morando em Hogmeade. Estou morando com a Penny, em Godric's Hollow.

A sra. Branstone arregalou os olhos e tapou a boca com as mãos, parecendo horrorizada.

- Como isso foi acontecer? – ela perguntou com a voz fraca. – Não me diga que você... Você se aproveitou da ausência do pai dela para...

- Foi o pai dela quem pediu para eu ir morar lá – Gustavo explicou impaciente. – Ele precisou ir para Hogwarts e não queria que a filha ficasse sozinha.

- Obviamente eu sei por que foi! – protestou a sra. Branstone, fazendo um pequeno esforço para se fazer entender – Com toda essa incerteza por causa da volta de Você-Sabe-Quem, as pessoas acham que podem estar mortas amanhã, então tomam decisões precipitadas que normalmente demorariam a tomar. Foi o mesmo que aconteceu da última vez que ele estava poderoso, gente fugindo para casar a torto e a direito; exatamente como aconteceu comigo. Mas essa moça, a Penélope, você acha que ela vai saber cuidar de você durante as noites de lua cheia?

- Talvez eu não precise de alguém para cuidar de mim – o rapaz explicou, impaciente. – Nós fazemos companhia um ao outro, é isso o que acontece.

- E o pai dela simplesmente permitiu ter um lobisomem morando com a filha?

- Ele ainda não sabe sobre as minhas transformações – confessou Gustavo. – É só por isso que eu tive que vir para cá. Senão eu teria ficado por lá mesmo; lá também tem um porão.

A sra. Branstone lançou ao filho um olhar ostensivo e soberbo.

- Eu não falo mais nada – decretou. – Se você acha mesmo que pode se envolver com esse tipo de gente, por mim você pode ficar com essa Penélope, eu não quero nem saber.

- O problema da senhora não é e nunca foi com os Clearwater – disse Gustavo com firmeza. – O problema é comigo. É porque sou um lobisomem. Se fosse a Léa que quisesse ficar com o Ben, por exemplo, aposto que a senhora daria o maior apoio.

A garota revirou os olhos e cruzou os braços, aborrecida.

- Ele tem namorada – ela sacudiu a cabeça com desdém.

- Ótimo; e quando vai ser o casamento, então? – interpelou a sra. Branstone, sem dar atenção à filha. – Porque vai haver um casamento, não? Se você ainda acha que o pai dela vai mesmo permitir que você continue morando por lá com a filha dele depois que souber das suas condições...

- Não sei – Gustavo se levantou. Simplesmente não estava com cabeça para responder.

A sra. Branstone o seguiu.

- Aliás, você sabe que não pode viver às custas do pai dela para sempre, não é? Se está mesmo disposto a constituir uma família, é melhor começar a procurar uma casa para morar.

- Eu sei – respondeu Gustavo tentando não demonstrar a sua impaciência.

- Eu não teria permitido uma coisa dessas na minha casa – prosseguiu a sra. Branstone. – Duvido que se o pai dela fosse uma pessoa decente teria permitido que isso acontecesse.

- Eu sei! – Gustavo exclamou, antes de se trancar no banheiro.

- Não foi essa a educação que eu lhe dei! – gritou a sra. Branstone pelo lado de fora.

Gustavo deu um soco silencioso na parede e se sentou no chão, as mãos trêmulas de tanta de raiva. Estava decidido que aquela seria a última vez que isso acontecia.